Resgatar, valorizar e divulgar a história do Rio de Janeiro: esta é a missão do Rio Memórias. Lançado em 2019, o museu virtual conta histórias da cidade com galerias e recursos como mapa interativo e linha do tempo. Idealizadores e colaboradores anunciaram em uma apresentação quatro novas exibições que revelam outros aspectos do Rio: cultural, religioso, literário e na Independência.
E neste ano, do bicentenário da Independência, o Rio Memórias escolheu mostrar diferentes lados deste processo e a relevância que a ex-capital da Monarquia exerceu no país. O curador da galeria Rio na Independência, Danilo Marques, da Universidade Federal de Minas Gerais, explica que o debate na cidade era efervescente e que muitas ideias e projetos que não foram vitoriosos circulavam na sociedade.
- Partimos de uma ideia de que a independência do Brasil não pode caber no painel do Pedro Américo, o Grito do Ipiranga, apesar de ser uma imagem que já entrou para memória do país. Neste bicentenário, queremos contar este outro lado e trazer histórias que foram enterradas, mas que de maneira nenhuma estão mortas de uma vez por todas.
A ideia do projeto Rio Memórias é mostrar as diversas facetas do Rio de Janeiro de um jeito inovador, não contar a história em ordem cronológica, mas fazer recortes a partir dos olhares dos curadores. Eles ficam responsáveis pelas galerias, cada uma com um tema e com diferentes salas, organizadas em memórias - tudo no formato on-line e disponível para todos.
Segundo uma das idealizadoras do projeto, Livia Baião, o museu surgiu a partir de inquietações. Entre elas, a constatação dos apagamentos sucessivos da História, do descaso do poder público com o patrimônio e da desigualdade de acesso aos bens culturais. De acordo com Livia, olhar para o passado é uma oportunidade para entender os legados possíveis de um futuro em aberto. O caráter cíclico da história, para ela, aparece em situações como as operações policiais na Vila Cruzeiro, que deixou 25 mortos, e no Jacarezinho, que deixou 28.
- São tantas tragédias e chacinas que vão se acumulando, e às vezes acabamos ficando anestesiados com tantas desgraças e apagamentos. Temos que olhar para o passado para ter um projeto de futuro para nossa cidade. Nossa vontade é que as pessoas se engajem e construam um projeto de futuro para o Rio.
Além das exibições on-line, o projeto também desenvolve atividades presenciais, como oficinas com alunos de escolas públicas para valorizar territórios que normalmente são considerados violentos ou inferiores.
- Depois das oficinas, eles trazem histórias lindas. Nós nos emocionamos, choramos e eles começam a dar valor ao território em que moram. Nenhum lugar é totalmente ruim, e nenhum lugar é totalmente bom - relatou Livia.
O coordenador pedagógico das oficinas, William Mello, conhecido nas redes sociais como W-Black, é professor de biologia e artista de SLAM. Durante a inauguração, ele apresentou sua mais recente poesia que abordou o apagamento da cultura dos corpos negros, a importância da representatividade e da sensação de pertencimento. Ainda durante o encontro, o diretor e ator de teatro Ernesto Piccolo fez uma leitura dos textos Rolézim, de Geovani Martins, e Tristes trópicos, de Claude Lévi-Strauss.
Novos caminhos
Atualmente, o portal oferece 12 galerias. Entre os curadores das novidades estão os professores da PUC-Rio Antônio Edmilson Martins, do Departamento de História, Fred Coelho, do Departamento de Letras, e Andrea França, do Departamento de Comunicação. Coelho e Andrea, por exemplo, foram responsáveis por narrar histórias do Rio com base na produção literária e nos fragmentos audiovisuais e imagens, respectivamente.
Mas durante o processo, os curadores encontraram problemas relacionados à conservação e organização do material. Coelho fez uma retrospectiva da produção literária que aborda desde os primeiros forasteiros do Brasil colônia, até nomes consagrados da literatura carioca como o mineiro Carlos Drummond de Andrade, que morou grande parte da vida na cidade. Segundo o professor, até 1808 era proibido ter imprensa na colônia. A vida literária começa a acontecer, oficialmente, depois da vinda da Família Real ao Brasil e a instituição da Imprensa Régia.
- A literatura é muito indissociável na relação de se pensar a cidade. Apesar de o site não obedecer uma lógica cronológica diacrônica, ela foi a melhor opção neste caso. O tempo tem uma relação no Brasil, em geral, e no Rio, em particular, muito específica com a literatura. Porém, isso não impede de pensar que a cidade já foi escrita muito antes disso - explicou Coelho.
Curador de três das galerias do museu, Edmilson acredita que elas podem produzir formas de representações da cidade. Para o historiador, isto envolve a capacidade de refletir e entender as peculiaridades do Rio. Na disciplina que o professor ministra na PUC-Rio, os alunos serão os responsáveis pela pesquisa e produção da próxima galeria a ser inaugurada: Rio Operário. A exposição remontará a história da cidade a partir das fábricas, que poderão ser localizadas no mapa interativo.