Cabeça, ombro, joelho e pé: as mazelas da pandemia
26/08/2021 17:18
Carolina Smolentzov

Após um ano e meio de isolamento social, rotinas de home office afetam a saúde física e estimulam mudanças de hábitos

Felipe Ayala em home office

Felipe Ayala quase desenvolveu trombose, Teresa Tolentino precisou fazer terapia ocupacional, e Yan da Silva Costa – que frequentava a faculdade sem óculos de grau – já não conseguia realizar tarefas cotidianas sem eles. Estes foram alguns dos efeitos colaterais do novo normal. Além de todas as perdas e dores impostas pela pandemia do coronavírus, a rotina pesada de uma vida on-line trouxe outras mazelas menos esperadas: dor nos olhos, nas mãos e nas pernas, entre muitas outras histórias singulares.

Diretor de programas da TV Globo, Felipe Ayala, 33 anos, passava quase metade do dia no trabalho, cinco vezes na semana. Na maioria das vezes, chegava em casa só para dormir. Mas a pandemia mudou radicalmente a relação do jornalista com este ambiente. Com o home office, o ex-aluno da PUC-Rio passava horas a fio em reuniões, mudando de salas apenas com cliques, sem sair da cadeira. No escritório, ele conta, seria improvável que ele permanecesse mais de algumas horas sem parar, sem levantar, andar, ou até comer. 

– Para que as coisas não parem, a gente se adapta às necessidades do dia a dia. Por eu ficar muito tempo sentado em frente ao computador, apareceu uma bolinha na minha perna. Pensei que não seria nada, mas fui a um médico que falou que poderia ser uma pequena trombose – afirma Ayala. 

Um trombo é um coágulo nos vasos sanguíneos, que pode dificultar a passagem normal de sangue, e traz grandes riscos à saúde, como a possibilidade de um AVC ou uma embolia.

– Foi só um susto, um momento de instabilidade. O tratamento foi fazer exercício físico, emagrecer e ganhar qualidade de vida. Se não fosse a pandemia, muito provavelmente eu não estaria conversando sobre este assunto – admite. 

 Todo hábito cobra seu preço em algum momento – seja ele bom ou ruim. No caso de Ayala, o custo poderia ser altíssimo, e a única saída foi cuidar da saúde. Decisão que, segundo ele, o transformou em outra pessoa. Hoje, acorda às 6h para pedalar com colegas e passou a dosar melhor a quantidade de horas trabalhadas. 

Somado ao problema vascular, a intensa agenda do jornalista também impactou a visão dele. As dores de cabeça passaram a se tornar muito fortes e frequentes, e a solução foi aumentar o grau dos óculos. O oftalmologista, no entanto, o alertou: ele não era o primeiro paciente fazer esta reclamação.

A mudança de rotina afetou também o estudante de arquivologia Yan da Silva Costa, de 20 anos. Antes ocupados pela faculdade integral e o transporte de ida e volta para casa, seus dias agora envolvem computador, redes sociais, jogos e filmes. Durante a pandemia, as lentes de baixo grau, que ele usava apenas como apoio, se tornaram insuficientes. Distinguir números e letras em placas de carro e ler legendas na televisão ficaram comprometidos. Eventualmente, mesmo com os óculos, Costa não conseguia mais enxergar direito. Foi aí que resolveu consultar um especialista.

– Eu tinha um desconforto, uma dor no olho, de tanto olhar telas. Quando eu fiz o exame de vista, o médico falou que meu grau teve um aumento muito grande para alguém da minha idade em um período tão curto. Ele disse que, no consultório dele, muitas pessoas também estavam aumentando de grau, tanto da minha idade quanto mais velhos, por conta de EAD e home office. 

Yan da Silva Costa 

Para piorar o susto, o estudante foi informado também de possíveis sinais de glaucoma, de acordo com o oftalmologista. Presente na família do jovem, a doença está associada ao aumento da pressão dentro do olho e, se não tratada, pode levar à cegueira. O atípico, porém, é que o glaucoma é mais comum em pessoas mais velhas, como os familiares citados pelo rapaz.

