Um Rio de Cortes
11/05/2018 17:11
Lucas França

Da Zona Sul à Norte, o mercado das barbearias cresce e busca diferentes formas para conquistar o cliente

Ambiente com diversos serviços atrai clientes. (Foto: Isabella Lacerda)

Sinuca, cervejas e sanduíches artesanais, massagem, limpeza de pele, videogame e aniversários. Esses poderiam ser serviços de uma casa de festa, mas na verdade eles são oferecidos pelos “barber shops” espalhados pelo Brasil. A junção de corte de cabelo e barba com um ambiente do “homem moderno” tem atraído clientes para esse tipo de negócio, que de 2013 para cá tem crescido pelo Brasil.

Uma das barbearias referência nesse estilo é a Barbearia do Zé. Espalhada pelo Rio de Janeiro em 11 unidades, a proposta da BZ é que o cliente perca tempo na barbearia. É o caso da unidade de Botafogo, na Zona Sul. A loja de 350m² tem 21 funcionários, divididos entre barbeiros, recepcionistas, barmans, serviços gerais e massagista. A proximidade do metrô, do Baixo Botafogo e do edifício da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev) gera um alto ritmo de clientes diário à barbearia, que funciona de segunda-feira a sábado das 9h às 22h e em feriados das 10h às 16h. Sócio da loja, Rafael Martinelli, 36 anos, afirma que a inovação de serviços que a Barbearia do Zé traz para o segmento foi o diferencial para ele embarcar no negócio.

— Eu não queria mais trabalhar em uma empresa de resseguros e saí de lá depois de dez anos. Observei o mercado, opções de investimento e tendências. O segmento de barbearia se mostrou um dos mais promissores. Ao visitar a Barbearia do Zé, no Méier, percebi a atmosfera criada para os clientes e tudo fez sentido para mim. Era algo inovador como pouquíssimas coisas que eu já havia visto nesse segmento.

O “combo” do corte do cabelo e barba custa R$95 na unidade de Botafogo, o valor mais caro da franquia, que cobra R$65 pelo mesmo serviço na loja de Vista Alegre. O alto preço não afasta os clientes. Professor do Departamento de Comunicação Social, Bruno Dieguez frequenta esse tipo de barbearia há dois anos. E gosta tanto do ambiente que comemorou o último aniversário na unidade BZ de Botafogo.

 — Estamos cada vez mais vaidosos, está cada vez menos problemático ser vaidoso. O homem tem que se cuidar, precisa estar bem. É um cliente que está cada vez mais exigente, vejo isso no comportamento das próprias pessoas que frequentam esses salões. Quando vou até lá, espero serviço e curadoria, conhecimento.

Professor do Deparatamento de Comunicação Bruno Dieguez. (Foto: Gabriela Azevedo)

Sem glamour

No outro lado da cidade, na esquina em frente à Estação de Trem de Piedade, Zona Norte, fica o salão do Elder Campos Lacerda, o Ed dú Corte, 26 anos. Ed, que está nesse estabelecimento há dois anos, conta que antes tinha uma barbearia no morro, mas que a decisão de descer para o asfalto deu a ele mais visibilidade e mais clientes, inclusive mulheres.

— Aqui embaixo faço mais técnicas voltadas para mulher. Faço muito sobrancelha, cortes com desenho em mulher. É bom para sair da rotina. Outro caso é um cliente de uns 60 anos. Ele corta o cabelo, faz e pinta a sobrancelha de preto porque tem uns cabelos brancos, pinta o bigode. Hoje em dia não tem mais preconceito, acabou isso. A vaidade ultrapassou o preconceito.

O barbeiro Ed focado no momento de trabalho. (Foto: Lucas França)

Ed é um dos barbeiros participantes do documentário Deixa na Régua (2016), do diretor Emílio Domingos, disponível no serviço NOW. O título é uma expressão do universo de barbearias de favela, visitadas por Domingos, que significa deixar o cabelo do cliente o mais reto possível. O apreço pela simetria e o cuidado com o corte final são temas presentes no filme, percebidos por Domingos durante as gravações. Para o cineasta, os trabalhos dos barbeiros vão além dos cortes, são na verdade momentos de criação e de troca com o cliente.

