Inspiração colombiana
23/08/2022 17:54
Fernando Annunziata e Henrique Silva

Comissão da Verdade da Colômbia apresenta, na PUC-Rio, os resultados do relatório final

Cartaz da Comissão da Verdade. Foto: Luanna Lino

O relatório final da Comissão da Verdade da Colômbia foi entregue à Reitoria da PUC-Rio e discutido em um debate aberto ao público da Universidade no dia 22 de agosto. Organizada pelo Departamento de Direito e o Instituto de Relações Internacionais (IRI), a apresentação divulgou dados do levantamento, cujo objetivo é analisar, sob as perspectivas das vítimas, cinco décadas de conflito entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o governo colombiano.

Exposto pelo comissionado colombiano Carlos Beristain, o documento é composto por dez volumes e capítulos específicos que abordam as consequências da guerra armada na vida dos povos étnicos, e o problema da violência contra mulheres e LGBTs. O texto também trata da experiência da população exilada por causa do confronto e ainda destaca algumas histórias de crianças e jovens que viveram o conflito. 

Reitor Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J, e pesquisadores da Comissão da Verdade. Foto: Luanna Lino

Na abertura, às 9h, a professora Maria Elena Rodriguez, do IRI, conduziu a discussão e fez uma breve contextualização sobre o tema. Visivelmente emocionada, Maria Elena passou a palavra para o Reitor, Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J., que recordou o fato de a Comissão da Verdade ter sido presidida pelo economista, filósofo, gestor de paz colombiano, Padre Francisco de Roux, também jesuíta. Padre Anderson ainda ressaltou a importância de discutir a reconciliação.

— O padre Francisco de Roux é um jesuíta que admiramos e representa uma linha de força fundamental na Companhia de Jesus: a busca da reconciliação entre as pessoas, entre os povos, com Deus e a criação. Ou seja, o tema da reconciliação revela um pouco do que nós queremos e o que realmente somos. A entrega do relatório da Comissão da Verdade da Colômbia nos compromete, não só como uma instituição confiada à Companhia de Jesus, mas também nos coloca em uma perspectiva comum enquanto latino-americanos - afirmou.

Carlos Beristain e o Reitor Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J. Foto: Luanna Lino

O religioso destacou, ainda, a importância do acontecimento no contexto atual, em que pese na cidade do Rio de Janeiro — permeada, assim como a Colômbia, por uma guerra antiga entre o narcotráfico e o Estado. Segundo ele, é preciso seguir o exemplo colombiano, e, ressaltou, não há reconciliação sem a verdade e não há verdade sem escuta. O Reitor declarou que a PUC-Rio apresenta uma relação de horizontalidade com o município, sendo um tecido social saudável, com tradição de escuta e de serviço pela comunidade local. Encerrou sua participação com uma fala em espanhol, na qual reforçou a solidariedade e o agradecimento ao comissionado.

Na sequência, a Diretora do Departamento de Direito, professora Caitlin Mulholland, fez questão de assinalar que o curso de Direito da PUC-Rio é atento à questão dos Direitos Humanos. Uma das responsáveis pela organização do encontro,  a Coordenadora Acadêmica do Núcleo de Direitos Humanos, do departamento, professora Carolina de Campos Mello endossou o aspecto humanitário do curso. Carolina integrou a Comissão Nacional da Verdade (CNV), no Brasil.

Último a discursar, o Diretor do Departamento do IRI professor Luis Manuel Fernandes, disse que a ação é uma forma de solidariedade e empatia com o povo colombiano, marcado por uma polarização política que virou guerra armada. Fernandes ainda desejou que ventos de reconciliação atinjam o Brasil, que, segundo ele, também está polarizado.

Após a entrega oficial do relatório ao Reitor, a  mesa original foi desfeita e o comissionado permaneceu acompanhado da professora Maria Elena. Carlos Beristain explicou os preceitos adotados na elaboração do documento e, de forma sucinta, relacionou os assuntos de cada capítulo, dentre eles: o processo histórico do conflito, a causa dos exilados e o impacto da violência contra os povos étnicos, as mulheres e o grupo LGBTI, em barbáries justificadas como limpeza social. Ele destacou que a Comissão da Verdade Colombiana queria explicar o porquê, e não só contar os casos. Beristain afirmou que os trabalhos foram realizados em um contexto de paz fragmentada e que somente um processo cuidadoso de diálogo social, em espaços públicos e privados, seria capaz de restabelecer a verdade. O comissionado revelou que o presidente eleito da Colômbia, Gustavo Petro, está comprometido em seguir as recomendações da comissão.

