Missão apostólica: conhecer e implementar
25/07/2022 17:12
Gabriel Meirelles

Em parceria com a CNBB, Departamento de Teologia organizou seminário sobre o acordo Brasil-Santa Sé

Papa emérito Bento XVI e Luiz Inácio Lula da Silva, chefes do executivo do Vaticano e do Brasil em 2008 (Foto: Wikimedia Commons)

O Departamento de Teologia, em parceria com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizou entre os dias 6 e 8 de junho o Seminário Acordo Brasil-Santa Sé. Os palestrantes abordaram questões relativas à filantropia e às áreas trabalhista, tributária e contábil à luz do documento firmado no Vaticano em 2008, com o objetivo de aprofundar o conhecimento nesta área de administradores e advogados que atuam junto às diversas instâncias da Igreja Católica.

O Grão-Chanceler da PUC-Rio, Dom Orani João Tempesta, O.Cist., revelou que a Universidade já planejava a realização deste seminário desde antes da pandemia. O Cardeal destacou o objetivo do acordo — estabelecer normas de convivência entre a Igreja e o governo brasileiro — e frisou a não interferência na laicidade do Estado. Segundo o Arcebispo do Rio de Janeiro, os membros da Igreja e, sobretudo, as novas gerações precisam estudar o texto e as implicações do acordo.

— Nós precisamos de duas coisas. De um lado, o conhecimento do acordo Brasil-Santa Sé: nos seus itens, temas e preocupações. E algumas coisas precisam ser implementadas, ou seja, não ficar apenas na lei, mas serem colocadas em prática. Nós vemos que muitos juristas, tanto católicos como não católicos, não conhecem os temas e os termos do acordo. Por isso, é conhecê-lo e implementá-lo.

Grão-Chanceler da PUC-Rio, Cardeal Orani João Tempesta

Brasil e Santa Sé no passado e no presente

Integrante da Comissão de Implementação do Acordo Brasil-Santa Sé, o Arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Pedro Scherer, ressaltou a importância do fim do padroado no governo provisório de Marechal Deodoro da Fonseca. Segundo o religioso, esta ruptura permitiu mais liberdade para a Igreja se organizar sem a tutela e o controle do Estado. Dom Odilo destacou a quantidade de associações católicas no Brasil em 1889: apenas 12 dioceses, cinco ordens religiosas e nenhuma congregação, pois não eram admitidas. De acordo com a CNBB, o país tinha no ano passado 217 dioceses e 45 arquidioceses. Quanto às ordens e congregações religiosas, o número subiu para 392 instituições que fazem parte da Conferência de Religiosos do Brasil (CRB).

— Os republicanos tiveram um gesto de grandeza: um ato de reconhecimento público da Igreja perante a sociedade e o Estado. Este decreto ficou valendo até a elaboração e assinatura deste acordo no Brasil-Santa Sé. Certamente, ele não era minucioso, simplesmente reconhecia, em poucas palavras, a Igreja como instituição presente no Estado e lhe dava a liberdade de ação para se organizar e realizar as suas atividades.

Arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer

O presidente da CNBB, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, afirmou que o acordo contribui para o cumprimento da missão evangelizadora da Igreja e para a participação dela na construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. O Arcebispo de Belo Horizonte enxerga este seminário como uma maneira importante de se aprofundar no conhecimento sobre o tema.

— Nós temos no acordo Brasil-Santa Sé uma exemplaridade muito importante, e no momento, quando estamos vendo na contramão desta nobreza e desta riqueza exatamente projetos de poder, misturas entre política e religião, o acordo nos dá um balizamento muito assertivo, sábio e ao mesmo tempo um horizonte muito largo, respeitando a nossa laicidade do Estado, mas sendo uma Igreja sem misturas ideológicas e de outros tipos presentes na sociedade.

