O antropólogo francês David Le Breton, da Universidade de Estrasburgo, ministrou a palestra Experiências da dor: Uma antropologia no dia 1º de março no auditório do RDC. Para um público cheio, Breton expôs a pesquisa e análise que tem feito há alguns anos sobre o sentimento e a experiência da dor. Ele ressaltou que o objetivo da palestra era subverter a noção de dor, normalmente relacionada à negatividade. O estudo, que rendeu três livros publicados, relata que a dor apresenta dimensões construtivas e destrutivas.
Segundo o antropólogo, a dor é um fato da condição humana. Breton afirma que tal sentimento é uma construção social, cultural e individual, não apenas biológico. A dor se propaga para além do corpo, que contamina a relação do indivíduo com o mundo. De acordo com o autor, há um problema clínico da dor, pois, aponta, os médicos, às vezes, não conseguem lidar com a dor dos pacientes.
- A medicina é impotente em cuidar e aliviar essa dor. Então é um problema político, social e científico de saúde pública. Qualquer um de nós conhece em algum dia a dor, tanto pessoas idosas como também uma criança que venha a nascer.
Para Breton, não existe dor sem sofrimento, pois a primeira é apenas uma sensação, e o segundo é a percepção humana, uma interpretação da reação biológica. A dor pode dificultar as atividades sociais do sujeito, como é o caso da depressão.
- A dor tem consequências morais. Ela sempre transforma a pessoa que a sente, uma metamorfose. Ela quebra a unidade e identidade do indivíduo, a ponto de ele não se reconhecer.
O sofrimento derivado da dor nem sempre carrega um valor negativo. O antropólogo esclarece que ela é um elemento universal nos ritos de passagem, o que pode marcar um renascimento do ser humano. Assim, pode-se classificar a dor em duas categorias: a imposta, como a tortura, e a escolhida, como esportes e tatuagens.
- Nesses casos de dor escolhida, não há muito sofrimento. As pessoas falam que sem ela a experiência não tem valor, considerada um desafio vencido.
Dessa forma, Breton conclui que a dor é suportável, o que é intolerável é o sofrimento. A medicina apresenta meios - técnicas do sentido - para diminuir o sofrimento dos pacientes, como a hipnose, citada pelo francês. Há casos também em que a dor é utilizada para aliviar o sofrimento da vida, comenta. E, diz, a automutilação pode ser uma forma de transferir para o corpo a dor do coração.