O intricado caminho brasileiro para preservação ambiental
09/12/2015 04:19
Bárbara Baião

De acordo com especialistas, a legislação ambiental brasileira é referência no mundo. Mas atuação da chamada bancada ruralista no Congresso flexibiliza a eficácia das leis.

Com a sociedade ainda imersa nas consequências do maior desastre ambiental do Brasil, em Mariana, Minas Gerais, a Comissão de Desenvolvimento Nacional do Senado aprovou, em novembro, a flexibilização das regras ambientais para obras consideradas estratégicas. A redução do prazo de licenciamento, de cinco anos para oito meses, em caso de construção de rodovias e hidrovias, entre outros empreendimentos, é um exemplo de como a legislação brasileira é cercada de incertezas sobre sua eficácia na garantia da preservação ambiental. Embora especialistas apontem que, no papel, nossas leis são referência no mundo, a execução está longe de ser ideal.


Líder mundial na morte de ativistas ambientais, o Brasil estabeleceu, a partir da Política Nacional de Meio Ambiente (1981), a unificação formal de uma agenda a ser desenvolvida pela União. O compromisso posterior à primeira conferência mundial sobre assunto, realizada nove anos antes em Estocolmo, foi detalhado em outros projetos de lei, como o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (2000), que ajudaram a dar ao país um corpo legislativo sólido que deveria assegurar a preservação. Mas de acordo com a professora de direito ambiental e do petróleo Flávia Limmer, a prática não é exercida a rigor pelos órgãos competentes.


- As leis ambientais brasileiras já foram consideradas uma das mais avançadas do mundo, mas os órgãos do poder Executivo não aplicam à risca por uma série de fatores. O licenciamento ambiental é visto aqui como um empecilho ao crescimento econômico nacional, quando não é. A nossa legislação é bastante parecida com a dos Estados Unidos, só que o excesso de burocracia acaba tornando o processo de legislação ambiental mais lento.


Segundo dados do coordenador de políticas públicas da organização não governamental Greenpeace Marcio Astrini, cerca 720mil quilômetros de área desmatada na Amazônia, floresta tropical detentora da maior biodiversidade do mundo, ocorreram na ilegalidade. O espaço é equivalente a três estados de São Paulo.

- Em termos de proteção ambiental, o governo da presidente Dilma é um dos piores desde a redemocratização. As metas que ela anunciou este ano na ONU para ajudar a frear o aquecimento global diz que o principal chamariz do plano é acabar com a ilegalidade do crime florestal nos próximos 15 anos. Isso é um absurdo. Uma presidente da República não pode afirmar que um país vai passar mais 15 anos convivendo com o crime.



Ainda de acordo com Astrini, a ineficácia da atuação do Estado, sobretudo no que diz respeito à demarcação de terras indígenas no governo da presidente Dilma Rousseff – um direito assegurado e reconhecido pela Constituição de 1988 -, é um fator que colabora com a recorrência de atividades que promovem o desmatamento e extração ilegal de madeira. Apesar da Lei de Crimes Ambientais ter sido criada 1998, 86% dos delitos que chegaram ao Ministério Público Federal não sofreram nenhuma punição judicial, de acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia.

Com a segunda maior extensão florestal do planeta, atrás apenas da Rússia, o Brasil tem um Código Florestal que foi submetido a alterações sancionadas pela presidente Dilma em 2012. A primeira vez que o país diluiu a questão do meio ambiente em leis formais foi em 1934, durante o governo de Getúlio Vargas. Deste esforço, foi elaborado o primeiro código florestal brasileiro em 1965, baseado nos documentos escritos há 31 anos. O texto institui regras gerais sobre a permanência da vegetação nativa e estabelece dois tipos de áreas: de Preservação Permanente (APP), com a função de preservar locais suscetíveis a erosões e deslizamentos, e de Reserva Legal, correspondente ao percentual da mata nativa que deve ser mantida em uma propriedade.

As modificações mais significativas no Novo Código afetam justamente esses dois itens. No caso das APPs, o texto de 1965 estipulava que a proteção da vegetação em margens e nascentes deveria se basear no período de cheia, em que o rio usualmente está mais largo. A nova legislação estabelece como parâmetro a chamada calha regular (média anual de água em um rio). Isso diminui significativamente a área de extensão de mata que deve ser mantida nesses locais. Outra alteração, segundo Flávia, foi a retirada do tópico que previa, entre outros pontos, o comprometimento do Brasil com a preservação das florestas, do solo e com a integridade do sistema climático.

