Um apelo à conversão ecológica
23/06/2015 11:01
Rócelia Santos

A Arquidiocese do Rio de Janeiro promoveu uma coletiva de imprensa para detalhar os principais pontos do documento, o primeiro que aborda especificamente o tema da ecologia.

“O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a fa­mília humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral”. Este é o convite que o Papa Francisco faz a toda a humanidade na Carta Encíclica Laudato Si (Louvado Sejas), lançada oficialmente no dia 18 de junho no Vaticano. A Arquidiocese do Rio de Janeiro promoveu uma coletiva de imprensa, no mesmo dia, para detalhar os principais pontos do documento, o primeiro que aborda especificamente o tema da ecologia. A Carta, de 192 páginas, traz um apelo à conversão ecológica, que passa pelo cuidado com a “nossa casa comum”, ou seja, o planeta.

Uma das novidades da Encíclica são os destinatários, que são “cada pessoa humana que habita esse planeta”. Geralmente, um documento oficial do papa é direcionado aos bispos e aos membros da Igreja Católica. Os principais objetivos da Encíclica são: entrar em dialogo com todos a cerca da nossa casa comum; ajudar a reconhecer a grandeza, urgência e a beleza do desafio que se tem; não apenas lembrar o dever se cuidar da natureza, mas também de proteger o ser humano da destruição de si mesmo; o convite urgente para renovar o diálogo e o desejo de assegurar o debate científico e social sobre o tema.

A Laudato si pode ser considerada um “puxão de orelha” na sociedade, nas grandes empresas e nos governos mundiais para a busca de soluções urgentes para o planeta. Ela adota um tom crítico ao falar da indiferença em relação à crise ambiental. O Papa Francisco afirma que todos vêm os crescentes desafios e as diversas degradações, porém, há uma desproporção entre o tamanho dos problemas e as iniciativas para resolvê-los. Ele chega a afirmar no documento, no artigo 26, ter a sensação de que os problemas de natureza ecológicos estão sendo mais mascarados do que enfrentados.

Logo na introdução, o Papa reconhece que o movimento ecológico mundial já percorreu um longo e rico caminho, tendo gerado numerosas agregações de cidadãos que ajudaram na consciencialização. Porém, segundo o Pontífice, “muitos esforços na busca de solu­ções concretas para a crise ambiental acabam, com frequência, frustrados não só pela recusa dos poderosos, mas também pelo desinteresse dos outros”.

Ele critica ainda que as atitudes que dificultam os cami­nhos de solução, mesmo entre os crentes, “vão da negação do problema à indiferença, à resignação acomodada ou à confiança cega nas soluções téc­nicas”.

Alguns eixos atravessam a encíclica inteira, como por exemplo: a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que tudo está estreitamente interligado no mun­do, a crítica do novo paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de entender a econo­mia e o progresso, o valor próprio de cada criatu­ra, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsa­bilidade da política internacional e local, a cultura do descarte e a proposta de um novo estilo de vida.

O documento chama a atenção para as formas imediatistas de entender a economia e a atividade comercial produtiva, como a preocupação exclusiva com o lucro, sem se atentar para os efeitos ambientais gerados, e o grave problema do desmatamento e da extinção das espécies. Ele chega a afirmar que o custo dos danos provocados pela “negligencia egoísta” é muito maior que o benéfico econômico que se possa obter.

Em uma declaração ousada, Francisco afirma na Carta que “toda a pretensão de cuidar e melhorar o mundo re­quer mudanças profundas nos estilos de vida nos modelos de produção e de consumo, nas es­truturas consolidadas de poder, que hoje regem as sociedades”. Para ele, o progresso humano autêntico possui um carácter moral e pressupõe o pleno respeito pela pessoa humana, mas deve prestar atenção também ao mundo natural.

Monsenhor Joel Portella Amado, professor do Departamento de Teologia da PUC-Rio, fez a apresentação dos principais pontos da Carta Encíclica. Para ele, a linha geral da Carta está no desafio de manifestar a alegria pela criação e a preocupação e angustia por uma criação agredida. Monsenhor Joel afirma que o Papa Francisco reconhece não ter seguido nenhuma teoria científica para escrever o documento, e que o pontífice fez uma leitura do problema à luz da fé cristã, ao olhar a natureza e o ser humano como criação de Deus.

