Compromisso com a democracia
07/12/2022 17:46
Henrique Barbi e Rafael Serfaty

PUC-Rio tem uma longa tradição em favor da cidadania

Passeata dos Cem Mil (Foto: José Inácio Parente)

Após a divulgação oficial das eleições para Presidente da República, o Reitor da PUC-Rio, Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J., assinou uma nota para a comunidade acadêmica em que reconhece a legitimidade do resultado. No mesmo documento, ele deseja que o novo governo desenvolva políticas públicas inclusivas e trabalhe pela reconciliação da sociedade brasileira. A carta é mais uma confirmação de algo que está no DNA da Universidade há mais de 80 anos: a instituição é uma defensora dos ideais democráticos. E os pilotis são um exemplo de espaço de diálogo, algo que o faz ser parte da memória política e cultural brasileira. 

A história da PUC-Rio se confunde com a do professor Augusto Sampaio, há mais de 30 anos Vice-Reitor Comunitário na Universidade. Ele começou a frequentar o campus da Gávea no início da conturbada década de 1960, ainda como aluno. Nos tempos anteriores ao Golpe Militar, testemunhou a tensão que pairava sob os pilotis e a Vila dos Diretórios Acadêmicos - taxada de “Vila Vermelha” pelos apoiadores do Regime, e, por isso, vítima de constantes invasões policiais. 

Em 1968, quando ele já integrava o corpo docente, a ditadura baixou o Ato Institucional Número Cinco (AI-5) e engrossou as práticas de repressão aos seus opositores. Segundo o Vice-Reitor Comunitário, isso se refletiu de maneira direta na vida da Universidade, que serviu de refúgio para professores cassados nas instituições federais e prestou auxílio aos alunos presos. Estas atitudes colocaram a PUC-Rio no radar dos censores, que se infiltraram nas salas de aula.

— O primeiro gesto foi de abrir as portas, acolher professores de todo o país. Além disso, o Reitor percorria as sessões do DOI-CODI, e às vezes as próprias delegacias, para demonstrar conhecimento sobre a prisão de determinado aluno. Era uma forma de dizer: essa vida é responsabilidade de vocês, estamos de olho. Isso era um ato de rotina. Em muitas oportunidades, eu acompanhei as visitas, por ter estudado em Colégio Militar e dominar aquela estrutura. A PUC-Rio sempre foi contra a censura e o cerceamento da liberdade, esta é a nossa história.

Professor Augusto ostenta na parede de sua sala na VRC uma fotografia que foi um presente do ex-aluno José Inácio Parente, psicanalista por profissão e fotógrafo por hobby. Trata-se de um registro da histórica Passeata dos Cem Mil (1968), organizada pelo movimento estudantil da época e símbolo de resistência. No meio da multidão em protesto, uma faixa sobressaiu: “PUC: Universidade para o povo”. 

Professor Augusto Sampaio em frente ao quadro (Foto: Henrique Barbi)

A característica de “ser para o povo” é uma marca genuína da Universidade. Para o professor, ele mesmo não teria estudado na PUC-Rio se não fossem as políticas de inclusão social. O Vice-Reitor Comunitário afirma que as bolsas de estudo ofertadas, sempre respeitando os valores do mérito e da caridade, asseguram direitos universais ao promoverem a democratização do ensino. Ele acredita que o pioneirismo inspirou a criação da Lei de Cotas, por exemplo.

A professora Alessandra Maia, do Departamento de Ciências Sociais, reforça o compromisso da Universidade com a coletividade. Ela foi bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) no período em que estava grávida de um dos filhos. O aspecto familiar e acolhedor, além da postura cidadã, são valores presentes na PUC-Rio considerados fundamentais para a professora. Desde o início de sua trajetória na instituição, ela participa de ações pela liberdade de cátedra e manutenção da democracia. 

Alessandra ajudou a refundar a Associação dos Docentes da PUC-Rio (ADPUC), em 2018, quando já havia indícios de polarização na cena política nacional, e teve como grande desafio promover o diálogo, desvalorizado desde então. A associação de professores defende a integração entre os departamentos, o estreitamento na relação com os alunos, e ainda, conduz atividades em defesa da ordem democrática.

