A celebração do Dia da Consciência Negra, o trabalho por sua identidade, a visão negra da história e a busca por construção de novos espaços de resistência para a eliminação das barreiras foram os temas destacados no seminário Consciência Negra – Identidade, História e Resistência, que ocorreu quinta-feira, 23, na Universidade. A proposta é contribuir para os desafios propostos com mesas de discussões sobre a tradição africana, o tráfico e o genocídio negro no Brasil.
A abertura contou com a presença do Decano do Centro de Teologia e Ciências Humanas (CTCH), professor Júlio Diniz, a coordenadora da Cátedra Carlo Maria Martini, professora Maria Clara Bingemer, e o coordenador da Graduação do Departamento de Teologia, padre Waldecir Gonzaga. Os três destacaram os encontros que tiveram ao longo do ano sobre a questão do negro na Universidade e afirmaram a importância de continuar as discussões em relação ao assunto.
Maria Clara destacou a finalidade teológica do encontro de dialogar com a secularidade, a diversidade religiosa e tudo aquilo que forma esse tecido plural da sociedade e da Universidade. A coordenadora afirmou também que o Brasil não pode ignorar a questão da negritude e da presença dos afrodescendentes dentro do território e da população.
– Refletir sobre as questões que emergem da igualdade, nem sempre acontecida, dos preconceitos que ainda existem, das diferenças, das intolerâncias e de como a teologia responde a esses desafios me parece uma coisa mais que urgente.
Padre Waldecir ressaltou a figura de Zumbi dos Palmares, conhecido como o líder negro de todas as raças. O padre lembrou o valor da luta e da resistência quilombola e destacou o fato que Zumbi nasceu livre, porém lutou e morreu pela liberdade de seu povo. Ele disse ainda que a teologia tem a função de ajudar a impedir todo tipo de discriminação.
O professor Júlio Diniz falou sobre os momentos difíceis, de intolerância, exclusão e racismo que o mundo tem passando e, segundo ele, são “absolutamente explícitos”. Diniz destacou que o seminário não marca somente o Dia da Consciência Negra, mas também a racialidade como tema fundamental do contemporâneo. Segundo ele, a luta é pela tolerância, e brigar contra a intolerância é ineficaz. Por isso, ele afirma que o melhor a fazer é afirmar a tolerância.
– A palavra chave para entendermos a questão da discriminação é o outro. Hoje pensamos como se o outro fosse externo a gente, como se a África fosse externa ao Brasil. Não existe Brasil sem África. A gente usa a expressão afrobrasileiro como uma expressão corrente, absolutamente correto, de uso corrente. Mas na verdade nós não somos nem afro-brasileiros, nós somos africanos, no sentido da África ser um componente fundamental para entender o Brasil. Não existe um Brasil africano, indígena ou europeu, existe um Brasil que é produto da tensão entre todos os povos, falas, credos e raças.
A Tradição Africana e o Tráfico
A abertura foi seguida de uma mesa sobre a luta e a história do povo negro, com a presença do professor do Departamento de Teologia padre Luiz Correia, da coordenadora do Centro Cultural de Tradições Afrobrasileiras Ylê Asé Egi Omim, Igá Wanda d’Omolu, e o criador do EducAfro, Frei David Raimundo Santos.
Padre Luiz Correia disse que a escravidão e a subordinação dos negros passaram e passam pela teologia. Por isso, ele afirma que a teologia pode ajudar os movimentos de libertação. Seguindo a mesma ideia, Frei David afirmou que fazer teologia é lutar pelos direitos. Com isso, ele destaca a importância das pessoas se abrirem para entender os valores das religiões de matriz africana e relacionar com os valores de Jesus Cristo.
Igá Wanda destacou a importância do terreiro e da mandinga. Ela falou também sobre o respeito em um debate interreligioso e afirmou que essa discussão é fundamental para entender o povo negro. De acordo com Wanda, há muitas escrituras e falas sobre eles, porém os próprios negros falarem sobre si é diferente.
— O que nos faz estar vivos, é a mandinga e a nossa cabeça, que é trabalhada nos terreiros, é o que nos dá equilíbrio. Eu não estou falando da religião somente, e sim dos elementos que nos mantém vivos, porque terreiro é vida. Mi mi mi não é coisa de preto, mi mi mi de preto é resistência, não é como as pessoas colocam para querer fragilizar a nossa argumentação. Então, esse debate interreligioso é muito bem vindo, porque fala da questão da identidade que, para nós povo preto, vai muito além do encrespado, do brinco grande e da roupa colorida.