Segundo o Monsenhor, o Papa vai chamar atenção que a fé cristã tem motivações e compromissos ecológicos, e que ser cristão significa olhar a ecologia de forma comprometida. O documento aborda ainda a relação entre Jesus Cristo e a ecologia.

- O Papa vai lembrar que é próprio da fé cristã olhar a criação não como acaso, mas como algo que tem início, a presença da ação criadora de Deus, uma finalidade, e a presença da ação de Deus ao longo de todo o processo humano. Ver a criação como um gesto de amor de Deus. O sentido é o amor, o convívio, o respeito, e a contemplação, que é um convite do Papa, não a dominação e a manipulação, mas a contemplação. Não dominar, mas cultivar, guardar, zelar, proteger.

Para o professor, a Encíclica aponta a “tecnociência” como uma das causas da crise ecológica, e que o problema que atinge o mundo está na cultura do relativismo e do aproveitamento, no sentido negativo.

- O Papa afirma que, hoje, o paradigma tecnocrático tornou-se tão dominante que é muito difícil prescindir dos seus recursos. Estamos presos na tecnologia e, mais que ela, em uma mentalidade de paradigma tecnológico. Essa relação entre o ser humano e a natureza é uma esquizofrenia permanente, é uma ruptura, nós hoje temos dificuldade de olhar o conjunto – relata Monsenhor Joel.

Francisco faz propostas ousadas para tentar superar essa crise atual e pede uma “corajosa revolução cultural”. Entre elas, uma cultura ecológica, como proposta de superação do paradigma tecnológico, baseada em uma mudança de mentalidade. Ele propõe um ousado programa de “Ecologia e Desenvolvimento”, em que afirma ser preciso encontrar um equilíbrio, reduzir o ritmo de produção e consumo e dar lugar a outra modalidade de progresso e desenvolvimento. A partir da ecologia, encontrar outro modo de compreender a vida, o progresso e o desenvolvimento.

Francisco chega a afirmar que não se trata de “voltar para a Idade da Pedra”, nem “cair nas armadilhas do paradigma tecnológico”, assim como também não é nem valorizar o ser humano (antropocentrismo) e agredir a natureza, nem divinizar a natureza (biocentrismo), e esquecer o ser humano. Francisco propõe ainda uma “Ecologia integral”, a partir da relação entre a natureza e a sociedade. Outras soluções apontadas no documento são a erradicação da miséria e o diálogo sobre meio ambiente no âmbito internacional.

No documento, o bispo de Roma declara ser necessário adotar algumas medidas urgentes, entre elas: uma politica que não se submeta à economia; acordos internacionais que não fiquem no papel, mas sejam eficazes; o equilíbrio entre a soberania de cada pais e a questão global; a preocupação diante dos estados enfraquecidos; a questão dos oceanos; a transparência nos processos políticos e, sempre, estudos prévios sobre impactos ambientais.

De acordo com o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta, O. Cist., a Carta Encíclica chega em um momento importante, em que muito se tem discutido sobre soluções para os problemas ambientais do planeta. Ele relembrou que o Papa tem, em dois anos de pontificado, surpreendido o mundo ao se preocupar publicamente com os refugiados, com a fome no mundo, com a paz mundial.

- Temos que cuidar bem de onde moramos. O Papa vai lembrar que não somos donos do planeta, mas temos uma herança a transmitir aos outros, aos nossos filhos, netos. Nós temos essa responsabilidade, nós cuidamos daquilo que nos foi entregue para passar às gerações seguintes. O Papa vai indicar caminhos para que cuidemos bem dessa nossa casa comum, que é para todos nós, católicos, não-católicos, cristãos, não cristãos, não crentes. Vivemos todos juntos nessa mesma nave que é o planeta, e somos corresponsáveis por eles.