Presidente da CNBB e Arcebispo de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo

O diretor do Departamento de Teologia, Padre Waldecir Gonzaga, espera que o seminário seja o início de uma série de ações de divulgação do acordo Brasil-Santa Sé. Ele usou como referência a primeira Exortação Apostólica do Papa Francisco, Evangelli Gaudium. Nela, o Sumo Pontífice pede uma “Igreja em saída”.

— O Papa Francisco tem nos convidado constantemente a procurar ouvir e discernir os sinais dos tempos, deste momento histórico que estamos atravessando e que ele tem chamado de ‘mudança de época’, sendo ele mesmo o primeiro a tomar iniciativas. Por isso, insiste que o caminho da ação pastoral se faz com envolvimento. Estranho dizer, mas isto pede ações concretas nos três campos aqui abordados da presença da igreja junto ao país, que esteja atenta às áreas  trabalhista, tributária e contábil.

Diretor do Departamento de Teologia, Padre Waldecir Gonzaga

Liberdade religiosa

O professor Paulo Fernando Carneiro de Andrade, do Departamento de Teologia, introduziu a primeira palestra do seminário, do advogado da CNBB, Hugo Sarubbi Cysneiros. O assessor jurídico da Conferência falou por uma hora sobre a importância jurídica do acordo e refletiu sobre o Artigo Segundo do acordo e seus desdobramentos. Segundo o decreto:

“A República Federativa do Brasil, com fundamento no direito de liberdade religiosa, reconhece à Igreja Católica o direito de desempenhar a sua missão apostólica, garantindo o exercício público de suas atividades, observado o ordenamento jurídico brasileiro.”

Apesar de a liberdade religiosa estar garantida na Constituição Brasileira e no Código Civil, Sarubbi acredita que a redundância em destacar este princípio também no Acordo Brasil-Santa Sé é importante para o cumprimento da lei. Ele relatou casos de padres e freiras que precisaram abrir mão de um direito legítimo porque o funcionário do cartório não conhecia as obrigações do Estado para com os religiosos. Em um dos exemplos, uma congregação precisou mudar o endereço e a sede da província no país por problemas no cartório.

— Alguém poderia dizer assim: ‘Ah, ele falou o óbvio’. Tudo bem, mas às vezes o óbvio precisa ser dito, repetido. Se nós não tivermos na ponta da língua determinados argumentos por meio de determinados mecanismos, e o acordo Brasil-Santa Sé hoje é o principal deles, parece que nós estamos diante de um discurso meramente principiológico, que conta com a boa vontade de quem está do outro lado do balcão, e aqui não se fala de boa vontade. Se fala de obrigação legal.

Advogado da CNBB, Hugo Sarubbi Cysneiros

O advogado observou a contribuição do Acordo Brasil Santa-Sé para a compreensão por parte do poder público que as instituições eclesiásticas não são associações civis. Mesmo assim, Sarubbi reforçou o papel dos católicos e da Igreja no Brasil de lembrar a existência de seus direitos. Ele recordou discussões dos últimos anos que deram origem a ações na justiça promovidas contra ou por grupos cristãos, como a investigação de desvio de dinheiro na Diocese de Formosa (Goiás) — segundo o jurista, houve apenas desorganização contábil —, o pedido para retirada do ar do especial de Natal do programa “Porta dos Fundos”,  na Netflix, e o desfile de Carnaval da escola de samba paulista Gaviões da Fiel,  em 2019, cuja comissão de frente apresentava Lúcifer batendo em Jesus Cristo e zombando do fundador do cristianismo.

— Se nós, Igreja, não assumirmos isso como sendo uma missão nossa, se alguém aqui tem esperança de que alguém vai fazer em nosso favor, eu diria que há uma chance grande de se frustrar, porque é claro que o administrador, a autoridade, o poder público constituído, o Estado, ele é obrigado a cumprir as normas, mas depende de nós, Igreja, lembrar esta instituição, estas autoridades, a existência destas normas.

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