Século em movimento
05/03/2015 00:00
Arthur Macedo / Fotos: Gabriela Doria, Matheus Salgado e Pedro Myguel Vieira

Um dos séculos mais agitados da história do Rio de Janeiro provocou mudanças políticas, econômicas e infraestruturais

Paço Imperial, na Praça XV, foi cenário do Dia do Fico, em 1822, e da assinatura da Lei Áurea, em 1888
O Rio de Janeiro foi marcado por diversas mudanças durante o século XIX. Se no início dos anos 1800 a cidade era colonial, suja e de infraestrutura quase nula, no fim do século o Rio de Janeiro era a capital da República e uma cidade urbanisticamente reformada. Alguns acontecimentos históricos, como a vinda da Família Real Portuguesa, Proclamação da Independência, Abolição da Escravatura e Proclamação da República, ajudam a explicar as transformações ocorridas no Rio.

Na primeira década do século, apesar de representar um porto valoroso para o Império Português, o Rio era pouco ocupado. A maioria das pessoas, apesar de ter uma casa na cidade, vivia em fazendas. Daqui, escoavam todas as riquezas e mercadorias que vinham de Minas Gerais durante o período do ouro, além da própria produção agrícola nacional.

O cenário começou a mudar com a chegada da Família Real portuguesa, comandada pelo príncipe regente D. João VI, ao Brasil, em 1808. Antes de vir ao Rio, a corte passou em Salvador, onde foi assinada a Carta Régia que abriu os portos brasileiros às nações amigas. Quando desembarcaram no Rio, em março daquele ano, os portugueses depararam– se com uma vila empobrecida e atrasada, na qual cerca de metade da população era de escravos. A cidade, inevitavelmente, precisaria ser transformada.

A abertura dos portos foi a principal mudança no campo econômico. O rompimento do exclusivismo colonial permitiu a vinda de comerciantes ingleses que movimentaram a economia. Em relação à infraestrutura, a urbanização era necessária para suprir as necessidades que a nova capital do Império demandava. Segundo a historiadora Cláudia Heynemann, supervisora do Arquivo Nacional, o Rio passou a ser identifi cado como Lisboa na América.

- Porque essa era a capital que fi cou com a corte aqui, foram criados vários órgãos. Toda essa questão da administração pública portuguesa dá um novo status. A cidade tinha que ser vista como mais digna de ser a capital do Império Português - explica.

D. João VI promoveu a construção do Jardim Botânico e do Museu Nacional e criou instituições culturais. Foi erguido o primeiro teatro da cidade, o Real Theatro de São João. Também houve a fundação da Impressão Régia que começou a publicar a Gazeta do Rio de Janeiro, jornal impresso pioneiro do país. A Biblioteca Nacional foi estabelecida em 1810, com a chegada do acervo da Real Biblioteca portuguesa de, aproximadamente, 60 mil livros.

Todas essas construções, somadas à expansão urbana, começaram a dar cara de metrópole ao Rio. Uma fi gura importante nessa época foi Paulo Fernandes Viana, nomeado intendente de polícia. Segundo a pesquisadora Isabel Lustosa, historiadora da Fundação Casa de Rui Barbosa, Viana, que era um dos auxiliares mais infl uentes de D. João, instituiu uma série de posturas municipais e proibições que mudaram a feição da cidade. Por exemplo, passou a ser proibido criar animais nas ruas e despejar águas sujas.

- A política urbana, através de Paulo Fernandes Viana, modifi cou a circulação dos transportes, as aparências das casas e as questões de higiene. Foi um código de posturas; um código de bem viver que vai orientar a vida urbana. O Rio vai se transformando durante aqueles 14 anos em que o rei viveu aqui - destaca.

Rua do Lavradio, aberta no século XVIII, se expandiu com a vinda da corte e virou um pólo cultural
A partir de 1816, há a retomada das relações diplomáticas e comerciais com a França, devido à queda de Napoleão. Os franceses que vinham ao Rio de Janeiro representavam a entrada de um novo núcleo de comércio e cultura para a cidade. Neste mesmo ano, chegou a Missão Artística Francesa, grupo de artistas com o objetivo de dar uma feição civilizada à cidade. Nesse grupo, estava o arquiteto Grandjean de Montigny que deu uma nova forma à arquitetura do Rio.

A coordenadora do Núcleo de Memória da PUC–Rio, professora Margarida de Souza Neves, observa que durante esse período do início do século XIX, começou a se desenhar algo importante na história do Rio, a qualidade de ser uma capital.

- A cidade ganha feições novas para poder ser capital. Começa a se desenhar algo muito importante na história do Rio de Janeiro, que é a sua “capitalidade”. Mesmo a despeito do fato de a capital politico– administrativa ter ido para Brasília, no sentimento dos moradores da cidade, essa marca de capital em muitos aspectos para o Brasil, que começa a se desenhar na vinda da Família Real, e que se consolida no Império, é muito importante - analisa Margarida.

Em 1821, D. João foi pressionado a voltar para Portugal por conta de uma revolução que ocorria no país, a Revolução Constituinte do Porto. Os portugueses queriam que ele voltasse e restabelecesse Lisboa como metrópole e sede da monarquia. D. Pedro, herdeiro do trono, fi cou no Brasil para garantir a unidade do país em torno do Rio de Janeiro.

