Arquitetos discutem na PUC caminhos para uma cidade mais inclusiva e integrada
29/09/2016 08:34

Presidente do IAB lembra, em entrevista, necessidade de aperfeiçoamento dos espaços interativos às variações do pulsar urbano

Sérgio Magalhães. Foto: Paula Laureano

 

Desafios comuns a algumas das principais metrópoles do mundo, assentamentos informais e populações marginalizadas serão debatidos por pesquisadores, profissionais e estudantes de arquitetura e urbanismo reunidos na Expo HIS 2016, esta quarta (28), das 9h às 17h, no Auditório Padre José de Anchieta (veja a programação completa no fim do texto). A busca de espaços urbanos mais integrados e inclusivos destaca-se nos seminários dos quais participam, por exemplo, os professores Rafael Gonçalves e Maria Fernanda Lemos, da PUC-Rio; e Maria Lucia Pecly, da UFRJ.

 

No caso do Rio, onde aproximadamente 22% da população moram em favelas (IBGE/2011), reflexões sobre a habitação social tornam-se prementes, ressaltam especialistas como o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Sérgio Magalhães. Em entrevista à repórter Paula Laureano, da PUC-Rio, o ex-secretário municipal de Urbanismo (entre 1993 e 2000) compara a cidade a um ser vivo em permanente transformação – “nasce, cresce, e pode morrer”. As constantes mudanças exigem, portanto, aperfeiçoamentos ou ajustes dos mecanismos de interação, observa Magalhães. Ele também ressalta, na conversa republicada abaixo, a importância de a arquitetura contemplar a democracia e as demandas ambientais, e alerta: gargalos urbanos não são resolvidos com mais ruas e viadutos: “A mobilidade do Rio e das grandes cidades em geral não pode ser baseada hegemonicamente no rodoviarismo”.

 

Jornal da PUC: O senhor afirma que a cidade é um ser vivo. Em que sentido?

 

Sérgio Magalhães: A cidade respira. A cidade ama. A cidade acolhe as pessoas. Reage aos afetos e às hostilidades. Nasce, cresce, e pode morrer. É um ser vivo, sobretudo porque está em permanente transformação. Tal como as pessoas e os animais, a cada dia há outra conformação, outros interesses, as questões mudam. No cotidiano, as pessoas podem não ter tal percepção, porque se vê apenas a materialidade urbana. Mas ela é feita não só de matéria, mas também da interação entre as pessoas e dos usos dos lugares. É essa relação que gera vida. A cidade não são apenas edifícios e ruas. É também o que acontece nos edifícios e nas ruas, mais as pessoas, os animais e a memória coletiva.

 

- O próximo grande evento no Rio será o Congresso Mundial da União Internacional de Arquitetos, em 2020. Em que o Mundial de futebol e os Jogos Olímpicos podem inspirar a esta espécie de Copa da arquitetura?

 

- Se a cidade é um ser vivo, também é um ser único. Cada experiência tem as suas riquezas, os seus problemas, os seus ensinamentos. O que há de novo na doutrina urbanística e arquitetônica é o desejo de construir uma cidade melhor a cada dia, todos os dias, reconhecendo os espaços e a cultura existentes. Diferente do que faziam os modernistas no século passado, que pretendiam construir uma cidade nova e entendiam que a cidade herdada era ruim e não valia a pena mantê-la. Entre as memórias dos congressos mundiais, o de Barcelona, em 1996, é muito citado. O que o qualifica como uma experiência importante é o fato de não ter se limitado a produzir um evento num determinado ambiente. A própria cidade entrou em processo de participação com arquitetos do mundo todo. Houve uma interação de tal força que ficou na memória dos que participaram como um evento ímpar. Queremos que, da mesma forma, a cidade do Rio seja não só a sede, mas também efetiva participante do congresso de 2020.

 

- Outro ponto igualmente importante nas discussões sobre urbanismo refere-se ao alinhamento da arquitetura às demandas democráticas e ambientais do planeta. Como contemplar estes aspectos?

 

- A democracia tende a produzir questões para a arquitetura, de maneira a conduzir uma melhor resposta aos cidadãos. Hoje busca-se a equidade: diferente da igualdade, reconhece as diferenças e trata de oferecer as condições para que os diferentes tenham igualmente possibilidades de se desenvolver. Um processo democrático que construa a equidade oferece à arquitetura melhores alternativas para que floresça. A arquitetura objetiva a construção do espaço para a felicidade dos homens. Já as demandas do planeta são as mesmas da cidade e da arquitetura: construir um mundo melhor. A arquitetura também é isso: oportunidade de resolver problemas para uma melhor adequação aos desafios do clima de modo saudável, de modo econômico, de modo pleno, sem mecanismos que gastem as energias vitais da sociedade e do próprio planeta.