A base e inspiração da Carta é o famoso Cântico das Criaturas, atribuída a São Francisco de Assis que, contemplando a natureza, percebe o mistério de Deus. Outra novidade do documento foi o Papa ter utilizado, como fontes para fundamentar o pensamento, não somente reflexões de outros Papas, como é comum nas Cartas Encíclicas. Ele acrescentou contribuições de cientistas, filósofos, teólo­gos e organizações sociais, de outras Igrejas e Comunidades cristãs, bem como de outras religiões, como por exemplo, o Patriarca Ecu­mênico Bartolomeu, que, segundo o Papa, enriqueceram o pensamento da Igreja sobre estas questões.

Para o Reitor da PUC-Rio, Padre Josafá Carlos de Siqueira, S.J., a encíclica é lançada em um momento de contexto social importante, em que há um misto de dois sentimentos presentes nas pessoas: o de frustração e o de esperança.

- Frustração porque o processo de degradação ambiental e a qualidade de vida social vêm se agravando em muitas partes do mundo, além da falta de consenso nas grandes convenções internacionais que tratam desses aspectos mais socioambientais. Mas também esperança de que, vamos encontrar consenso na COP 21. Esperança de, quem sabe, uma visita do Papa à ONU, possa haver um apelo internacional mais forte. Existe um momento de igreja muito especial, de um Papa que está convidando a Igreja a sair para fora e enfrentar os problemas sociais, ambientais, de um pastor que tem um papel extremamente importante como liderança internacional.

Entre as novidades da Laudato Si, Padre Josafá destaca o conceito de Ecologia Integral, citada pelo papa Francisco. Para o Reitor, um dos grandes problemas no mundo moderno é tratar a questão social separada da ambiental e vice-versa.

- Ele tocar em temáticas extremamente importantes e inspiradoras, como quando ele fala da relação entre o espirito humano que deve encanta-se novamente pelo mundo criado, o homem como guardião da criação, aquele que recebe o dom, mas muitas vezes esquecemos dessa tarefa. É importante resgatar essa visão mais integradora, resgatar o encantamento, a dimensão de mudança de habito e de costume, que precisa ser mudado, o destino universal dos bens, o testemunho concreto da sustentabilidade.

Josafá relembra ainda outro ponto de crítica do Papa Francisco, a “cultura do descarte”, que produz e descarta não apenas lixo, mas também pessoas. A problemática dos pobres, tão presente em quase todos os pronunciamentos oficiais do Pontífice, e a questão da degradação ambiental também foram pontos que chamaram a atenção do reitor no documento, como uma das grandes preocupações e angústias de Francisco e da Igreja Católica.

- Ele usa questões que eu acho muito originais: ele diz que a desertificação é uma doença da terra. A extinção de espécies é uma mutilação da obra da criação. Vai chamar também a atenção que as mudanças climáticas estão acontecendo, e que as vitimas que mais sofrem com essas mudanças são os pobres. Ele fala também do desperdício de alimento, faz uma critica forte sobre isso, o mundo que produz muito alimento, mas que há uma cultura do desperdício, e essa cultura do desperdício é uma afronta à fome no mundo. Milhares de pessoas que não tem o que comer.

O Papa Francisco cita a Amazônia na Laudato Si, e reconhece a importância da preservação dela para o futuro da humanidade. Ele se mostra contra a internacionalização da Amazônia que, segundo ele, “só servem aos interesses econômicos das 32 corporações internacionais”.
Encíclica é um documento oficial da igreja com peso magisterial, de ensino, dirigida a todas as pessoas. O papa faz questão de que essa encíclica se insere no magistério social da igreja.

“Laudato si, sobre o cuidado da nossa casa comum” é a primeira encíclica escrita exclusivamente pelo Papa Francisco, pois a primeira “Lumen Fidei” (“Luz da Fé”), havia sido preparada por Bento XVI, antes de renunciar em 2013, e redigida a quatro mãos.

“Laudato si” faz referência a “Louvado sejas”, palavras contidas na abertura do Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis. Não é em latim, como costume, mas num italiano antigo. Disponível em italiano, francês, inglês, alemão, espanhol e português, o documento aborda as questões do cuidado com a criação, a ecologia humana e a proteção do meio ambiente. Ao longo de 192 páginas, Papa Francisco convida a uma conversão ecológica.

A encíclica poderá ser encontrada no site do Vaticano: www.vatican.va

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