Diplomacia na escola
17/04/2018 17:53
Karen Krieger

Alunos da PUC participam da sexta edição MICC

A sexta edição do MICC teve participação de alunos fora do Colégio Cruzeiro. Foto: Matheus Aguiar

Delegados reunidos em uma sala discutem a questão da islamofobia mundial. O representante do Sudão levanta a placa de identificação para falar pelo país. Quase dois minutos depois, ouve-se uma martelada da mesa da diretoria. O som é um aviso prévio de que o delegado tem apenas mais dez segundos para completar o pronunciamento. Essa situação, que poderia ser em um encontro da Organização das Nações Unidas (ONU), ocorreu no Modelo Interno do Colégio Cruzeiro (MICC), entre os dias 28 e 31 de março.

Criado a partir da iniciativa dos alunos da escola, o MICC está na sexta edição e cresce a cada convenção. O interesse em simulações diplomáticas surgiu das excursões feitas pelo professor de Sociologia Leonardo Gomes. Em 2008, ele organizava a participação de estudantes interessados no Modelo Intercolegial de Relações Internacionais (MIRIN), realizado na PUC-Rio. A atuação dos alunos do Colégio Cruzeiro, unidade do Centro, na demonstração era expressiva, com até menções honrosas. Segundo Gomes, a criação do MICC era um caminho natural dentro da escola.

- A minha participação nesse processo foi sempre de incentivar e orientar, mas atribuo a maior parte desse esforço aos alunos. Eles sempre foram protagonistas. Meu objetivo era colocar esse aluno na linha de frente, responsável por tudo, como ainda é hoje. O mérito é deles, a responsabilidade é deles.

Assim, em 2013, surgiu a ideia de trazer para o colégio um modelo que pudesse ser feito pelos alunos do Cruzeiro Centro e criasse uma porta de entrada para as simulações externas à escola. Após ser exposto e aprovado pela Coordenação, o primeiro MICC foi organizado com apenas um comitê e poucos jovens participantes. Dois anos depois, o sucesso foi tão grande que se expandiu para a Unidade de Jacarepaguá, mas a demanda continuava expressiva. Nesta sexta edição, o MICC foi aberto para alunos do 9º ano do Ensino Fundamental até o 2º período de faculdade. Essa possibilidade atraiu ex-alunos entusiastas de simulações para a organização.

Este ano, o secretariado foi formado por oito ex-alunos do Cruzeiro, que hoje são universitários – e desses, cinco são alunos da PUC-Rio. A função desta comissão é de planejar o modelo como um todo: datas, correção de todos os guias, coffee break e comunicação das redes sociais. Já os diretores moderam o debate entre os delegados - representantes das nações - dentro dos comitês. Este ano, reuniram-se 170 delegados e um total de 212 participantes em seis comitês distintos: Conselho de Segurança Histórico; Gabinete de Guerra; Organização para a Cooperação Islâmica; North Atlantic Treaty Organization; Organização da Unidade Africana; Imprensa. Os temas dos comitês variam historicamente e a cada edição. Secretária-geral no MICC, a estudante de Direito da PUC-Rio Ana Clara Camilo aponta que a escolha dos assuntos deste ano foi uma mudança em comparação aos comitês tradicionais da ONU.

- Estamos trazendo temáticas um pouco mais sociais, por exemplo o deste ano (Cooperação Islâmica), para tratar de um tema existente. Temos também o comitê de Guerra, que tem menos diplomacia, o que traz novos delegados, que talvez não iriam para o MICC por acharem que é muito formal e diplomático, mas acharam legal a proposta de poderem simular uma guerra. Estamos tentando variar para atrair mais público do Cruzeiro mesmo.

