Celso Amorim profere Aula Inaugural do IRI
20/08/2019 10:17
Esther Obriem e Letícia Messias

Ex-ministro das Relações Exteriores qualifica de preocupante a condução da política internacional do atual governo

Celso Amorim é ex-ministro das relações exteriores. Foto: Catarina Kreischer

O diplomata Celso Amorim esteve na Universidade para ministrar a Aula Inaugural do Departamento de Relações Internacionais (IRI) no dia 15 de agosto. Com tema Memórias da política externa ativa e altiva, o ex-ministro das Relações Exteriores relembrou o período em que atuou como chanceler do país e comentou as principais preocupações sobre o momento político.

Segundo o ex-ministro, a política externa atualmente é marcada por intransigência e desrespeito e, de acordo com ele, alguns adjetivos e pronunciamentos feitos por representantes governamentais nunca fizeram parte do vocabulário brasileiro e não podem, também, fazer parte de nenhuma diplomacia. Amorim afirmou, ainda, que um dos equívocos atuais é a articulação unilateral com os Estados Unidos, mas, principalmente, com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

– Não se sobrevive em uma política externa internacional se você está totalmente dependente de um único país, e eu nunca vi isso na história do país. Da maneira como as coisas andam, se ganhar um candidato democrata nos Estados Unidos, o Brasil será visto como um país hostil. Em todos os governos, que eu me lembre, até os governos da Ditadura Militar, o Brasil sempre defendeu soluções multilaterais, e não aceita soluções unilaterais.

Celso Amorim fala sobre a política externa altiva e ativa. Foto: Catarina Kreischer

O título da palestra foi inspirado no livro Teerã, Ramalá e Doha - Memórias da Política Externa Ativa e Altiva. Segundo o diplomata, a obra recebe esse nome por explicitar as memórias daquilo que ele viu e viveu. O ministro também observou que a política brasileira não deveria assumir inciativas, nem se desdobrar a outras agendas que não interessem à nação apenas por virem de países mais poderosos que o Brasil.

Ao comentar episódios do tempo em que foi ministro, ele relembrou a importância do posicionamento do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Segundo Amorim, ainda que ele fosse contra essa política, a pressão da imprensa e da elite brasileira fizeram com que algumas concessões fossem feitas.

– Em retrospecto, se vocês me perguntarem, eu acho que a ALCA não seria boa de qualquer maneira, porque firmaria uma área de hegemonia norte-americana em um continente. Mas me parecia, na época, que se eu dissesse que não iríamos negociar, eu seria demitido. Não pelo presidente Lula, que concordaria comigo, mas a pressão da mídia e da elite brasileira e os interesses internacionais seriam tão fortes que não teriam condições.

O ministro ressaltou a criação do G20 dos países em desenvolvimento, ocasião em que o Brasil recebeu destaque. Segundo ele, mesmo com pensamentos políticos diferenciados, o grupo conseguiu sair da zona de conforto da União Europeia e dos Estados Unidos, o que favoreceu às reinvindicações brasileiras. Amorim ainda afirmou a importância do país na Organização Mundial do Comércio (OMC).

– O Brasil tinha uma capacidade diplomática ímpar, e eu digo isso tranquilamente, porque em todas as negociações que eu vi antes na OMC, todos os países, como Argentina e outros grandes exportadores agrícolas, eram afastados dos países africanos. Nós conseguimos nos aproximar dos países africanos e do Caribe.

Estudantes de Relações Internacionais assistem aula inaugural. Foto: Catarina Kreischer

O diplomata explicou que, em 2003, o mundo era diferente e aberto a possibilidades. De acordo com ele, com o pós Guerra Fria e a Segunda Guerra do Golfo, as oposições políticas e a hegemonia americana foram criticadas. Amorim contou que, no segundo dia de governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi discutida a criação do grupo IBAS -  composto por Índia, Brasil e África do Sul -, que reuniu três países multirraciais, multiculturais e em desenvolvimento, mas em continentes diferentes.

– Quando o presidente Lula chegou ao poder, em 2003, o Brasil encontrou um mundo modificado, mas também de oportunidades. Oportunidades para atuar na integração sulamericana, procurar uma maior aproximação com o Oriente Médio, especialmente com os países árabes. Além de criar fóruns, como o IBAS, o que foi muito importante, pois, se não fosse ele, não teria sido criado o BRICS.

Segundo o ministro, a partir de 2011, após uma reunião com o IBAS, a África do Sul passou a integrar o BRICS. De acordo com ele, a interação com os países africanos contribuiu para o equilíbrio mundial. O diplomata relembrou, ainda, a parceria estratégica com a União Europeia, além de uma boa relação com os Estados Unidos. Amorim ainda demonstrou, novamente, preocupação com a conjuntura política atual.

– O Brasil passou a ter uma maior centralidade, a participar mais do centro das decisões internacionais, como muitos no passado haviam pensado que o país podia ter. Tudo isso fez parte da política externa altiva e ativa, e vejo hoje como uma memória. Fico preocupado porque, em todos os sentidos, estamos em um momento de desrespeito. Fico muito feliz, no entanto, de poder expor as linhas que foram praticadas na política externa do governo ao qual eu pertenci.

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