O ambiente que simboliza a PUC
09/06/2015 16:17
Por Alessandra Monnerat e Arthur Macedo / Fotos: Acerco Comunicar e Aníbal Mesquita

Alunos, professores e funcionários resgatam memórias

A Vila servia para a moradia de operários que trabalhavam nas fábricas têxteis que funcionavam na Gávea

De um lado, os departamentos, espaço dos docentes. Do outro, centros acadêmicos, lugar dos alunos. No meio, duas grandes filas do bandejão. Se, no cotidiano, a Vila dos Diretórios abriga diversidade de pessoas, na história do lugar essa pluralidade é ainda mais evidente. Da origem, nos anos 1950, como moradia de operários, passando pelos tempos de resistência à ditadura, nos anos 1970, até a efervescência cultural dos anos 1990, a Vila se firmou como um ícone da Universidade.

O caráter transitório da população da Vila, de estudantes que se formam todos os anos, mantém o ambiente renovado. O lugar se consolidou como um espaço para pautar os anseios da comunidade acadêmica, discutir políticas locais e conhecer gente nova. Vice-Reitor Comunitário da Universidade, professor Augusto Sampaio, estudante de Sociologia da PUC a partir de 1961, afirma que a Vila formou a consciência cidadã de uma geração de alunos.

– A Vila me ajudou a pensar. Lá foi onde minha cabeça começou a ser exercitada, até porque eu vim de outra origem. Meu pai era militar, e eu fui aluno interno de um colégio militar, na Tijuca, por sete anos. Vim para a PUC fazer Sociologia e, na Vila, eu formei a minha consciência conversando, ouvindo.

As casas da Vila foram erguidas no início do século XX para servir de moradia a operários que trabalhavam nas fábricas que funcionavam na Gávea. Quando a Universidade começou a ser construída no bairro, em 1951, parte dessas casas tornou-se residência dos trabalhadores da obra e de suas famílias. Era comum ver crianças correrem pela rua de paralelepípedos.

Com a inauguração do campus, em 1955, o local passou a ter dupla função, para atividades acadêmicas e para moradia de funcionários solteiros da PUC. Um desses ex-moradores é Antônio José de Albuquerque Filho, funcionário da Universidade desde 1968 e fotógrafo do Núcleo de Memória a partir de 1972. Por um pequeno aluguel, descontado no salário, ele morava sozinho em uma das casinhas de um quarto, que, relembra, tinha poucos móveis, não muito atrativos. Embora a configuração mudasse de uma casa para outra, a de Antônio tinha apenas uma pequena cozinha e nenhum banheiro. Para tomar banho, ele e os outros rapazes precisavam ir a uma área comum do lado de fora. Antônio conta que, ao se mudar para a Vila, em 1968, ele acompanhou de perto um dos momentos mais agitados da Universidade e do Brasil.

– Na época, eu era funcionário da Biblioteca, ficava muito tempo restrito às minhas atividades. Depois, com a fotografia, pude acompanhar tudo mais de perto. Na minha época, os alunos eram muitos envolvidos com as greves, com a invasão da Universidade, o fecha-tudo. De vez em quando nós tínhamos que participar ou pelo menos tomar conhecimento nas conversas. Cada diretório tinha uma espécie de cantina onde se vendiam flâmulas. Todo mundo queria se representar.

A alameda de casinhas ficou conhecida como a sede de festas, manifestações e discussões políticas estudantis

O uso da Vila como espaço de discussão política começou a ganhar destaque nos anos 1960, quando algumas das casinhas foram ocupadas pelos Diretórios Acadêmicos. Na Ditadura Civil-Militar, o lugar virou símbolo de resistência e ficou conhecido pelo nome Vila Vermelha, na qual os centros acadêmicos mais movimentados eram os da Engenharia e do Direito. Os alunos se beneficiaram do fato de a PUC ser uma universidade particular, o que dificultava a invasão do Governo no campus, ocorrência mais comum em faculdades públicas. A Universidade também promoveu a contratação de professores que, exonerados de outras instituições, encon- A Vila servia para a moradia de operários que trabalhavam nas fábricas têxteis que funcionavam na Gávea acervo comunicar traram abrigo na PUC.

Mesmo assim, não faltaram momentos dramáticos, como a invasão do campus em julho de 1968, a prisão de professores e de alunos, além do assassinato de Raul Amaro Nin Ferreira, o único caso entre alunos da PUC. Um dos líderes do Movimento Solidarista Universitário, o ex-estudante de Engenharia foi torturado e morto por agentes do Estado em agosto de 1971. A história dele é contada no livro Raul Amaro Nin Ferreira: relatório, da Editora PUC, escrito pelos sobrinhos de Raul. Professor Augusto observa que a Vice- -Reitoria fez questão de pagar pela publicação da narrativa.

