Narrativas da Seca Sertaneja
04/05/2017 11:56
Erick Foti

O estudante de Comunicação-Social Matheus Aguiar relata em um curta-documentário a luta pela subsitência na seca de Manari.

Filhas do Tota lavam a louça com água de poço enquanto uma panela ferve em um fogão de barro no chão/Foto: Divulgação
Retrato da seca e da pobreza que assola grande parte do Nordeste, a cidade pernambucana de Manari, que fica a 400 quilômetros de Recife e está entre os menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, tem recebido o auxílio do projeto Entrejovens. A iniciativa envolve pessoas de diversas cidades e promove ações para melhorar a qualidade de vida dos moradores da região, como distribuição de água e cestas básicas, contratação de carros pipas e construções de cisternas. O estudante do 3º período de Comunicação Social Matheus Aguiar participou do projeto no mês de janeiro e transformou a experiência em um curta-metragem, que será lançado em maio.

Na etapa de vivência, os participantes moram, por um dia, na casa de um sertanejo e acompanham a rotina da família. Segundo Matheus, a participação na viagem foi motivada pelo desejo de ajudar e mostrar a realidade local. No segundo dia em Manari, o pastor local Antônio Manuel do Nascimento Filho, que intermedia o contato com o conglomerado de igrejas responsáveis pelo projeto, buscou os jovens nos alojamentos para dar início à etapa de vivência. Sem nenhum aviso prévio, as famílias que receberam os missionários foram surpreendidas com o pedido para servirem de abrigo por uma noite.

Matheus conta que foi acolhido pelo chefe de uma família, identificado apenas como ‘Senhor Tota’, que prontamente aceitou a proposta, baseado na confiança que tem no pastor. Ele ficou hospedado em casa de taipa (pau a pique), com apenas dois cômodos – um quarto e uma sala, onde mora uma família de 11 pessoas. A comida é feita do lado de fora da casa, no chão, em um pequeno fogão à lenha feito de pedra.

Única forma de acúmulo de riqueza dos sertanejos, o rebanho é alimentado e cuidado por um dos filhos de Tota/ Foto: Divulgação

No pouco tempo em que ficou na periferia de Manari, um dos pontos que chamou a atenção do estudante foi a divisão das tarefas domésticas, que é bem delimitada. Enquanto o homem é encarregado da agricultura e dos cuidados com o gado, a mulher é responsável pela comida, a limpeza da casa e das roupas. Matheus explica que o clima seco predominante na região torna difícil plantar e manter o gado vivo. Por isso, os homens na maior parte do tempo não fazem nada. A decisão de comprar uma cabeça de gado é pensada como uma forma de se manter o pouco dinheiro das famílias em segurança, já que não há bancos na região.

– A forma de acúmulo de riqueza é a compra de gado. Eles fazem isso porque o gado não perde o valor e pode ser vendido ou abatido para alimentar as famílias. Além disso, a cria pode se tornar uma boa fonte de renda. Um dos grandes problemas para manter o gado é a falta de água.

A escassez desse recurso impede o cultivo de plantações, a subsistência do gado e as famílias ficam impossibilitadas de ganhar algum dinheiro além do Bolsa Família. Em conversa com Matheus, Tota disse que a água consome a maior parte da renda mensal da família. Essa quantia é gasta com caminhões pipa e, mesmo assim, é insuficiente para que se consiga manter uma agricultura rentável.

Dentre todas as dificuldades para sobreviver no interior pernambucano, a falta de transporte é apenas mais um problema da população local. Ao conviver com Tota, Matheus descobriu que o único transporte que faz o trajeto entre a casa da família e o centro de Manari é particular e passa duas vezes ao mês. Todas as compras são feitas nessas poucas oportunidades e são cobrados R$ 15 por pessoa que utiliza o veículo, mais R$ 3 por sacola que carrega. Quando alguém precisa de assistência médica, há um valor exclusivo que pode variar de R$ 150 a R$ 200 para levar o enfermo até um posto médico.

Segundo Matheus, durante toda a estadia, foi “tratado como um rei”. A família não mediu esforços para dar o melhor que eles tinham. O estudante relatou que dormiu em uma rede, enquanto alguns familiares passaram a noite no chão, e que comeu coco fora das horas de refeição, o que é considerado um agrado. A solidariedade e o acolhimento da população impressionaram positivamente o estudante.

– A população de Manari é muito pobre e, mesmo assim, é muito solícita às pessoas que passam por uma situação pior do que a delas. Se uma família que não tem nada pedir um quilo de alimento para o Senhor Tota, eu não tenho dúvida de que ele ajudará. Eles têm consciência de que, se eles não se ajudarem, ninguém ajudará.

Segundo Matheus, o trabalho dele no sertão brasileiro ainda não acabou. Ele deseja ajudar outras famílias a ter uma condição de vida um pouco melhor e espera que o curta-metragem possa, além de mostrar a realidade da região, despertar o interesse de outras pessoas em ajudá-los.

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