— Tem muita subjetividade, eles tentam individualizar o corte. Tem o lado artístico de criação, saber adequar um corte para cada pessoa. Isso vai além da questão estética, tem relação com a personalidade do cliente. Tem uma conversa e o barbeiro entende a pessoa. Se é extrovertida pode fazer um corte mais radical, se é tímida faz um corte clássico. O corte vem da relação que o barbeiro desenvolve com o cliente, não são ditadores do corte.

Ed trabalha sozinho na barbearia, o que faz com que ele centralize a gerência do estabelecimento, o corte e a criatividade que o ofício demanda. Ele trabalha de terça-feira a sábado, das 9h às 21h, e cobra de R$30,00 a R$45,00 pelo combo cabelo e barba. Segundo ele, um dos desejos para o negócio é o de colocar uma sinuca com R$0,50 a ficha e outros atrativos para os cerca de 12 clientes que atende por dia. Por não ter muitos recursos, às vezes tenta adaptar o ambiente para oferecer outros serviços.

— Eu já fiz aniversário aqui, uma vez. Comprei uns “litrão” e fizemos um churrasquinho lá fora. Se eu tivesse grana, daria um espaço melhor para os meus clientes, mas aqui nós somos humildes, o dinheiro que entra é para sobreviver e pagar dívidas. Comecei de baixo, estou crescendo aos poucos, não tenho como dar um passo maior do que minha perna. Gasto meu dinheiro todo com o salão. E minha casa, como fica? Minha filha?

Do trabalho diário à inspiração de outros barbeiros

Apesar das dificuldades enfrentadas por Ed à frente do salão, os cortes e técnicas dele são referência para outros barbeiros. É o caso do estudante de Administração Matheus Rabello, 18 anos, que se autointitula RB Réguas, e que atua como barbeiro aos sábados. O espaço de trabalho de Rabello, cedido pela mãe, é a área de serviço e a cozinha de casa. Ele conta que se interessou por barbearia a partir dos cortes que outras pessoas faziam nele. Em 2016, durante a ocupação do Colégio Pedro II de São Cristóvão, onde cursou o Ensino Médio, surgiu a oportunidade de cortar o cabelo de alguns colegas. Depois disso, recebeu apoio da família e de amigos para continuar.

— Um parceiro na ocupação tinha máquina. Como eu me interessava por isso e seguia barbeiros no Instagram, chamei esse amigo para cortar o cabelo dos moleques. Eu deixei muita gente careca, mas achei que estava cortando muito. Meu pai, que tem um campo de futebol em Quintino, queria abrir uma barbearia lá. Perguntou se eu queria tomar conta do espaço, mas eu disse que passaria vergonha. Um dia ele apareceu em casa com máquina e pente, disse que era para eu treinar. Contei para uns amigos que toparam cortar de graça. Com o tempo, o corte evoluiu.

Matheus Rabello corta cabelo na cozinha de casa

RB trabalha das 8h às 17h e atende de dez a 12 clientes por sábado. Essa rotina de trabalho tem pausas somente para varrer a cozinha, uma das exigências da mãe de Rabello para que o espaço continue livre para uso. O almoço muitas vezes fica de lado para RB cumprir os horários da agenda, que são organizados pelas mensagens que os clientes mandam pelo WhatsApp. Ele cobra R$20,00 no combo cabelo e barba, feitos com máquina, e R$22,00 quando são feitos com navalha. Os lucros dos cortes se juntam ao salário que ele recebe como jovem aprendiz e têm como destino a compra de equipamentos e economias para, futuramente, o barbeiro montar um salão próprio.

— Tenho muita vontade de ter uma parada minha, um espaço com meu horário para as pessoas me conhecerem. Não por vaidade, mas para valorizar o trabalho. Faço faculdade de Administração para conhecer tudo, saber gerir negócio e não fazer besteira. Minha mãe diz para eu continuar a cortar o cabelo na cozinha até ter a condição de conseguir um lugar. A única coisa chata é a faxina, tenho que varrer tudo umas dez vezes.

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