Ele conta que estava em uma mesma festa que Raul na noite em que o estudante foi preso. O rapaz saiu do encontro para levar uma amiga em casa, no Leme, e foi parado em uma blitz. Como todo brasileiro era obrigado a andar com a identidade naquela época, o documento estava quase ilegível por causa do uso. Os policiais pegaram a de Raul e não conseguiram identificá-lo. Após revistarem o carro dele, acharam um mapa no porta-luvas, que concluíram ser de alguma organização de resistência ao regime militar, e o levaram preso. A partir desse momento, a história dele passou a ser acompanhada de perto pelo professor Augusto, que lembra emocionado das circunstâncias da prisão e das vivências sofridas pelo estudante.

– Após o prenderem, nós nos mobilizamos para tentar avisar ao Exército que ele tinha um problema cardíaco. Lá, Raul foi torturado e levado para o HCE, o Hospital Central do Exército. No HCE, autorizaram ele ser interrogado, onde ele foi torturado e morreu. A mãe dele não sossegou enquanto não conseguiu esclarecer a morte do filho.

A vida de Raul está tão ligada com a Vila que hoje seu nome batiza outra forma de vida no local: uma árvore que foi plantada em junho de 2014. Ele também deu nome ao Diretório Central de Estudantes (DCE) da Universidade. Coordenadora do Núcleo de Memória, professora Margarida de Souza Neves, compareceu ao plantio da árvore na alameda. Ela destaca este como um dos momentos mais importantes da Vila, a consolidação de um período conturbado, que viveu como aluna, de 1964 a 1968.

– Foi uma época difícil, mas muito rica. Aprendemos o exercício da cidadania em condições adversas. Era uma geração muito generosa, que acreditava em ações coletivas. Eu vivi essa geração.

Na década seguinte, Margarida passou pela experiência PUC com a ótica de docente. Dessa época, a professora ressalta a organização política de professores em torno da Associação de Pós-Graduandos (APG), com sede na Vila. Juntos, os docentes enfrentaram situações como a crise financeira da Universidade, em 1986, e conquistaram direitos como o de limitar aos departamentos a decisão de demitir professores. O Brasil vivia um contexto diferente, de redemocratização, como recorda a professora.

– Era um momento de abertura política. A PUC ganhou visibilidade como um espaço que representava a possível liberdade.

Essa abertura influenciou diretamente o cenário que se formaria na Vila nos anos 1990, de grande ebulição cultural. Festivais, shows e festas apresentavam o que se produzia na cidade em música, poesia, dança e performance. Uma das testemunhas dessa cena foi Rafael Rusak, então aluno de Comunicação Social e hoje professor do mesmo departamento. Integrante da banda Mamute, ele dialogava com outros grupos, como o Los Hermanos, Urubu Sertão, Ideia Rara e Dread Lion.

– Antes de entrar na PUC, eu já frequentava, com dois amigos que estudavam aqui, as atividades culturais que eram desenvolvidas na Vila. Era liberdade, era cultura, era música, era poesia, era arte, tudo explodindo em ebulição, aquela loucura toda acontecendo e sem regras, sem limites. Então, quando eu me deparei com aquilo, eu pensei: é aqui que quero estudar. E acabou realmente se concretizando.

Atualmente, na Vila, existem oito casas do lado esquerdo e cinco do lado direito, além de uma casinha em construção

Atualmente, são oito casas do lado esquerdo, que abrigam o ambulatório, a casa dos seguranças e diretórios. São outras cinco do lado direito, que incluem o Departamento de Ciências Sociais, o Instituto de Relações Internacionais, o Laboratório de Metalurgia e Materiais, além de uma casa em construção. A Vila mantém características que a marcaram desde que passou a fazer parte da PUC. O convívio interdisciplinar e a defesa dos interesses dos estudantes continuam a ser marcas daqueles que frequentam as casinhas.

Para o estudante de Engenharia Ambiental Fábio Mehlem, 23 anos, lá é um espaço dos alunos para os alunos. Estudante de Direito e atual presidente do DCE, Pedro Duarte Jr., 25 anos, afirma que, independente do curso, a política da Vila faz os universitários aprenderem a lidar bem com pessoas e egos. Há também quem se sustente no local, como Antônio Elias Baptista, de 60 anos, conhecido como Toninho do salgado. Ele era funcionário da PUC, mas decidiu trabalhar na Vila para adquirir uma renda melhor.

– Trabalhei na Engenharia Civil por 11 anos. Não me aposentei, mas minha fonte de renda agora é só aqui. Convivo com os alunos há 25 anos na Vila vendendo salgados. Não tem preço a convivência que escolhi, são muitas histórias de jovens. A gente se renova com pessoas novas que vêm.

Para o aluno de Engenharia Civil Thiago Medeiros, de 22 anos, os estudantes sempre são os personagens da Vila, que a renovam a cada período. Ele acredita que o lugar tem importância para todos que convivem na Universidade devido à união dos alunos, tanto no passado quanto no presente. O Vice-Reitor Comunitário resume a importância da Vila em um aspecto: a necessidade de um tombamento.

– Já ocorreram propostas de fazer uma espécie de área comercial, área de alimentação, onde é a Vila. Acho que devia haver o tombamento da Vila, porque amanhã ela pode ser demolida.

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