Trump: crise sustenta ecos da retórica populista
18/05/2016 09:50
Gustavo Côrtes

Solavancos do mercado estão entre as razões apontadas por analistas para a arrancada do virtual candidato republicano à Casa Branca 

Gage Skidmore

Donald Trump está a dois meses de fazer História. Quando os republicanos formalizarem o candidato à sucessão de Barak Obama, entre 18 a 21 de julho, o megaempresário provavelmente confirmará um favoritismo jamais imaginado por analistas e correligionários. Consumará, assim, a transição de fenômeno passageiro, à beira do caricato, como era visto no início das prévias, em fevereiro, para aposta oficial do Partido Republicano na tentativa de voltar à Casa Branca depois de oito anos. A provável adversária será Hilary Clinton, líder das prévias democratas. Neste caso, analistas projetam uma vantagem ex-secretária de Estado. Mas convém não subestimar a capacidade de Trump derrubar as previsões.

Favorecido pela desistência do ultraconservador Ted Cruz, do Tea Party,  o bilionário contabiliza o apoio de 1.175 dos 1.237 delegados necessários para carimbar a candidatura. John Kasich, favorito da elite do partido, segue na disputa. Mas soma só 153 delegados, o que torna Trump o virtual representante dos republicanos na corrida à presidência dos Estados Unidos. A zebra impõe a analistas, pesquisadores e aos próprios cidadãos americanos uma revisão de conceitos, para tentar compreender tanto as causas quanto os efeitos sociais, econômicos e políticos do “fenômeno Trump” – inclusive, até que ponto indica novas feições e novos sentidos ao populismo. Para o professor Paulo Wrobel, doutor em Relações Internacionais da PUC-Rio, Donald Trump representa uma parcela da população que perdeu espaço no mercado devido a mudanças econômicas e tecnológicas:

–– Nos últimos 20 anos, os americanos perderam cerca de 7 milhões de empregos industriais para economias emergentes, como a da China, país cuja relação comercial com os Estados Unidos é criticada por Trump. Esses postos de trabalho são recolocados no setor de serviços, que demanda maior especialização. Incapazes de ocupar essas vagas, os eleitores de Trump, majoritariamente homens brancos, desempregados e sem ensino superior, são obrigados a disputar empregos com imigrantes. Assim, o que ele fala, ainda que absurdo, tem eco social ­– avalia.

Wrobel também associa o sucesso político do empresário à polarização no governo Obama:

–– Os republicanos, que não engoliram a maior participação do Estado na saúde, veem Obama como ultraprogressista. A guinada conservadora do partido, iniciada no primeiro governo George. W. Bush, manifestou-se com mais força a partir da infiltração do Tea Party, cada vez mais influente. Hoje, o Legislativo americano é talvez o mais conservador da História. Apesar do desconforto crescente do americano médio, os Estados Unidos vivem um bom momento. O país tem taxa de desemprego de 5%, a menor entre as grandes economias, e gerou cerca de 10 milhões de empregos nos últimos anos – observa o especialista da PUC-Rio.

Para o professor de Ciência Politica da UFRJ Carlos Eduardo Martins, Trump é resultado do processo de radicalização do conservadorismo republicano, iniciado por Ronald Reagan, que culminou no “fim da era liberal da política americana”:

–– Historicamente, os Estado Unidos se notabilizaram pelo combate ao fascismo, mas recentemente tem havido radicalização dos republicanos. E Ted Cruz também representa esse movimento.

Gage Skidmore

Ainda de acordo com Martins, a eleição do empresário causaria “colapso na politica americana”, pois setores progressistas, ligados a minorias, não o aceitariam como presidente. O professor prevê radicalização maior do que a já observada. Acredita que outros agentes políticos darão continuidade ao discurso xenofóbico de Trump. A também professora de Ciência Política da UFRJ Flavia Cavalcanti discorda:

–– Ao contrário da Europa, marcada por uma identidade nacional que dá margem a manifestações radicais constantes, a sociedade americana é diversa e teve participação importante de imigrantes na sua formação. Não acredito, portanto, na ocorrência de movimentos fascistas capazes de aglutinar seguidores nos Estados Unidos. Alguma hora os grupos que Trump ataca farão diferença, pois compõem setores eleitoralmente importantes – pondera.

Impulsividade de Trump incomoda caciques republicanos

Ao longo das prévias do Partido Republicano, Trump foi alvo de críticas feitas por campanhas e pronunciamentos de lideres republicanos, principalmente os hispânicos. Segundo eles, o bilionário não representa valores do partido. Para Martins, a questão ideológica revela-se “secundária, pois “Trump é uma incógnita”:.