– Pedimos os óculos de tratamento no mesmo dia. Na hora, foi assustador. Estou evitando mexer no computador, fazendo todos os estudos no mesmo período para não ficar o dia inteiro olhando para telas. Mas não tem muito para onde correr. Ainda estamos na pandemia, então preciso usar o computador. Eu trabalho muito com internet, faço vídeos e acabo usando muita luz no rosto – afirma.

Para aqueles acostumados com companhia em casa e fora dela, o isolamento social significou a perda de muitas facilidades e ajudas do dia a dia. Teresa Tolentino, 58 anos, que recebia uma faxineira duas vezes na semana e quase não almoçava em casa, sentiu o trabalho inesperadamente intensificado. A pedagoga, que hoje trabalha como corretora de imóveis, conta que por mais que a demanda profissional não tenha mudado tanto com a pandemia, mas as tarefas domésticas prejudicaram no seu bem-estar físico.

– O meu trabalho em casa aumentou muito, passei a fazer milhões de coisas que eu não fazia. Comecei a usar muito mais as minhas mãos. Além disso, com medo de ficar doente, tinha um exagero meu de ficar toda hora lavando a mão e passando álcool gel. Eu mexia com as minhas mãos durante todo o tempo que estava acordada.

Teresa Tolentino passou por tratamentos

O grande volume de trabalho com o computador, somado a um histórico de dores nas mãos, e as novas atividades domésticas levaram Teresa a vivenciar uma condição que é mais comum em mulheres, pessoas com diabetes e artrite: dedo em gatilho. 

– Acabei desenvolvendo em dois polegares e um anelar. Eu me lembro que estava participando de uma videocall com as mãos apoiadas em uma escrivaninha. De repente, um dedo levantou, travou como se estivesse no gatilho de um revólver, e eu não conseguia mais mexer ele. Isto foi em consequência de muito movimento, mas aconteceu do nada, enquanto estava parada. Para mim, doía muito para ele voltar ao normal – desabafa a corretora.

Teresa buscou um ortopedista que, após aplicar um medicamento na base dos dedos para aliviar a dor provisoriamente, recomendou terapia ocupacional durante seis meses. O tratamento incluiu massagens, exercícios e analgesia para melhorar a dor com laser e TENS – uso de impulsos elétricos para auxiliar na recuperação muscular. 

 

Problemas à vista

Segundo pesquisas realizadas pela Fiocruz com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 30% das pessoas acreditam que o estado de saúde piorou durante a pandemia. Além disso, mais de 60% dos adolescentes relataram ficar quatro horas por dia em frente a telas e 22% dos adultos disseram usar tablet ou celular por nove horas ou mais diariamente. 

As consequências físicas são inúmeras, corroboradas por dados como o aumento da procura por analgésicos sem prescrição, a alta em pesquisas sobre dores na coluna e nas costas, e a maior prevalência de doenças oculares. De acordo com a coordenadora do Curso de Pós-graduação em Oftalmologia da PUC-Rio, Renata Rezende, muitos comportamentos banalizados durante a quarentena podem trazer riscos à saúde. 

Entre crianças e adolescentes, a maior preocupação é o desenvolvimento da miopia. Além do uso excessivo de dispositivos eletrônicos, como celular e computador, o distúrbio também está associado à baixa exposição a raios UV e atividades ao ar livre – uma realidade concreta durante a pandemia. 

– Embora esta exposição possa ser danosa para algumas doenças, na fase de desenvolvimento existe um fator protetor em passar mais tempo ao ar livre. Outro problema é a proximidade dos olhos da tela, não só a luz que ela emana. Os jovens têm apresentado mais miopia depois de um ano e meio de pandemia, assistindo à aula on-line e com uma exposição muito intensa às telas – explica a médica.

Renata Rezende

Já em adultos e demais faixas etárias, outras questões estão relacionadas à realidade do trabalho e estudo remotos. Uma delas pode parecer involuntária, mas é fundamental para a manutenção da saúde ocular: o ato de piscar. Renata afirma que, ao final de muitas horas de exposição aos aparelhos digitais, os pacientes podem apresentar olho avermelhado, coceira, ardência ou sensação de areia nos olhos. Estes sintomas, causados pela diminuição da renovação da lágrima, caracterizam a síndrome do olho seco. 