O Gabinete de Guerra teve o tema da Guerra Civil Russa nesta edição. Foto: Matheus Aguiar


Outro destaque dos comitês é a perspectiva de aplicar conhecimentos adquiridos na escola ou mesmo além dela. Questões presenciadas por nações coadjuvantes na política internacional podem protagonizar o debate. Calouro de Economia da PUC-Rio, Pedro Guerra, que atuou como vice-secretário administrativo, ressalta a oportunidade de estudar temas que talvez não tenham sido abordados em sala de aula.

- O comitê sobre a Guerra de Ruanda é um exemplo, pois o tema africano não é muito discutido, a África, em si, não é um continente debatido dentro da escola. Além disso, dá a oportunidade deles (os estudantes) se colocarem nas posições de diplomatas e representantes de outras épocas e de poder julgar com outros valores-analisa.

A abertura para jovens fora do Cruzeiro trouxe benefícios para a qualidade do debate. As pessoas têm a chance de conhecer pessoas de outras que estão lá pelo nível acadêmico. Estudante do 1º período de Direito da PUC-Rio, Gabriel Maia trabalhou como secretário acadêmico e acredita que a interação de instituições e de pessoas de diferentes idades acrescenta muito aos delegados.

- Eu acho uma experiência extremamente enriquecedora dos pontos de vista acadêmico e interpessoal, porque a experiência da simulação essencialmente não se restringe a só uma parte intelectual ou de conteúdo, ela também abrange outros aspectos, da constituição pessoal como uma parte social e de uma retórica, que são fundamentais para o desenvolvimento individual.

Por meio dessa ampla experiência, o MICC contribui para o crescimento dos participantes. Segundo o professor Leonardo Gomes, era visível a maturidade adquirida depois das simulações, do ponto de vista do comportamento, da capacidade de falar em público, de expressar suas opiniões e respeito à opinião alheia.

- Enquanto professores, nosso papel é fazer o aluno seguir a política externa do país que ele representa e muitas vezes não corresponde ao que o aluno pensa, a opinião dele, mas ele tem que abrir mão dessa opinião e seguir fielmente a política daquele país.
Para votar, os delegados devem levantar as placas de identificação. Foto: Matheus Aguiar


Desenvolver a capacidade de debater é uma vantagem reconhecida pelos alunos que participaram da simulação. Também caloura de Direito da PUC-Rio, Carolina Sibilio encontrou um espaço em que estudar e buscar conhecimento era estimulado. No encontro, ela atuou como secretária administrativa e, afirma, se encontrou nessa organização.

- O MICC me tirou da zona de conforto, eu era muito tímida e hoje em dia adoro falar em público. Você aprende a se colocar, se impor, a debater direito.

Criar um ambiente para que ocorra um crescimento é uma prioridade do secretariado desde as primeiras edições. Uma atmosfera de educação e segurança para os alunos se sentirem à vontade é o principal atrativo para o retorno dos integrantes. Ana Clara ressalta que o suporte do secretariado, em especial, foi importante, sempre com disposição para ajudar.

- Ao longo do tempo fui percebendo que a parte acadêmica não é necessariamente a mais importante nas simulações. Quando eu fui diretora, reparei que a minha parte interpessoal, saber se os delegados estavam confortáveis, era mais importante para mim.

A vivência do MICC pode até influenciar as decisões futuras dos alunos em relação à carreira que vão seguir. Inicialmente, Guerra lembra que depois de participar do comitê econômico, ele mudou a escolha de Engenharia para Economia. Os estímulos intelectuais da simulação foram o motivo para participar de três edições do fórum.

- No Ensino Médio, tudo o que você tem que estudar é por obrigação, e eu queria um ambiente em que todos ali estivessem procurando conhecimento. É por isso que eu continuo, sinto que fez um impacto em mim e agora como secretariado ou diretor em outros modelos sinto que posso fazer esse mesmo impacto nas outras pessoas.

Mais Recentes
Beleza a favor do ecossistema
Mercado de cosméticos veganos conquista consumidores que lutam contra a exploração animal
A voz que não pode ser calada
A liberdade de imprensa é considerada um direito social conquistado pelos profissionais da comunicação