Porém, houve uma pressão portuguesa para devolver o Brasil à situação anterior. A corte estava preocupada com os movimentos que ocorriam rumo à emancipação política brasileira. Houve uma tentativa de tirar a importância do Rio de Janeiro e do príncipe, e estabelecer o centro de ordem das províncias brasileiras em Lisboa. Portugal pressionou para que D. Pedro voltasse à Europa, pois o retorno dele seria uma forma de enfraquecer os ideais de independência dos brasileiros. Essa é a origem do Dia do Fico, quando o príncipe foi contra as ordens e decidiu permanecer no país. O processo de independência brasileira começou a se fortalecer a partir desses fatos. Isabel Lustosa afirma que a presença de D. Pedro mudou os rumos da cidade e do país.

- A presença de D. Pedro muda os destinos do Brasil. O fato de ele viver aqui mantém a centralidade do Rio como sede da monarquia brasileira, e faz com que esse centro de poder atraia outros polos. A importância de D. Pedro ter ficado no Rio de Janeiro foi a de conservação da unidade do Brasil em torno de um centro de poder, o Rio de Janeiro - diz.

As cerimônias de coroação de D. Pedro I e D. Pedro II foram na Igreja do Carmo da Antiga Sé
A presença do imperador fortaleceu e prestigiou a cidade. A ideia de “capitalidade” do Rio é consolidada durante o Império, pois ela foi associada ao núcleo de poder central. O Rio, com a presença de D. Pedro e com a Independência, tornou–se o primeiro lugar de uma identidade nacional.

Contudo, durante o Império, em termos de obras públicas, pouco se construiu na cidade. Por outro lado, houve uma valorização da natureza com reforma de parques e o reflorestamento da Floresta da Tijuca. Cláudia Heynemann destaca que, mesmo assim, a visão passada pela cidade aos estrangeiros não era boa. Era recorrente os visitantes se decepcionarem ao chegar ao centro da cidade.

- O Rio de Janeiro era uma cidade barulhenta, suja, com muitas doenças, pouco arborizada e com pouco tratamento sanitário. A impressão que causava quando alguém entrava pela cidade não era das melhores. Para uma capital do Império, ela continuava muito precária. Mas a cidade sempre teve, desde a vinda da corte, essa proeminência, esse lugar na história do Império, embora enfrentasse muitas epidemias, muitas doenças - conta.

A escravidão foi uma das grandes contradições que se evidenciou no Brasil. Não dava para conciliar a ideia de um país que queria ser moderno com a escravatura, e havia uma pressão do mundo civilizado contra isso. O Rio de Janeiro, por ter jornais próprios e intelectuais, tinha forte campanha abolicionista. Isabel Lustosa observa a importância da cidade como foco de disseminação da consciência abolicionista.

- A campanha abolicionista tinha, na cidade, seus principais focos de ação através de jornais, de publicistas como José do Patrocínio, como o caricaturista Angelo Agostini, como o próprio Joaquim Nabuco. Essa campanha intensa na imprensa foi importante para afi rmar uma consciência contrária à escravidão. Há um espírito muito mais crítico em relação à escravidão. O Rio de Janeiro, como capital onde circulavam muitos jornais, onde havia núcleos intelectuais avançados, expandia para o resto do Brasil uma mensagem abolicionista - analisa.

Em 1888, foi sancionada a Lei Áurea para libertar todos os escravos. No ano seguinte, houve a Proclamação da República, quando um grupo de militares destituiu o imperador do poder e o assumiu. Segundo Margarida de Souza Neves, esses dois fatos estão ligados porque a escravatura era uma das principais bases de sustentação da monarquia, assim como o Exército.

– Primeiro, tem a fundação do Partido Republicano e o movimento republicano crescendo. Os federalistas tentam federalizar o Império, não conseguem e perde-se esse sustentáculo. O Exército tem as famosas questões militares, e na verdade é ele que derruba, factualmente, o Império. Não tem a base de sustentação essencial que eram os senhores de terras e de escravos. Na República, o Rio vai ganhar contornos de capital da ordem, mas a ordem compreendida como progresso. O sonho não é mais ser diferente de Portugal, é ser igual à Europa, de preferência a Paris – descreve.

O Rio continuou a ser a capital. Houve uma queda de prestígio internacional, pois o fato de o Brasil ser a única monarquia do continente dava reconhecimento frente aos europeus. De acordo com Isabel Lustosa, quando a monarquia foi deposta por um golpe militar, criaram-se expectativas negativas.

– Acham que o Brasil vai entrar no ciclo das revoluções que marcaram a América Espanhola. As antigas colônias hispânicas foram foco de rebeliões desde a proclamação de independência delas. O Rio continua capital, e para mudar essa imagem ruim, a elite cafeeira produz a grande transformação urbana, a reforma de Pereira Passos, que mudou o Rio – comenta.

Como o nome sugere, a Praça da República foi palco da proclamação do novo regime, em 1889
As pesadas reformas urbanísticas da cidade ocorreram no contexto republicano, no início do século XX, e tinham o objetivo de dar uma cara francesa ao Rio. Mas a reforma da cidade foi a reforma do Centro da Cidade, onde se construiu a Avenida Central, atual Avenida Rio Branco. Tudo que era feito tentava se assemelhar a Paris. Margarida resume a relação entre a chegada da República e a modernização do Rio como dois projetos que têm um objetivo em comum.

– A República identifica seu projeto com o projeto modernizador assim como o projeto modernizador identifica a República com esse processo. Então, é um feliz casamento – conclui.

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