Professora Alessandra Maia (Foto: Luanna Lino)

As Cartas que fazem um país

A leitura da “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito” repercutiu para além do campus. Segundo a professora, responsável pela apresentação do documento para a comunidade acadêmica, o movimento orgânico e coletivo fez com que o coração dos pilotis voltasse a pulsar. Ela estabeleceu, ainda, que a Reitoria apoiou o ato e continua a se manifestar em prol da democracia - como na publicação da nota que reconhece o resultado das eleições presidenciais.

— Ser democrata é ser vigilante com serenidade. O espírito do dia 11 de agosto (quando a Carta foi exposta) reforçou o compromisso com a democracia e a preocupação da comunidade acadêmica em respeitar o processo eleitoral. Isto reavivou um lugar democrático por natureza, coração vivo da Universidade, que são os pilotis. 

O diretor do Departamento de História, professor Marcelo Jasmin, traça linha similar à de Alessandra. Para ele, os pilotis da PUC-Rio são um lugar de memória, de resistência à opressão da ditadura civil-militar e símbolo da luta pela liberdade. Jasmin afirma que atos como o de 11 de agosto são muito relevantes: aceitar o resultado das eleições é a melhor maneira de resolver conflitos. 

— A leitura da carta foi o primeiro ato público que reuniu pessoas após o isolamento social, em torno da defesa da liberdade e da democracia do país. Por um lado, não gostaria nada esses que se repetissem, e sim que eles fossem desnecessários. Que as pessoas já soubessem que a democracia é melhor do que a ditadura ou as ‘democraturas’, que são as formas disfarçadas de autoritarismo existentes no mundo contemporâneo. Por outro lado, o ensino é necessário.

Professor Marcelo Jasmin (Foto: Luanna Lino)

Com décadas de PUC-Rio nas costas, Jasmin participou de manifestações pró-democracia em maio de 1977, quando a Universidade realizou a leitura da Carta aos Brasileiros. Era um texto de repúdio ao regime militar, redigido pelo jurista Goffredo Silva Telles. Porém, o professor aponta diferenças fundamentais entre os dois episódios.

— A carta de agora é mais sucinta, foi escrita mais coletivamente do que a outra. Em 1977, o texto era lido em defesa de uma democracia vindoura, de uma Assembleia Nacional Constituinte que pudesse vir a instaurar no país uma sociedade livre e mais igualitária. Vivíamos sob uma ditadura civil-militar que impedia a liberdade. Já a carta de 11 de agosto é em plena democracia, para defender o status quo democrático, para resistir às tentações e às tentativas de retornar ao mundo autoritário. 

As mãos da lei

O professor Adriano Pilatti, do Departamento de Direito, enxerga nos pilotis a praça grega da Universidade: espaço de expressão das mais diversas manifestações culturais, artísticas e políticas. Pilatti, no entanto, aponta que, caso o pluralismo e a diversidade defendidos pela PUC-Rio sejam ameaçados, medidas devem ser tomadas.

— O papel de uma instituição universitária não é o de uma autoridade policial. A princípio, deve prevalecer a liberdade, desde que ela não seja utilizada perversamente como forma de buscar a supressão das liberdades. A Universidade tem compromisso com a liberdade de pensamento, de pesquisa, de criação e transmissão de conhecimento. Portanto, precisa zelar pela integridade desse espaço de liberdade que construímos.      

Professor Adriano Pilatti (Foto: Henrique Barbi)

De acordo com o professor, há normas estatutárias da PUC-Rio que preveem punição para atos antidemocráticos, com medidas proporcionais à ameaça. Elas se encontram no Estatuto da PUC-Rio (“Constituição”) e no Regimento da Universidade: vão da simples advertência verbal à expulsão/demissão. Pilatti acredita que só se deve recorrer a medidas desse tipo quando a via do esclarecimento e do diálogo falha.     

— A PUC-Rio não pode ser um palco de guerra, de expressão de fanatismos e de silenciamento daqueles que pensam diferente. Não existe nada mais eficaz contra o preconceito do que a proximidade, e a Universidade sempre soube acolher muito bem. Não se trata aqui de pensar no horizonte sem conflito, muito pelo contrário, a ideia é criar um ambiente em que as contradições e as diferenças possam se manifestar com respeito compatível à instituição.

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