Outra queixa comum entre os adeptos do home office é o aumento das dores de cabeça. Além da postura incorreta, iluminação fraca e monitor baixo, uma noite mal dormida também pode contribuir para este incômodo – e muito. Renata assegura que terminar o dia vidrado nas redes sociais ou nos grupos de mensagens pode afetar inclusive o relógio biológico. 

– O uso das telas de LED no período da tarde e da noite tende a piorar a qualidade do sono. Estas telas de computador e celular emanam um feixe de luz azul, que comprovadamente diminui a produção de melatonina, um hormônio que ajuda a controlar o círculo do sono. Se o paciente já tem um grau e usa óculos, temos prescrito com certa frequência a lente antirreflexo que filtra a luz azul, e minimiza um pouco alguns dos efeitos. 

Entre os cuidados com a saúde dos olhos que a oftalmologista recomenda estão lembrar de piscar, estabelecer períodos de intervalos, evitar telas muito próximas ao rosto e utilizar colírio lubrificante de acordo com indicação médica. 

 

Velho novo normal

Com o avanço da vacinação e o relaxamento de algumas restrições, novas pautas ganham destaque. A expectativa da tão desejada volta à normalidade entra em conflito com uma dura realidade: é muito provável que o modelo remoto e on-line tenha vindo para ficar.

Em março de 2020, o caráter repentino da situação de home office fez com que muitas pessoas não estivessem devidamente equipadas para longas horas. Até a chegada da pandemia, a maioria dos escritórios de empresas e instituições de educação não estavam preparados para manter as equipes em casa - e isto tem papel fundamental no bem-estar do trabalhador e do estudante. 

Felipe Ayala e filha

As atividades físicas foram pausadas, academias e parques fechados. Os dias dentro de casa nem começam a dar conta dos dez mil passos recomendados por especialistas. A educação alimentar fica em segundo plano, pela falta de informação, tempo ou dinheiro. Até os aspectos psicológicos e mentais, que influenciam na saúde do corpo, pioraram durante a pandemia. 

Um ano e meio depois, a frase “era para ser só 15 dias” é muito repetida na internet. Mais de 15 meses se passaram e muitos brasileiros continuam sentindo as mazelas provocadas pela Covid-19, que trouxe à tona problemas ignorados com frequência. Costa sofreu com a carga física e mental gerada por passar muito tempo nas redes sociais, enquanto, para Teresa, a experiência com a dor foi um alerta. 

– Eu estou tentando facilitar a minha rotina. Não faço movimentos desnecessários e evito mexer as mãos tanto. Fiquei meio assustada, e percebi que precisava me cuidar. Mas a terapeuta falou que eu não tinha que parar totalmente, só diminuir um pouco o movimento em casa, e continuar fazendo o tratamento – afirma. 

Durante este novo normal, a capacidade humana de adaptação foi ferramenta de sobrevivência. A volta é inevitável, mas a mudança também. E sobretudo, as histórias das mazelas confrontaram necessidades humanas básicas. Graças à situação que passou, após o nascimento da filha Catarina, de 4 meses, Ayala percebeu a urgência de repensar hábitos e privilegiar a qualidade de vida.

– O isolamento social possibilitou uma convivência maior em família. Por exemplo, hoje eu fiz três reuniões de trabalho em casa, olhando para a minha filha. Se eu tivesse em uma batida normal, eu mal a veria crescer. Agora, estou trabalhando ao mesmo tempo em que ela está no meu colo brincando. De algo ruim, eu estou tirando lições boas: nada substitui estar com a família, estar com amigos e ter saúde – declara.

Mais Recentes
Alunos terão desconto em moradia universitária
PUC-Rio fechou parceria com Uliving, maior rede deste tipo de serviço no país
Álvaro Caldas lança quinto livro de sua carreira
Nos anos de pandemia, a janela se tornou uma ligação vital para mundo exterior
Tecnologia, Inovação e Negócios no Instituto ECOA
Encontro reúne alunos e convidados para discutir o fornecimento de água e saneamento no Rio de Janeiro