–– A resistência dos Republicanos à candidatura de Donald Trump decorre mais da dificuldade de controlá-lo do que por divergências entre as proposições dele e a agenda do partido. A proposta de obrigar empresas americanas a produzir dentro do território nacional, por exemplo, não destoa tanto das do partido, que defende restrições protecionistas severas à importação de itens agrícolas. A questão é que ele é impulsivo e imprevisível, além de já ter sido simpático aos Democratas em outras ocasiões. Isso gera dúvidas acerca da composição da base política em um possível governo.

Já Wrobel observa divergências importantes entre Trump e políticos de dentro e fora do partido. Derivam, segundo o professor, a opção pelo politicamente incorreto:

–– Há, nos Estados Unidos, um consenso, entre os atores políticos, de que a liberdade econômica deve pautar as ações do governo. Mas Trump resolveu contrariar as ideias correntes no país. Como gosto de dizer, ele decidiu ser politicamente incorreto. Ele é reprovado pelos republicanos, mas o sistema partidário americano permite isso. Os partidos são mais ferramentas de organização de eleições do que instituições ideológicas. Portanto, não é preciso ser político profissional, basta ser minimamente conhecido pelo país. E Trump é uma celebridade.

Flávia aponta o terrorismo como fator igualmente preponderante ao sucesso eleitoral de Trump. Receia que o magnata “invista em discurso militarista”:

–– Ele é diferente da maior parte dos Republicanos. Os liberais defendem menor intervenção estatal, inclusive no que diz respeito à imigração. Porém, desde os atentados do 11 de Setembro, parte da sociedade americana se convenceu de que os problemas dos Estados Unidos vêm de fora, o que viabilizou a assimilação de discursos xenofóbicos – associa a professora.

Política externa: discurso de Trump não se sustenta fora do período pré-eleitoral, acredita analista

Em discurso recente, Trump reiterou a intenção de aproximar-se da Rússia e combater o terrorismo. Cobrou maior colaboração dos aliados no combate ao Estado Islâmico. A mensagem frequente é replicada como uma das principais plataformas de campanha e diferenças em relação à política externa do governo Obama.

–– Trump tenta se diferenciar em relação à politica externa de Obama, a quem atribui grande parte dos problemas dos Estados Unidos em razão do que ele qualifica de “fraqueza e falta de liderança”. As promessas de aproximação ao presidente russo, Vladmir Putin, com quem o atual governo não nutre boas relações, e de combate ao Estado Islâmico pela força são indícios disso – avalia Wrobel – A pretensa boa relação com Putin poderia ser um bom caminho para o acordo de paz com a Síria, tentado por Obama. Mesmo com os atritos entre os dois países, alguma relação permanece entre o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, e o Secretário de Estado americano, John Kerry – acrescenta o professor da PUC-Rio.

Wrobel observa, entretanto, inconsistências no discurso do empresário:

–– Trump diz que os Estados Unidos vêm falhando nas tentativas de resolução dessa crise. E é verdade. Mas não há garantia de sucesso pelos meios propostos por ele. Os laços com Putin não se estenderiam a Assad, presidente da Síria. Quanto ao terrorismo, o discurso de Trump não se sustenta fora do período pré-eleitoral. Os sistemas de alianças são complexos. A coalizão contra o Estado Islâmico envolve cerca de 50 países. Nada depende só dele –– lembra o analista.

Populismo acelera na corrida pré-eleitoral

A ascensão de Donald Trump na corrida eleitoral americana reacendeu também reflexões sobre contornos, representações e sentidos do populismo. Embora muitos analistas considerem políticos populistas tanto Trump, à direita, quanto o pré-candidato democrata Bernie Sanders, Martins não vê conexão entre estes azarões à sucessão na Casa Branca e o populismo. Segundo o professor, as candidaturas, embora antagônicas, são consequência de uma raiz comum: a “falência do bipartidarismo americano”:

–– Ambos vinculam-se a bases populares fora das estruturas partidárias obsoletas, cuja representatividade entra progressivamente em crise. Mas, enquanto Sanders oferece alternativas ao modelo de acumulação capitalista e à crise do setor produtivo americano, Trump transfere o foco desses problemas para o discurso xenofóbico – compara.

Já Wrobel identifica traços populistas nos discursos, promessas e posicionamentos de Trump. Um populista, lembra o especialista, abusa da retórica demagógica para ser bem aceito pela população, sem pensar na efetividade das propostas:

–– Trump é populista, certamente. É inconcebível crer que algum governante seja capaz de construir um muro na fronteira entre dois países e expulsar 11 milhões de imigrantes. Não diria o mesmo com relação a Sanders. O “populismo” de Sanders se restringe a algumas ideias, como em relação à Saúde, por exemplo. Há estudos que indicam uma necessidade de elevar o imposto de renda americano a 85% para viabilizar a estatização completa do sistema de Saúde, como propõe Sanders. Mas a população americana não aceita pagar 20% sequer. Portanto, é uma meta inatingível.

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