A Presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia Trindade Lima, foi a convidada da Aula Inaugural do Instituto de Relações Internacionais (IRI) no dia 31 de agosto. O tema central girou em torno de duas causas principais para a desigualdade social na saúde global: água potável e vacinação. Ela baseou o discurso na defesa da ciência, da saúde, da cidadania e da democracia, pois, segundo a pesquisadora, não é possível pensar nestes fatores sem levar em conta o tema das desigualdades sociais.
No começo da apresentação, a socióloga revelou a imagem de um homem com a mão estendida debaixo de uma torneira sem água. Com a foto, ela quis reforçar a importância do acesso à água como um bem fundamental para a humanidade, mas também como um meio importante para a higienização e, consequentemente, proteção das pessoas. Logo após, a pesquisadora mostrou uma declaração divulgada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2002, que cita a água potável e as vacinas como as duas intervenções de maior impacto na saúde mundial.
Antes de abordar os dados e causas da desigualdade social na saúde do planeta, a presidente da Fundação Oswaldo Cruz comentou que o tema não é neutro, pois, assinalou, diferentemente da pobreza, a palavra desigualdade sugere a existência de diversos problemas de distribuição em determinada população, não somente de renda. Para entender o porquê desta disparidade, em especial o efeito da doença provocada pelo coronavírus em diferentes nações, a socióloga definiu a pandemia como um fato social, pois, de acordo com ela, é uma questão que reúne todas as dimensões da sociedade - econômica, religiosa, cultural e política. Ela ainda mencionou que muitos estudos também apontam a relação entre natureza e cultura.
- Há um artigo publicado pelo grupo de pesquisa da Fiocruz na Amazônia, sobre a variante gama, em que os pesquisadores observam que não é possível isolar esta variável. No caso do impacto trágico na região amazônica, o estado da Amazônia, em particular, apresentou uma situação mais dramática em dois momentos da pandemia. É impossível falar da variante sem falar das condições de mobilidade pelos rios amazônicos, ou seja, é uma coisa trivial, o vírus não se dissemina sozinho. As condições de transmissão são em si mesmas condições sociais.
Para demonstrar o impacto da enfermidade no mundo, Nísia apresentou reflexões de do grupo de pesquisa e trabalho de relações internacionais e estudos estratégicos da Fiocruz. O objetivo era entender como a desigualdade global da pandemia aumenta a riqueza de uma pequena porção da população brasileira.
- De acordo com o índice de Gini (instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo), no momento, a fatia 1% mais rica do Brasil é a maior entre dez países: cresce 3% e a atinge 50% da riqueza. Trinta por cento dos brasileiros estão em condição de pobreza e 10% em condição extrema, e há uma situação de mercado de trabalho fraco, que aprofunda desigualdade no Brasil.
Além disso, ela enfatizou como é importante entender que a desigualdade na pandemia vem de um conjunto de problemas não exclusivamente sociais, mas ela também ocorre devido a questões ambientais. Segundo a socióloga, para combater a desigualdade social da saúde, é necessário entender que tudo está conectado.
- A mudança do ciclo de um vírus, que passa a infectar humanos. Se nós sabemos disto, sabemos que a questão da mudança climática e do desafio ambiental são componentes fundamentais deste processo.
Em um artigo publicado no Chinese Center for Disease Control and Prevention (CDC), a presidente da Fiocruz e o coordenador de Ações de Prospecção da Fiocruz e líder do grupo de pesquisa Desenvolvimento e Saúde da Fiocruz, Carlos Gadelha, observam a discrepância nas tecnologias, na ciência e inovação, e apontam a assimetria global existente. Para eles, a raiz de todas as desigualdades é a disparidade do conhecimento e o impacto na produção de bens para a saúde hoje em dia. Na palestra, a pesquisadora afirmou que as patentes das vacinas são agentes desta assimetria global e citou o inventor da vacina contra a pólio, cientista americano Jonas Salk. Ao ser questionado sobre quem detinha a patente do imunizante, o pesquisador respondeu: “Você poderia patentear o sol?”.
- Sessenta e sete anos depois, os interesses do mundo real se revelaram, e as vacinas apresentam-se como um segmento econômico central da saúde e para o exercício do poder na geopolítica global do conhecimento em meio à crise pandêmica – disse a pesquisadora.
Nísia citou que dez países concentraram 75% das doses aplicadas contra a Covid-19, devido a um desequilíbrio na capacidade produtiva e no poder de compra. No momento, existem países no continente africano que ainda não começaram a vacinação ou há menos de 10% de primeira dose aplicada. Ela comparou o acesso à vacinação de forma similar ao acesso à água potável.
A socióloga enfatizou os impactos negativos da pandemia nas mais diversas áreas da sociedade, e como os sistemas de saúde em todo mundo ficaram sobrecarregados. Também lembrou o fechamento de muitas empresas e fábricas, o que levou a taxas exacerbadas de desemprego. E, observou, além de todas as questões econômicas, o surto epidêmico do novo coronavírus dificultou a entrega de assistência humanitária e proteção aos mais de 70 milhões de refugiados, muitos forçados a se deslocar de seus territórios.
- A pandemia da Covid-19 teve um impacto significativo em várias aéreas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e arruinou anos de esforços de desenvolvimento. Reforçou obstáculos para o alcance deles, desigualdades estruturais, lacunas, desafios e riscos sistêmicos que já existiam.
A abertura da Aula Inaugural ficou a cargo do Reitor da PUC-Rio, padre Josafá Carlos de Siqueira S.J., na qual ele ressaltou pontos que a presidente da Fiocruz abordaria durante a palestra. Padre Josafá fez questão de valorizar o trabalho que o sistema público de saúde e a Fundação Oswaldo Cruz desenvolvem no país.
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