Um lugar para todos
02/04/2018 08:00
Lethicia Amâncio

Autismo na infância ainda passa por dificuldade de inclusão social

Milhões de crianças brasileiras vivem no Espectro Autista. Foto: Sofia Affonseca

Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, uma a cada 100 crianças no mundo apresenta um quadro de Transtorno do Espectro Autista (TEA). No Brasil, a estimativa é que 2 milhões de pessoas vivam com o diagnóstico. Classificado como um dos cinco Transtornos Globais do Desenvolvimento, o autismo é um distúrbio do neurodesenvolvimento.

Segundo a coordenadora do curso Transtorno do Espectro Autista, da Coordenação Central de Extensão (CCE) da PUC, psicóloga Mariana Seize, a palavra espetro é por causa das variações e diversidade dos sintomas e da gravidade. Segundo ela, no autismo há desde uma gradação mais leve até uma gradação mais grave, assim como na comunicação, com casos de autistas verbais e não-verbais. E mesmo aquela criança que se comunica verbalmente, de acordo com ela, apresenta dificuldade de se expressar e de se fazer entender.

– Eles têm muita dificuldade de entender metáforas, são muito literais no entendimento, e também têm as questões das estereotipias motoras, os interesses restritos, o hiperfoco. A criança só se interessa por um assunto, só fala daquilo. Se você tenta trazê-la para outra situação ela se desorganiza porque é muito rígida naquela forma de agir e pensar.

A condição não é uma conturbação ou atraso mental, mas sim um desvio de desenvolvimento da criança, que cresce de maneira diferente das que não estão no espectro. A psicóloga afirma que a maior dificuldade na inclusão dessas crianças na sociedade é o grande desconhecimento de parte da população sobre o tema.

­– Às vezes, as pessoas se deparam com uma criança que está passando por uma situação de crise de comportamento e olham como se os pais não soubessem lidar com aquilo. Eles não têm ideia do que é autismo e o que aquilo significa para a família.

Além da falta de informação da sociedade, a não aceitação no ambiente familiar também é um problema, de acordo com Érika Miller, fonoaudióloga e integrante do startup social Caçadores de Pérolas. O projeto, germinado no Instituto Gênesis da PUC-Rio, promove a transformação de espaços físicos para ajudar as crianças com o diagnóstico a se sentirem bem e aproximar os pais do universo dos filhos.

– Começamos o projeto com a melhoria nas casas das famílias, onde se pudesse mexer no ambiente da criança e transformar ele de acordo com as necessidades.  Em uma segunda etapa, trazemos profissionais que ensinam a família a brincar com seu filho dentro de casa.

A startup realiza transformações que ajudam a integrar a criança no ambiente familiar. Foto: caçadores de Pérolas

Envolvida com a metodologia do brincar, a startup resgata a filosofia e o cuidado com a família da Casa de Brincar, um espaço onde Érika Miller era voluntária e atendia pais e mães de crianças do espectro. Neste local, onde eram atendidas 60 famílias, foram realizadas oficinas e aulas que envolviam todos.

– Começamos a atender dez mães. Nós entendemos que essas mães precisam de um suporte, de um carinho, porque elas ficam muito reclusas depois que recebem o diagnóstico do autismo, se fecham muito e passam a viver somente aquele problema.

Foi a partir do Catavento, o grupo de apoio para amigos e familiares de autistas no qual Erika Miller participava, que Mariana Paiva encontrou o apoio que precisava. Ela tem quatro filhos e percebeu o comportamento diferente do filho Isaac entre as outras crianças. Em abril de 2010, ela recebeu o diagnóstico Espectro Autista para Isaac, e depois de quatro meses, após estudar muito o assunto, percebeu as características do distúrbio também no outro filho Davi.

— O grupo de apoio foi um divisor de águas, porque a gente quando recebe o diagnóstico vive um luto, você perde o filho perfeito, a criança que ia crescer, aprender, se formar, trabalhar. O grupo trouxe para a gente uma nova visão de como viver com a deficiência, aceitando e sendo feliz, e deu para os familiares um novo ponto de vista da situação.

Mariana Seize afirma que o desconhecimento atinge também profissionais que têm contato com essas crianças diariamente, como na escola e até mesmo em clínicas. Ela frisa a importância da busca por uma capacitação que promova um conhecimento de técnicas e estratégias de manejo dessas crianças e a identificação dos sintomas do distúrbio que, tratado ainda nos primeiros anos de vida, pode melhorar o quadro clínico em até 80% na diminuição dos sinais.                                

– Os professores estão recebendo essas crianças por conta da lei da inclusão, mas eles não sabem como manejar e lidar com o comportamento delas, assim como outros profissionais que estão em contato direto com as crianças. Essa capacitação é importante para que eles possam melhor atender e orientar também os pais sobre uma condição que, hoje, não tem cura.

Aluna do Departamento de Design da PUC, Sofia Affonseca realizou como projeto final, que foi exibido na Semana de Design de 2017 na Universidade, o trabalho Autismo: Uma questão de todos. Ela desenvolveu uma linha de brinquedos para crianças autistas composta por produtos portáteis, que ajudam na redução do estresse, trabalham no foco, mapeamento visual e equilíbrio do usuário.

– Assisti a aulas de ginástica olímpica em que 90% dos alunos têm autismo e também entrei em contato com vários profissionais, como terapeutas ocupacionais, neurologistas e fonoaudiólogos que me ajudaram a entender as principais questões. É um assunto pouco explorado, quase um tabu, e existe muito preconceito.

Os brinquedos são portáteis e ajudam crianças no tratamento. Foto: Sofia Affonseca

As pesquisas dos últimos anos também mostram que o diagnóstico é mais comum no sexo masculino: para cada uma menina autista, existem de quatro a cinco meninos com o quadro. Os resultados foram corroborados por estudos feitos pela Universidade College London, na Inglaterra, que esclarece que a discrepância da presença do distúrbio entre os gêneros ocorre pela dificuldade do diagnóstico em pacientes do sexo feminino. As meninas demonstram diferentes sintomas e maior capacidade social, o que camufla os sinais do autismo.

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