Para expandir comércio com asiáticos, América do Sul precisa superar impasses políticos e econômicos
14/10/2016 08:29
Camila Gouvea

Diagnóstico foi feito por analistas reunidos em seminário do IRI; infraestrutura revela-se crônico obstáculo

Foto: Gabriel Molon

Com peso crescente na economia mundial desde a virada do século, Índia e, sobretudo, China dependem da “superação de impasses políticos e econômicos” para expandir as frentes comerciais na América Latina. O alerta do embaixador do Chile na China, Jorge Heine, feito no seminário The Dragon and The Elephant meet the Jaguars: China and India in Latin America (O dragão e o elefante encontram as onças: China e Índia na América Latina), quinta e sexta passadas, no auditório do RDC da PUC-Rio, é dirigido especialmente aos gargalos de infraestrutura. Um dos desafios crônicos da economia brasileira, a deficiência que prejudica não só acordos internacionais com chineses e indianos, mas a competitividade no comércio global.

– A infraestrutura na América latina ainda é muito deficiente, particularmente a infraestrutura inter-regional. Este é um ponto muito importante para que as cooperações econômicas ocorram sem dificuldades – avalia Heine.

O embaixador chileno integrou o conjunto de especialistas do Brasil e do exterior nacionais e internacionais reunidos no auditório do RDC ao longo do seminário organizado pelo Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-Rio. Eles apontaram caminhos para que os sul-americanos aproveitem melhor o cacife comercial de chineses e indianos. “Precisamos resolver os impasses políticos e econômicos, tanto no nível regional quanto transregional”, reiterou o representante chileno à plateia formada por pesquisadores e profissionais da área. Referia-se a obstáculos como a crise brasileira e as renitentes carências de infraestrutura. Um problema que há décadas atrofia o fôlego comercial do Brasil, próximo da lanterna no ranking de infraestrutura de levantamento feito, ano passado, pelo International Institute for Management Development e compilado pela Fundação Dom Cabral: as condições de portos, aeroportos, ferrovias, estradas o rebaixaram ao 53° lugar entre os 61 países avaliados.

Para o professor da FGV Renato Flores, participante também do encontro, a resolução de gargalos políticos e estruturais deve ser acompanhada de uma visão estratégica voltada ao aumento dos canais de comércio com China e Índia. Assim, projeta o especialista, poderia-se contribuir ao reerguimento da economia brasileira:

– Um canal é a consolidação do continente e, em particular, do Brasil, como parceiro comercial relevante. Outro canal associa-se ao investimento direto. A China está aumentando os investimentos no Brasil e no Mercosul. Podemos intensificar tais investimentos com a troca de tecnologia – sugere Flores – Outro caminho refere-se à abertura do mercado deles para os nossos produtos – completa.

Foto: Gabriel Molon

Segunda economia do mundo (atrás só da americana), com PIB (soma dos bens e serviços produzidos) superior a oito trilhões de dólares, a China tornou-se desde 2009 um dos principais parceiros comerciais do Brasil. Importa, sobretudo, as chamadas commodities (produtos primários, como minério de ferro e soja) e exporta produtos industrializados. No início do mês, os dois países firmaram acordos pelos quais os chineses se comprometem a investir cerca de R$ 15 bilhões no mercado brasileiro. Em 2010, as transações do Brasil com os cinco principais sócios asiáticos superaram o volume negociado com a União Europeia (UE) e chegaram à metade do total comercializado com os Estados Unidos.

Analistas acreditam que a pauta de exportações da América Latina para a China, tradicionalmente composta de produtos como minério de ferro, pode mudar em função de novas demandas do país asiático:

– Somos produtores competitivos de roupas simples, como calças jeans, camisas, sapatos. A China, apesar de produzir esse tipo de produto, está lidando com bilhões de pessoas. Estão aumentando o mercado interno, e o parque industrial chinês não é suficiente para atender à demanda dessa classe média-baixa em formação – observa Flores.

Os indianos também andam mais ativos nas relações de comércio e em investimento dirigidos à América Latina. O continente é considerado um mercado com padrões semelhantes de demanda por bens e serviços no segmento de baixa e média renda, além de estratégico fornecedor de recursos naturais para suprir a segurança energética e alimentar da Índia.

O investimento indiano na América Latina multiplicou-se por quatro em dez anos: de menos de 1% nos anos 1990 para uma média de 4% do cardápio comercial entre 2002 e 2006. Concentra-se em recursos naturais, no setor automotivo e em serviços de tecnologia da informação. Brasil e Argentina revelam-se os principais beneficiados pelo salto do investimento direto estrangeiro (IDE) indiano na região. Uma das táticas para ampliá-lo remete, ainda de acordo com Renato Flores, a superação de barreiras culturais e geográficas:

– Diferenças culturais desempenham um papel importante. Por exemplo, é muito provável que não se faça negócio na primeira visita à China. Você fará negócio, de repente, lá pela quinta ida à China, e o mesmo acontece no caso da Índia. O que nós precisamos fazer? Conhecer melhor esses países. A China é um país diversificado, e estão passando por um processo de urbanização muito grande. A Índia é um país de megalópoles. Logo, é necessário conhecer a dinâmica de cada país para poder fazer negócios. Isso toma tempo. A barreira cultural ocorre até ao fazermos negócios com a Argentina, já tão próxima – compara.

No início do mês, particularidades culturais em nada atrapalharam a articulação de novas parcerias comerciais entre Brasil e China, durante a reunião do G20 naquele país. Representantes dos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) estratégias para a retomada do crescimento econômico dos integrantes. Declararam que pretendem fortalecer o bloco com base “nos princípios de abertura, solidariedade, inclusão, igualdade e mútuo entendimento”. O presidente Michel Temer destacou, em conversa com o presidente da China, Xi Jinping, que "o objetivo é também reiterar a necessidade de mantermos a sólida relação construída e incrementar nossas relações bilaterais". De acordo com o Itamaraty, o presidente chinês manifestou o interesse em ampliar as importações de produtos brasileiros, principalmente da carne.

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