Vidas em busca de um sentido
30/10/2015 15:20
Caio Sartori e Pedro Malan / Fotos: Salah Malkawi/UNHCR e Eric Kanalstein/UN

Turquia, Líbano e Jordânia são os países que mais recebem refugiados

Sírios esperam para receber o registro do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, no Líbano

Enquanto potências europeias discutem quantos mil refugiados vão receber em seus territórios, alguns vizinhos da Síria, principalmente a Turquia e o Líbano, recebem quase 4 milhões de pessoas que saíram do país assolado pela guerra civil. Nesses locais, que não detêm os recursos necessários para abrigar tantas pessoas, a vida dos imigrantes muitas vezes se limita à mera sobrevivência em campos construídos pela ONU.

O Líbano, que recebeu aproximadamente 1 milhão e 100 mil sírios, já apresenta um crescimento populacional de 29%, número que pode indicar um esgotamento do espaço existente, segundo o professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) Paulo Wrobel. Este esgotamento pode ser uma causa do aumento recente do fluxo para a Europa, de acordo com o professor. Mas o maior problema, na opinião dele, diz respeito ao tempo que os refugiados vão ficar nesses campos.

– Não é uma situação dramática. As pessoas sobrevivem. Tem um campo palestino no Líbano que está lá há 30 anos. Mas, se você não resolve a questão, os campos vão ficando. Alguns (imigrantes) se integram ao país de alguma maneira, mas a maioria fica.

Para outro professor do IRI, Márcio Scalércio, quem vive a verdadeira crise de refugiados não é a Europa, e sim a Turquia, a Jordânia e o Líbano. Os campos, de um modo geral, são administrados e sustentados pela ONU e pelos próprios países, que precisam oferecer uma parte da sua estrutura para eles funcionarem. Na opinião de Scalércio, o problema é que a vida nos campos é sempre precária, e a dificuldade é agravada pelo enorme número de pessoas.

– Isso é um transtorno previsível. Se a Alemanha recebesse 2 milhões de refugiados, também passaria por uma crise. É um problema de números. Por enquanto, estão administrando a crise “com a barriga”. A maior estrutura é a desses campos, que ficam muito pressionados por causa do número de gente.

A guerra civil na Síria começou há cerca de quatro anos e meio, no período posterior à Primavera Árabe. É difícil definir quem participa da guerra, uma vez que a oposição ao governo de Bashar al-Assad se fragmenta progressivamente. Os protagonistas, além do governo, são o comentado Estado Islâmico e outros grupos extremistas menores, todos sunitas. A Frente al-Nusra, apoiada pela Al-Qaeda, é uma delas.

Para entender a ascensão dos movimentos sunitas radicais, segundo Wrobel, é preciso voltar no tempo – mais especificamente para 2003, ano em que os Estados Unidos invadiram o Iraque. Com a morte de Saddam Hussein, em 2006, criou-se um vácuo político que propiciou o crescimento desse tipo de ideologia, dentro da qual o Estado Islâmico, fundado por Abu Musab al-Zarqawi, dissidente da Al-Qaeda, é o de maior destaque.

– A guerra fracionou um país que já era dividido. O Estado Islâmico é resultado de dois processos: a fanatização absoluta do extremismo muçulmano e o vácuo de poder na Síria e no Iraque – aponta o professor.

Homens fazem oração em parque de Herat, no oeste do Afeganistão

A Primavera Árabe, em 2010, levou o povo às ruas para pedir democracia, lembra Scalércio. Entretanto, a reação do governo sírio foi de rejeição, o que gerou outro vácuo, assim como o iraquiano de anos atrás, e potencializou ideias extremistas.

– O ponto de partida da guerra civil na Síria é o Levante Árabe. Houve a mobilização de pessoas pedindo democracia, e a resposta do regime foi dura, de não abrir negociações e não querer nenhum tipo de conversa, e isso gerou a luta armada.

Scalércio explica, ainda, que o movimento jihadista internacional ganhou força a partir da invasão soviética no Afeganistão, em 1979, que começou a incentivar jovens muçulmanos a aceitarem ir para as regiões de conflito para pegar em armas, a fim de defender a própria fé.

– Isso se manifestou no conflito na Caxemira, entre Paquistão e Índia; na guerra dos americanos com o Iraque; no norte da África. Na Líbia, com a derrubada do coronel Muammar al-Gaddafi. E, agora, se manifesta na guerra civil síria.

A Rússia, que integrava a URSS, sempre teve a Síria como a principal parceira no Oriente Médio, o que explica o atual apoio de Vladimir Putin, presidente russo, ao governo de Bashar al-Assad. Potências europeias, como a Alemanha, dependem dos russos por causa da produção de gás daquele país, o que embola a situação diplomática.

Refugiado congolês que vive há mais de sete anos no Brasil, Charly Kongo trabalha na Cáritas- RJ, uma organização que defende os direitos humanos, a segurança alimentar e o desenvolvimento sustentável solidário. Ele alerta para o desconhecimento da palavra “refugiado” pela maioria que costuma dar a ela um sentido pejorativo, como se aqueles que saem de seus países de origem o fizessem por motivos supérfluos.

– O principal motivo do êxodo é a guerra e toda a violência que vem acompanhada dela. Estupros, famílias despedaçadas, doenças e pobreza são motivos reais. A falta da democracia e da liberdade de expressão também pesam na decisão.

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