 

- O debate sobre habitação social e a busca de cidades mais integradas e inclusivas também se mostram recorrentes entre arquitetos e urbanistas, especialmente em cidades como o Rio e em São Paulo, nas quis as favelas já superam 20% do total de moradias. Será que um dia poderemos olhar para as favelas realmente como bairros?

 

- Temos de olhar as favelas como cidade. Há muitas formas urbanas que constituem bairros, e a favela é uma delas. A favela era vista como algo transitório, provisório, que poderia ser eliminada. Achávamos que as favelas eram intocáveis, que não podiam ter uma atuação pública relevante, e que só o saber popular tinha condições de intervir na favela. Com o programa Favela Bairro (concebido por Magalhães em 1994, na primeira gestão municipal de Cesar Maia), houve uma modificação nesse pensamento. Passou a ser possível levar às favelas os serviços de infraestrutura e equipamentos sociais, ao mesmo tempo em que se preservam os valores ambientais e culturais. Eu gostaria que hoje as favelas pudessem reunir todos os elementos contemporâneos, mas que o termo “favela” se descaracterizasse do modo pejorativo e que pudessem ser vistas da mesma forma que se percebe um prédio, um edifício, um shopping.

 

- Não menos desafiadores revela-se a busca de uma melhor mobilidade urbana. Quase 30% da população do Rio leva duas horas para ir de casa ao trabalho. Que soluções arquitetônicas podem ajudar a mobilidade?

 

- No Rio nas grandes cidades em geral, a mobilidade não pode mais ser baseada hegemonicamente no rodoviarismo, isto é, nos modos de transporte sobre pneus: automóveis e ônibus. Uma metrópole como o Rio precisa dispor de uma rede de transporte de alta capacidade, que transporte um grande número de pessoas, como metrô ou trem urbano. Uma rede em que esteja preservado o grau de eficiência e confiabilidade em relação ao tempo da viagem, ao conforto e à segurança. É uma ilusão imaginarmos que vamos diminuir os problemas de mobilidade construindo viadutos, elevados, abrindo ruas. Quanto mais pistas de automóveis tivermos, mais difícil será o trânsito. O que devemos considerar para a mobilidade contemporânea é que ela não deve excluir nenhum meio de transporte, porque para cada um deles há uma vocação. Nos grandes deslocamentos, geralmente impositivos, casa-trabalho, a cidade grande oferece melhor serviço se utilizarmos o metrô ou o trem. Em rede, com conexões, não em linha. Nos demais deslocamentos, a população pode caminhar. Nesse caso, há uma demanda de espaço público seguro e confortável, com calçadas boas, como elemento complementar. Não vamos nos iludir. Não tem futuro o modelo que adotamos durante 50 anos, de construir estradas e ruas, e que descaracterizou a maior parte das nossas cidades. Não tem futuro, e as grandes cidades do mundo já demonstraram isso.

 

- Como o senhor avalia o Arco Metropolitano e o Porto Maravilha, duas grandes obras recentes no Rio?

 

- O Arco Metropolitano é um equipamento importante para a logística, para o transporte e a distribuição das mercadorias. Mas, se for aproveitado como indutor de ocupação urbana, fará um péssimo serviço à cidade. Ele diminuirá a densidade populacional, portanto, tornará os serviços públicos mais caros e, certamente, desqualificará a cidade. Eu defendo que o Arco Metropolitano tenha o desenho urbanístico da Linha Vermelha, que dê acesso apenas em alguns pontos. Não pode ser igual à Avenida Brasil ou a Via Dutra, em cujas margens se constroi como se fossem um trecho urbano. Já o desenvolvimento da área portuária é muito importante para fortalecer o protagonismo do Centro Histórico em relação a toda a Região Metropolitana. O Porto Maravilha precisa ter um desempenho que dê perspectiva aos que vão investir e morar lá. Desejo que a área portuária seja um grande sucesso, que tenha muita gente, muitos negócios, muito trabalho e habitação.

 

- O senhor afirma que “um Brasil urbano se somará ao Brasil urbano de hoje”. Como visualiza esse Brasil do futuro?