Público assiste debate do relatório da Comissão da Verdade. Foto: Luanna Lino

As verdades do exílio

Na segunda parte do encontro, realizada por volta das 11h, houve uma abordagem mais aprofundada sobre o relato dos exilados. O comissionado compôs a mesa ao lado da professora Carolina de Campos Mello e do representante da Cátedra Sérgio Vieira de Mello para Refugiados, o professor Florian Hoffmann. Eles abordaram as violações de Direitos Humanos sofridas na Colômbia pelos expatriados, além do exílio representar a continuidade do conflito armado e uma aculturação forçada. De acordo com Beristain, as entrevistas dos exilados foram realizadas em 24 países e o objetivo é compreender as motivações do exílio e resgatar partes da história colombiana que se perderam por outras nações.

No final da abordagem sobre o capítulo, ocorreu uma apresentação de um coletivo de dança colombiano na área externa do Auditório B8, onde o encontro foi realizado. O tema da exibição foi: “¿Cómo permitimos que pasara esto?”.

Justiça de Transição e Democracia na América Latina

Carlos Beristain e Carolina Melo. Foto: Luanna Lino

Às 15h, o Comissionado Carlos Beristain e a professora Carolina Mello, do Departamento de Direito, abriram um debate sobre a justiça transicional. Segundo ele, o termo diz respeito a um momento de passagem de um governo ditatorial para a democracia, e, por isso, é um período delicado. E, complementou, a primeira das recomendações para garantir a democracia é manter o diálogo com o governo e criar organizações públicas para promover a paz entre os povos.

- A primeira recomendação é uma reativação do diálogo com o governo (ainda durante a justiça transicional). É preciso também criar um ministério de paz, reconciliação e reintegração, e consolidar uma agenda de acordos humanitários que permitam um espaço para a transição. Sem isso, a paz não é possível.

Beristain destacou que a segunda recomendação é sobre a segurança pública colombiana. De acordo com o comissionado, a polícia e as Forças Armadas devem ser um meio de apoio à população, e que deveriam passar por uma desmilitarização com o propósito de redirecionar a atenção para uma segurança mais humanitária e com menos violência.

- As Forças Armadas ou a polícia devem ser um meio de apoio, um modelo de segurança diferente que se distancia da militarização.O orçamento militar deve ser direcionado para a segurança humana, e a justiça criminal deve funcionar como um mecanismo dentro do aparato militar para a denúncia de irregularidades. Além disso, a polícia deve sair do Ministério da Defesa. Isto é algo que ainda não vemos na Colômbia.

 

Carlos Beristain discursa no auditório B8, Ala Frings. Foto: Luanna Lino

Carlos Beristain ainda tratou de assuntos como a guerra contra o narcotráfico, que, de acordo com ele, não é positiva, visto que a guerra contra a cocaína não diminuiu o tráfico, e resultou em mais mortes. Ele disse, também, que deve-se entender como grupos armados qualquer organização que de alguma maneira se alinha com o narcotráfico, o que inclui empresários e governantes.

Segundo a professora Carolina Mello, o papel do Direito é importante para este tipo de debate, pois, sem ele, não haveria tantos direitos sendo produzidos.

- A justiça de transição levanta a importância do Direito. Sem ele, as relações sociais não se implementam. No caso da justiça transicional colombiana, não há nenhum país que passe por um processo como esse, que tenha produzido tantos direitos. Um exemplo é o próprio acordo de paz. Não há nada mais jurídico do que um acordo de paz.

Ela destacou o tópico da sustentabilidade, especialmente quando se fala de paz territorial.

- É interessante que o campo da justiça da transição tenha se aberto cada vez mais para se discutir a questão do desenvolvimento. Mas eu nunca vi dessa maneira, colocada em um olhar sustentável. A preocupação multicultural, uma contraposição de um modelo analisado pela Comissão de um desenvolvimento sustentável, através de um processo de ordenamento territorial e participativo.

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