Tecnologia e interdisciplinaridade: cimentos à habitação social e a modelos urbanos mais inclusivos
06/10/2016 08:54
Mariana Salles

Especialistas em arquitetura reunidos na PUC-Rio destacam papel crescente de avanços tecnológicos na construção de cidades integradoras

Carolina Moreira de Hollanda. Foto: Gabriel Molon

Aliada em potencial da arquitetura, a tecnologia torna-se um cimento crescente nos projetos associados à habitação de interesse social. Significa, na prática, cidades menos centralizadas, mais integradas. Para desenvolvê-las, é necessário, entre outras competências, o alinhamento entre os recursos tecnológicos e as características sociais e culturais dos respectivos espaços urbanos, ressalvaram especialistas da área no seminário Expo HIS 2016.

Nesta espécie de aquecimento para o 27° Congresso Mundial de Arquitetos (UIA), programado para 2020, no Rio, professores de arquitetura e urbanismo de diversas universidades foram unânimes ao destacar o papel crescente da tecnologia para tornar as cidades mais socialmente integradas. Para eles, os avanços tecnológicos revelam-se especialmente úteis à economia de custo e à sustentabilidade. Ainda de acordo com os especialistas reunidos da PUC-Rio, a dobradinha entre tecnologia e arquitetura mostrou-se proveitosa, por exemplo, à expansão do programa Minha Casa, Minha Vida, que facilitou o acesso a moradias populares de 10, 5 milhões de brasileiros de baixa renda. (Pelo menos 6,2 milhões de famílias ainda moram em locais precários, estima o levantamento do Departamento da Indústria da Construção feito em 2014.)

Os participantes da terceira edição do Expo HIS ressaltaram também a importância de o casamento entre a tecnologia e a habitação social – e, sobretudo, a integração urbana – ganhar corpo e se converter em soluções para melhorar a socialização e a qualidade de vida nos grandes centros. Ao encontro desta perspectiva, arquitetos e urbanistas projetam (ou desejam) aplicações tecnológicas mais extensas, ajustadas às condições socioeconômicas e culturais específicas. Aluna de arquitetura e urbanismo na PUC-Rio, Camila Rodriguez, observa:

– Um bom exemplo da tecnologia nas habitações sociais é a Ong Teto, que já utiliza a fabricação digital. O processo possibilita uma montagem mais rápida. A tecnologia pode ser usada também para a logística dos projetos, não só para a produção – lembra.

O processo a que se refere Camila corresponde à produção de objetos a partir de modelos digitais. Para materializá-los, são usados equipamentos como impressoras 3D e tecnologias de corte a jato d’água. A digital é conhecida também como prototipagem rápida, técnica permite que agiliza os testes dos projetos. “Assim podemos testar nossas ideias de maneira mais prática, rápida, fácil”, comenta o também estudante Tomas de Camillis.

Ele acrescente que um dos exemplos recentes mais emblemáticos do alcance da fabricação são as casas na China completamente feitas por impressora 3D. O processo, coordenado pela empresa WinSun New Materials, mostra-se relativamente simples: a impressora agrega camadas de material e produz peças articuladas por operários na construção das casas. De acordo com a empresa, cerca de dez casas podem ser produzidas em 24 horas.

Professora Maria Lucia Pecly. Foto: Gabriel Molon

A professora Maria Lucia Pecly, da UFRJ, lembra que os avanços tecnológicos não prescindem de profissionais como arquitetos, urbanistas, engenheiros. Para ela, o papel do arquiteto é “unir a tecnologia à qualidade”:

– É triste ver o que construtoras fazem, por exemplo, com o Minha Casa, Minha Vida. Os sistemas utilizados são modulares, que permitem diversas inovações de projeto e economia no custo final, mas as casas são sempre as mesmas. Creio que o principal empecilho para eles seja uma possível relação entre resultados diferentes e perda de produtividade. O processo é muito avançado, mas os resultados mostram-se retrógrados – avalia.

Já a também professora Carolina Moreira de Hollanda, da Unigranrio, percebe ainda uma curva de aprendizagem em relação ao uso de novas tecnologias por profissionais e alunos da área. “Ainda há muito a se aprender e a se ensinar sobre a grandiosa participação da tecnologia na construção de um Rio integrado e descentralizado”, reforça.

Interdisciplinaridade também é essencial

Os especialistas reunidos na PUC-Rio consideram a interdisciplinaridade igualmente essencial ao desenvolvimento da habitação social e de modelos urbanos descentralizados. Carolina justifica:

– Habitação social é essencialmente interdisciplinar. Não há como discutir a habitação de interesse social sem discutir as questões econômicas, históricas, políticas.

Para Maria Lucia, os alunos de arquitetura tenham aulas de antropologia, história e economia, entre outras áreas do conhecimento. Assim podem, argumenta ela, ampliar as visões e evitar o vício de “fazer habitações para os ricos”. Camila reconhece:

– Quando temos a oportunidade de pensarmos em projetos livres, normalmente em sala de aula, imaginamos uma casa para elite. Uma casa gigante, com um quintal imenso, quartos largos que acomodem uma família de quatro pessoas com a capacidade financeira que a maior parte dos brasileiros não tem.

Aulas de economia, por exemplo, ajudariam a inserir melhor, em projetos do gênero, questões relativas ao orçamento. Camilis apoia o aprofundamento de aspectos afins:

– Precisamos expandir os nossos conhecimentos sobre isso. O debate da habitação social é central no debate da cidade que queremos. Mas, afinal, qual é a diferença entre habitação e habitação social? Não devia haver tanta assim. Deve-se diminuir os custos e os luxos, sim, mas manter a qualidade é essencial se pretendemos travar um debate sobre a inclusão – pondera.

Redução de custo, para a qual contribuem avanços tecnológicos, não deve ser sinônimo de redução de qualidade na moradia popular, ressalvam arquitetos e urbanistas. Deste equilíbrio depende, entre outros esforços coordenados, a construção de cidades mais integradas, inclusivas, felizes. 


Leia mais: Arquitetos discutem na PUC caminhos para uma cidade mais inclusiva e integrada

Mais Recentes
Fantástico universo dos animes
Influenciados pelos mangás, os desenhos animados japoneses conquistam fãs no Brasil e no mundo  
Reitor da PUC-Rio visita MPRJ
Padre Josafá se encontra com procurador-geral do Ministério Público do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem
Vozes pela educação
Passeata no Centro do Rio reúne cariocas de diversas idades contra a redução de verbas para o ensino público