 

- Independentemente do crescimento, vamos construir mais uma cidade na já existente. O tamanho médio das famílias vai diminuir, e novas moradias serão necessárias. Como a cidade não crescerá em população, se ela crescer em área não ocupada, vai haver menos gente morando por quilômetro quadrado. Ao perder densidade, tornará mais caros os serviços públicos e a infraestrutura, e dará menos vitalidade aos espaços públicos. Logo, espero que essa nova cidade seja construída em áreas já ocupadas. Se observarmos bem, há muitos espaços disponíveis. Aqui mesmo ao lado (a entrevista foi concedida na sede do IAB, no Flamengo), há dois quarteirões vazios desde que os bondes deixaram de existir. A Zona Norte reúne uma enorme quantidade de terrenos ociosos, de galpões abandonados. Lugares nos quais se podem construir moradias, comércio. Imagina esses ambientes deixando de ser ociosos, começando a ter vida. Todo o entorno melhoraria. Isso não significa construir edifícios altos. Eles não necessariamente aumentam a densidade urbana. Ao contrário, podem diminuir. Um trecho em Ipanema, entre a Rua Visconde de Pirajá e a Lagoa, por exemplo, abriga só edifícios de cinco andares. Esse trecho chega ser 10 vezes mais denso do que a área das torres da Barra da Tijuca, por exemplo, porque entre um edifício e outro há grandes espaços: os edifícios são altos, têm menos aproveitamento, e as ruas não têm vitalidade. A densidade naquele setor de Ipanema também é mais alta do que o condomínio de edifícios conhecido como Selva de Pedra, no Leblon, onde moram pessoas de classe média-alta (o condomínio reúne 2.251 apartamentos em 40 edifícios). Paris tem gabarito de seis andares, e é considerada riquíssima sob o ponto de vista de vitalidade urbana. Já Nova York, conhecida por seus arranha-céus, consegue equilibrar a densidade populacional com espaços de convivência no meio de seus altos edifícios. A praça do Rockfeller Center (72 andares), famosa especialmente no inverno, é um bom exemplo. 

 

- Em meados do século XX, o Brasil deixou de ser predominantemente rural para se tornar predominantemente urbano. Quais os pontos positivos e negativos desta mudança de perfil?

 

- Todos os pontos são positivos. A tendência é a vida urbana. É um desejo majoritário, porque é nela que as pessoas conseguem saúde melhor, emprego, educação. As condições sociais melhoram. A vida urbana proporciona interação, e o que faz a cidade existir é o desejo de as pessoas interagirem umas com as outras, com pessoas diferentes, não iguais. O que dá riqueza na cidade é a possibilidade de circular e encontrar pessoas que se mostrem enriquecedoras mutuamente. É claro que o rural tem valor também, mas a ideia de que a vida no campo é de virtude e de que a vida na cidade é de pecado é uma ideia antiga, já superada.

 

- Arquitetura e urbanismo são indissociáveis?

 

- Sim. Chamo tudo de arquitetura. Faz-se essa separação devido às atribuições profissionais reguladas por lei. Mas é tudo arquitetura. Ela trabalha com todas essas escalas de ocupação e de desenvolvimento do território. Eu sou arquiteto urbanista.

 

- Ser arquiteto é como brincar de ser Deus?

 

- Não, acho que não é brincar, é propriamente ser Deus (risos). Houve um tempo em que os arquitetos, ao projetar determinado ambiente, pensavam em transformar a vida das pessoas, em direcioná-las por um determinado caminho, em determinar o modo como viveriam naquele ambiente. Então, nesse aspecto, eles seriam Deus. Isto foi a concepção modernista de arquitetura. Ela desconsiderava a cidade existente, porque o que ela herdou já estava construindo aquele homem cheio de problemas, desigualdades, intolerância. Então o arquiteto modernista construiria uma cidade de homens felizes. Se você comparar uma cidade grande de hoje com as cidades modernistas, tipo as superquadras de Brasília, verá uma grande diferença. Os condomínios fechados, shopping centers, os subúrbios americanos nos quais moram pessoas com um determinado padrão de vida, com dificuldade às vezes até forte de interação com o outro. A crença era que o ambiente produziria felicidade, conduziria a relações sociais harmônicas. Hoje, estamos convictos de que o futuro é a soma dos presentes. Não cabe mais a pretensão de que o concebido arquitetonicamente determinará o comportamento humano. O que cabe, sim – e isso é que dá ao arquiteto maior prazer –, é produzir espaços de qualidade e que ajudem as pessoas a serem felizes.

 

 

Programação da Expo HIS 2016

 

Quarta-feira – 28/09:

9h – Recepção

9h30-12h30 – Mesa: O ensino da Habitação de Interesse Social (HIS) e a interdisciplinaridade

14h-17h – Mesa: Experiências disciplinares no HABITAT

Mais Recentes
Fantástico universo dos animes
Influenciados pelos mangás, os desenhos animados japoneses conquistam fãs no Brasil e no mundo  
Reitor da PUC-Rio visita MPRJ
Padre Josafá se encontra com procurador-geral do Ministério Público do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem
Vozes pela educação
Passeata no Centro do Rio reúne cariocas de diversas idades contra a redução de verbas para o ensino público