Além das paredes de madeira
26/08/2015 18:11
Rayanderson Guerra / Fotos: Divulgação

Voluntários da ONG Teto participam de ações em quatro comunidades do Rio de Janeiro. A organização está presente em 19 países.

Moradores e voluntários constroem, em um fim de semana, as moradias de emergência feitas de madeira

Vielas de terra batida, barracos de madeira improvisados e nenhum serviço de saneamento básico. O cenário parece com o de uma cidade esquecida no interior do país. No entanto, esse foi o ambiente que os voluntários da ONG Teto encontraram na favela Parque das Missões, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. A situação se repete em comunidades de diversas regiões metropolitanas do Brasil e em mais 18 países da América Latina e do Caribe, áreas em que o grupo atua. A Organização, sem vínculos partidários ou religiosos, tem como objetivo a superação da pobreza, pelo desenvolvimento comunitário, por meio de ações conjuntas entre moradores e voluntários.

Criado por um grupo de estudantes da Pontifícia Universidade Católica do Chile, o Teto está no Brasil desde 2006 e, hoje, atua em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Paraná. São 25 mil voluntários e mais de 1.900 moradias construídas. No Estado do Rio de Janeiro, a organização não governamental realiza atividades em três favelas de Duque de Caxias: Jardim Gramacho, Vila Beira-Mar e Parque das Missões. Um trabalho está começando em Mesquita, na comunidade Sebinho. Entre as atividades desenvolvidas está a construção de moradias de emergência, no entanto, essa é apenas uma das fases de trabalho.

As casas de 18 metros quadrados são de madeira, pré-fabricadas, construídas por moradores e voluntários durante um fim de semana. Estudante de Psicologia da PUC-Rio, Marina Baumgratz, de 21 anos, é voluntária há dois anos. De acordo com ela, para que tudo ocorra de forma organizada e unificada, as famílias são envolvidas no processo.

– A comunidade assume tarefas e deveres. Por exemplo, quando ocorre a construção, ficam encarregados de fazer a comida para os voluntários. Quando chegam os materiais, eles guardam e cuidam para que tudo esteja íntegro na hora de construir. O processo é desenvolvido por todos, das reuniões à construção.

Gabriela Doria é estudante de Comunicação da Universidade e atualmente participa de atividades pontuais do Teto. O contato com realidades diferentes e a possibilidade de ajudar pessoas a terem uma vida mais digna e humana foram o que motivaram a estudante.

– Desde o primeiro contato até a construção surge uma relação muito bacana, de companheirismo, de respeito e gratidão. As casas são só o primeiro passo para dar àquelas pessoas uma vida mais humana e digna. A partir daí, o Teto desenvolve um trabalho junto com a comunidade que busca solucionar problemas que ela enfrenta. É impossível voltar de uma atividade como essa com o mesmo pensamento que você tinha. A sua visão de mundo se expande e a sua compaixão também.

A estudante de Psicologia da Universidade Gabriela Pinheiro sempre teve vontade de ser voluntária em algum projeto social e ao conhecer o Teto, em abril de 2014, se envolveu na causa e entrou para a equipe que visita as comunidades nos fins de semana. A relação com os moradores, segundo Gabriela, é boa e todos estão mobilizados em torno de um objetivo comum.

- No começo, os moradores em geral estão cheios de perguntas, dúvidas e muitas vezes desconfiados. Mas com o passar do tempo e com as construções essa relação fica cada vez mais estreita. As crianças se apegam e nós nos apegamos a elas: nossas visitas são cheias de abraço.

As obras fazem parte do processo de desenvolvimento comunitário

O diretor-operativo da ONG Teto no Rio de Janeiro, Javier Abi-Saab, participou de construções de casas em São Paulo e foi um dos primeiros a se envolver no projeto quando a organização inaugurou o escritório no Rio. Segundo ele, já foram construídas 126 moradias de emergência no Estado. Mas até chegar a esse ponto, há todo um processo que começa já na escolha das comunidades.

– A construção é o carro-chefe para a entrada nas comunidades. É quando eles começam a visualizar o trabalho do Teto na prática. Começamos conhecendo as comunidades por meio de eventos chamados Escutando as Comunidades, que é o momento em que conhecemos a realidade de inúmeras famílias que moram no local por enquetes socioeconômicas. Por meio dessa pesquisa, colhemos dados referentes à estrutura familiar, condições de moradia, infraestrutura comunitária e como eles se veem dentro da comunidade.

O dia 11 de abril de 2015 foi marcante para Cíntia Fernandes, moradora do Parque das Missões há 22 anos. Naquele dia, ela recebeu a casa que ajudou a construir na comunidade. O piso do antigo barraco de madeira, que Cintia morava com os três filhos, tinha partes em cimento e partes em terra e areia. Quando chovia, as goteiras disputavam espaço com quem estava dentro. Segundo ela, a comunidade ainda tem problemas, como falta de água, esgoto e energia elétrica, no entanto, a relação com o Teto melhorou a vida dela e está mudando a situação de outros moradores.

– Mudou tudo. A minha vida mudou de coração. Algumas pessoas falam que a casa do Teto é pequena, mas eu soube dar valor, porque tudo que vem de coração, vem de Deus. Na minha casa, fiz dois quartos e a sala, e, quando me visitam, os voluntários dizem ‘caramba sua casa parece estar maior do que a de todo mundo’.

A rotina em Parque das Missões parece com a de uma vila. A conversa na porta dos barracos e o som alto, de MPB a funk, fazem parte do cotidiano da comunidade. A energia chega precariamente às residências. O esgoto corre a céu aberto e o lixo é despejado no Rio Meriti, paralelo à favela. O abandono do Estado é esquecido por alguns instantes. No fim de tarde do domingo, o Bar do Careca está cheio. A conversa e o bom humor dos moradores encerram mais um dia no lugar, que fica a 40 minutos do Centro do Rio de Janeiro, segunda cidade mais rica do país, segundo dados de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No Brasil, cerca de 10 milhões de pessoas vivem em situação de extrema pobreza, segundo dados de 2013, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). De acordo com o Ipea, conforme os parâmetros do Programa Brasil Sem Miséria, quem tem renda per capita de até R$ 77 por mês está na linha de extrema pobreza. O percentual da população em situação de miséria subiu de 3,6%, em 2012, para 4%, em 2013.

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