Saúde: Direito de todos e dever do Estado foi o tema da palestra ministrada pelo professor Marcelo Luciano Vieira, do Departamento de Serviço Social, no dia 14 de setembro, na Edição Especial da 29ª SIPAT 2021. O assunto faz parte de um trecho do artigo 196 da Constituição quando, em 1988, com a implantação da nova Carta Magna, o direito colocou em forma da lei a garantia à saúde para cidadãos brasileiros. Este foi um pontapé inicial para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Vieira afirmou que o SUS hoje é, do ponto de vista proporcional, o maior sistema de saúde pública do mundo, porém ainda tem uma série de problemas.
Para o professor, em 1990 houve outro grande marco na saúde pública brasileira em que a comunidade começou a não ser mais vista como paciente, passou a atuar na deliberação das políticas públicas de saúde no país. A garantia desta a participação foi feita a partir dos conselhos e Vieira identifica uma virada do modelo da saúde pública
- Com crescimento populacional, não teríamos condição de sustentar o modelo de fazer novos hospitais. Esse modelo de reforma sanitária, de atenção básica à saúde, e com a criação do programa de agentes comunitários de saúde, foi fundamental. Depois, deu sequência à chamada saúde da família, que tem capacidade e capilaridade muito significativa no país para atender a atenção básica – comentou Vieira.
Segundo o professor, da década de 1990 até 2016, o Sistema de Saúde brasileiro apresentava contradições, porém vivia um processo evolutivo para a construção de uma saúde pública de qualidade e que atendesse a coletividade. Vieira identificou alguns pontos do governo Temer que foram chave para o que ele sinalizou como a curva de volta para o processo de desconstrução do sistema público de saúde e da ideia de dever de estado no âmbito da saúde.
- Vivenciamos um processo de desconstrução do estado do bem-estar social. Antes de chegar a 2016, já existiam alguns problemas. Primeiro, estávamos vivenciando um ciclo de transição histórica muito significativo. Depois, vínhamos de crises sanitárias desde a H1N1, apesar de controladas, além das crises política, econômica e religiosa. Além deste cenário, entramos na crise das questões da vida, por exemplo, na redução do papel do Estado na questão do enfrentamento das desigualdades, o crescimento da economia de mercado. E, agora mais que nunca, da financeirização da economia, da flexibilização das leis, reformas trabalhistas.
Do ponto de vista da assistência social, ele apontou a ameaça e o corte do bolsa família e a criação de um aplicativo digital para acesso ao auxílio emergencial, que segundo ele quase 40 mil pessoas receberam indevidamente, são grandes entraves as políticas de assistência a população mais pobre. Para ele, medidas assim fazem a política passar a ser caridade e o problema é que isso não pode ser visto vindo do Estado. Afinal, este tem dever de assegurar aos cidadãos uma vida digna e com acesso aos direitos.
Vieira identifica que há outro problema que causa impacto direto na saúde e atenção básica: a fome. Ele afirmou que, antes da pandemia, havia um crescente número de pessoas no processo de insegurança alimentar.
- A fome tem cor, ela está regionalizada, muito mais forte no Norte e Nordeste, e tem gênero também. Em geral, os lares chefiados por mulheres são os que têm maior índice, e as mulheres de baixa escolaridade e de maioria preta. Como reverter este cenário? Só com democracia. Não há outro caminho.
O assistente social considera urgente acabar com o falso dilema da necessidade de salvar apenas um, entre saúde e economia. Para Vieira é importante interromper a lógica usada de um modelo de Estado/empresa. Ele entende que a finalidade do Estado não é dar lucro, mas, sim, garantir a proteção da sociedade.
- Essas duas coisas estão articuladas dentro do mesmo ideário, que a vida vale muito menos que a economia. A grande pergunta é: quando foi que a economia passou a decidir e ser mais importante que a vida das pessoas? Porque, na verdade, sem a vida das pessoas não existe economia.