Cerca de 720mil km desmatados da Floresta Amazônica ocorreram na ilegalidade

- Quando você começa a cruzar os artigos do Código Florestal de 2012 é que vemos o retrocesso. Um dos pontos polêmicos do texto determina que quem cortou áreas de Reserva Florestal Legal até 2008 não está obrigado a reflorestar. É uma anistia a quem desmatou. Em casos de plantações que arrancam raízes, por exemplo, não há nem como averiguar quem plantou até 2008 ou não. E mesmo que a perícia conseguisse conferir, não há benesse nenhuma da lei para quem foi regular de 1965 a 2008 - completa Flávia.

Mesmo que o Código tenha se firmado ao longo dos anos como um dos pilares do direito ambiental brasileiro, ironicamente, a nova versão elimina princípios do artigo primeiro do texto original que o caracterizava como uma lei ambiental. Para Astrini, a aprovação do projeto de autoria do então deputado Aldo Rebelo (PCdoB) no Congresso Nacional está relacionada a um grupo de parlamentares interessados no agronegócio.

- A influência do agronegócio nisso é total, tanto é que a as flexibilizações na legislação são provocadas pelo o que chamamos de bancada ruralista no Congresso. A agenda deles é que acaba promovendo os atrasos ou não impedindo que avanços aconteçam. É um tipo de política da era da ditadura militar, que passa por cima dos direitos das populações e fazendo leis para interesse próprio. A bancada ruralista promove a degradação ambiental.

Agenda da bancada ruralista contribui para a flexibilização da demarcação das terras indígenas


 Maior bancada suprapartidária do Congresso Nacional, os ruralistas reúnem 205 deputados e senadores atualmente. E, segundo estimativa da Frente Parlamentar da Agropecuária, o grupo deve crescer 33% na próxima legislatura, com 273 parlamentares. O assunto foi tema da dissertação de mestrado de Sandra Costa, da Universidade de São Paulo (USP), que identificou particularidades que se tornam explícitas na postura do grupo político durante as votações de seus interesses.

- Os dados que sistematizei apontam uma realidade bem mais complexa como, por exemplo, parlamentares do Paraná e do Rio Grande do Sul apropriam-se de terras no Tocantins, Mato Grosso, assim como parlamentares de Minas Gerais manifestavam interesses em terras no Centro-Oeste e na região Norte. Outra constatação surpreendente foi o tempo de ocupação dos ruralistas em cargos eletivos, alguns ininterruptos desde a ditadura militar. E me surpreendeu também que, além de latifundiários alguns deles são donos de grandes corporações, algumas até ligadas a grandes a transacionais.

Nascida na região de Jequitinhonha, Minas Gerais, o interesse de Sandra pelo assunto surgiu cedo, quando percebeu que os grandes proprietários da região, mesmo sem nenhum cargo no Legislativo ou no Executivo, transitavam na política pela condição de latifundiário e na articulação de uma rede de parlamentares. A recém criação do partido Rede Sustentabilidade, que tem como líder a ativista ambiental Marina Silva, é, para o deputado federal Alessandro Molon, um contraponto a agenda ruralista.

- Eu considero a criação da Rede Sustentabilidade como a melhor novidade política dos últimos anos. Precisamos pressionar para parlamentares tenham responsabilidade nas decisões que envolvam a preservação ambiental. A bancada ruralista é um retrocesso. Apesar de ainda estarmos no momento do acidente em Mariana, ainda tem deputado defendendo leis mais flexíveis de licenciamento ambiental.

De acordo com Sandra, a pressão por leis rígidas e por fiscalização atenta no cumprimento destas deve ultrapassar o espectro político e judiciário.

- É a sociedade organizada que deve pressionar o Judiciário e o Legislativo para que a legislação seja cumprida. Os avanços que tivemos nesse sentido, de efetivação da lei, demarcação de terras, assentamentos de reforma agrária, criação de Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável, foram conquistas a partir da luta política, da participação organizada dos movimentos sociais.

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