De pé, ligados uns aos outros
11/07/2022 11:34
Victória Reis

Os painéis Guerra e Paz do pintor Cândido Portinari são cedidos novamente pela ONU para serem exibidos

Exposição Portinari para Todos (Foto: Reprodução)

Há mais de seis décadas, o Brasil tem um espaço especial na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York: dois painéis de 14m x 10m cada um, pintados por Cândido Portinari, decoram a entrada e a saída do prédio. Agora, as obras serão cedidas temporariamente para serem expostas em outros países, segundo o filho único do artista, João Candido Portinari, revelou em palestra da Cátedra Carlo Maria Martini, no dia 14 de junho.

De acordo com João Portinari, diretor do Projeto Portinari e um dos fundadores do Departamento de Matemática da PUC-Rio, a primeira etapa do processo de retorno dos murais consistirá na apresentação deles na Itália, mais precisamente, em Roma. O país não foi escolhido por acaso, uma vez que é a terra natal dos pais do pintor. João Portinari afirmou que a região do Vêneto, ao Norte da Itália, onde os avós moraram, promulgou um decreto que torna o ensino obrigatório das obras de Portinari em escolas de ensino médio. Segundo o diretor do Projeto Portinari, após a Itália, as obras já têm destino, desta vez, no Oriente.

- Logo depois da Itália, nosso próximo alvo é a China. Me emociona pensar como o olhar chinês verá essa obra do pintor ocidental que tem tantos vínculos e ligações de valores com o chinês. Uma coisa que me surpreendeu recentemente foi a fala da diretora do balé nacional da China, na qual ela menciona Portinari. Vocês imaginam a importância do balé nacional da china para o país.

De volta aos anos 50

Portinari com o mural de Guerra e Paz (Foto: Projeto Portinari)

O primeiro Secretário-Geral da ONU, Trygve Lie, pediu aos países membros que doassem uma obra de arte que fosse testemunho de cultura e arte daquela nação, para a nova sede da organização, em Nova York, inaugurada em 1952. O governo brasileiro encomendou a Portinari a pintura de um painel para dar presente à ONU.

Durante cerca de quatro anos, o artista estudou mais de 200 técnicas até finalmente se sentir pronto para criar os murais. Um galpão emprestado pelo empresário e jornalista Assis Chateaubriand foi o local escolhido para concretizar o trabalho. De acordo com João Portinari, o processo envolveu altas temperaturas e muitas limonadas para conseguir aguentar a atividade exaustiva. Em meio aos estudos, Portinari passou, gradativamente, por um processo de envenenamento e foi proibido de pintar por recomendação médica, devido à intoxicação com os pigmentos das tintas, principalmente o chumbo. Mas o pintor foi resistente à ideia de parar e disse: "Estou proibido de viver".

Além dos problemas com a saúde, Portinari enfrentou uma perseguição política que o impediu de pintar os painéis na sede da ONU, como desejava. O artista não foi convidado para a cerimônia de inauguração e teve o visto americano negado, com isso, morreu sem nunca ter visto as obras de sua autoria instaladas na sede da ONU. Antes de os murais embarcarem para os Estados Unidos, Portinari e o público brasileiro tiveram a chance de vê-los no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

Desde 1956, os murais estão expostos na ONU, mas em 2010 o edifício das Nações Unidas passou por uma reforma, e os painéis voltaram ao Brasil para serem restaurados. O ateliê de restauro ficou aberto a visitantes, inclusive, a crianças e estudantes que puderam acompanhar todo o processo e aprender com especialistas as técnicas de resgate. Após a reparação dos murais, eles foram novamente expostos no Teatro Municipal do Rio de Janeiro para que os brasileiros pudessem apreciar as obras.

Guerra e Paz

Painel Guerra de Portinari (Foto: Projeto Portinari)

Cândido Portinari considerava Guerra e Paz o seu melhor trabalho já realizado e dedicava os painéis à Humanidade. O Secretário-Geral da ONU reservou para os murais uma superfície maior do que o espaço da Capela Sistina para Juízo Final, de Michelangelo. Para a confecção de Guerra e Paz, Portinari elaborou dois pares de maquetes de 1,45 metro cada, e, como resultado final, os painéis ficaram cem vezes maiores com equivalência de um prédio de cinco andares.

Tanto Guerra como Paz pesam uma tonelada e foram divididos em 14 painéis menores, confeccionados em óleo sobre madeira compensada para construção naval com 6 centímetros de profundidade. A confecção da pintura começou de cima para baixo, mas para Portinari o trabalho era simples, e ele dizia " A maquete está perfeita, é só segui-la".

João Portinari considera que, no painel Guerra, a inspiração sentimental do pintor veio da dor da humanidade, violência e conflito, enquanto a inspiração literária se originou da bíblia, especificamente, o Apocalipse e os quatro cavaleiros. Em Paz, o pintor foi influenciado pela tragédia grega de Eumênides, de Ésquilo, que retrata as figuras míticas que inicialmente eram fúrias, depois são perdoadas e se tornam benfeitoras.

Na ONU, os murais estão posicionados estrategicamente. Na entrada, os delegados e representantes avistam o painel da Guerra, caracterizado com tons sóbrios, frios e predominância do azul e expressões de dor, medo e sofrimento por parte das pessoas.

Apesar de pintar um ambiente conflituoso, Portinari não retrata nenhum objeto bélico, soldados ou sangue na obra, pois a intenção não era retratar um campo de batalha, e, sim, o sofrimento humano. Ele utiliza, por exemplo, a figura do cavalo para representar a fome e o tormento gerado pelo conflito. O painel contém oito representações da Pietá, de Michelangelo, ou seja, o artista reproduz figuras femininas aflitas porque perderam os filhos na guerra.

Em contraponto, na saída das Nações Unidas, as pessoas contemplam o painel da Paz, um símbolo de esperança. Nele, tons pastéis, dourados e serenos contribuem para sensação de crença na humanidade e desejo de fraternidade, com expressões de alegria e harmonia nas figuras. Crianças brincam, participam de um coral e são representadas em diferentes etnias, como caracterização da paz entre os povos. Segundo João Portinari, as obras são atuais e retratam uma potência da figura feminina simbólica.

- Bem recentemente, me dei conta da importância central e massiva da mulher nas obras de Portinari. Identifiquei aquelas mulheres fantásticas imigrantes italianas, que tinham entre 12 e 14 filhos e carregavam uma força, que foi transmitida a meu pai quando criança, e ele jamais deixou de exercer este poder e influência da mulher.

De expressões de terror em um quadro à paz no outro, Portinari buscou retratar sentimentos humanos. Como o próprio artista disse: "Nós somos como mourões de cerca: Só ficamos de pé porque estamos ligados uns aos outros."

Projeto Portinari

João Cândido Portinari (Foto: Fernanda Maia)

O Projeto Portinari nasceu em 1979, com o intuito de eternizar as obras de Cândido Portinari e preservar a memória do pintor. Segundo dados do site da instituição, até o momento foram levantadas mais de 5.300 pinturas, desenhos e gravuras atribuídos ao pintor; mais de 25 mil documentos sobre a obra do artista e organização do arquivo de correspondência de mais de seis mil cartas. Para João Portinari, que dedicou mais da metade de sua vida ao projeto, o instituto é motivo de orgulho.

- Após 25 anos de trabalho, nós conseguimos publicar o catálogo Raisonné com as obras de Portinari. Ele teve naturalmente muitos desdobramentos e a atual exposição sobre o Portinari no Museu de Imagem e do Som de São Paulo (MIS) só foi possível por conta da elaboração do catálogo.

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