Imponentes Senhoras
05/03/2015 00:00
Diego Roman/Fotos:Gabriela Doria, Matheus Salgado e Pedro Myguel Vieira

Três avenidas que desenharam o percurso do desenvolvimento da cidade

Avenida Presidente Vargas, criada para ligar o Centro da cidade

Presidente Vargas simboliza a modernização de uma época, principalmente pelas imponentes construções

Importante ligação do porto com os bairros da região sul, a Rio Branco logo se tornou um ícone cultural

Importante para a economia, a Avenida Brasil possibilitou a integração com a Zona Norte e Oeste

A história da Avenida Brasil mantém uma forte relação com a movimentação econômica

Três avenidas, três destinos, três objetivos convergentes. Importantes marcos na história política, econômica e cultural do Rio de Janeiro, as avenidas Rio Branco, Presidente Vargas e Brasil abriram caminhos para reestruturações fundamentais em três momentos diferentes. Embora dotadas de interesses diversos, as propostas de abertura de novas avenidas tiveram denominadores comuns: proporcionar a integração e o desenvolvimento da cidade.

 As avenidas Rio Branco, Presidente Vargas e Brasil foram, e ainda são, importantes vias para o deslocamento da população e de mercadorias na cidade. Algumas características as diferem, não só no caráter estético, mas, principalmente, em questões históricas.

 Cada uma a seu modo, as três provocaram mudanças na cidade. Com a imponência e riqueza presentes nas construções com ares parisienses, a Rio Branco brilhou como centro cultural de uma época. Avenida Presidente Vargas, criada para ligar o Centro da cidade aos bairros do subúrbio do Rio Mais do que por um encontro físico, Rio Branco e Presidente Vargas são as vias de referência no Centro da cidade, que abriram portas para a modernização da cidade no início do século XX. Enquanto a mais nova delas, a Brasil, surge movida por um objetivo econômico: permitir o escoamento de mercadorias entre grandes cidades.

 Cada avenida desempenha funções diferentes e tem uma importância histórica. Mas o crescimento da cidade, acompanhado pela modernização, fez com essas três senhoras mantivessem o peso histórico, com uma pequena perda de importância funcional com o passar do tempo, segundo Antonio Edmilson Martins Rodrigues, professor de História da PUC-Rio.

 — Hoje as Avenidas estão integradas à cidade. São avenidas porque são muito grandes, mas não são mais centrais, porque outros caminhos surgiram. Muito foi construído ao redor delas, o próprio fl uxo dos aeroportos. Atualmente, para ir ao aeroporto Tom Jobim, há a Linha Vermelha, nem tanto pela Avenida Brasil. A Linha Amarela é mais importante do que a Avenida Brasil quando se diz respeito à ligação com a Zona Oeste — avalia.

Novos eixos, como a Transcarioca e Transoeste, são criados com o objetivo de substituir as avenidas. Como forma de escapar do trânsito, o carioca tem optado usar esses novos meios. Para o professor José Eugênio Leal, do Departamento de Engenharia Industrial, o aumento do trânsito tem levado o governo procurar medidas para amenizar a questão do tráfego na zona urbana.

— O motivo principal é o aumento do transporte individual que circula na cidade. E a cidade tem novas formas e obras para fortalecer a tendência de limitar o número de carros circulando nas ruas e dar mais ênfase ao transporte público. Em Nova York, foi criada uma lei para limitar o uso do carro e fazer com que exista um convívio entre o carro e os outros meios de transporte. Se o Brasil fi zer isso, pode ser um bom futuro.

Avenida Presidente Vargas

 O pontapé inicial para a construção da Avenida Presidente Vargas foi em 1938, durante o governo de Getúlio Vargas. A ideia era construir uma avenida que ligasse o Centro ao subúrbio, para que aumentasse a circulação na cidade entre Zona Norte e Zona Sul, como ocorria em outros lugares no mundo. Apesar disso, existia uma oposição feita por proprietários de imóveis e por religiosos, pois o percurso da nova construção obrigaria a demolição de algumas construções culturais, comerciais e religiosas importantes. O professor Antonio Edmilson explica que não havia a ideia de preservação na época.

 — O que se tinha era essa ideia desenvolvimentista muito forte, principalmente em função da cultura americana, do arranha-céu, das construções verticais, e isso acabou solapando toda essa base — diz.

Lugares como a Praça Onze e lojas comerciais antigas deram espaço para construções de garagens e circulação de carros e demais meios de transporte. Independentemente de a construção da Presidente Vargas ter provocado a derrubada de construções importantes, a via simboliza, assim como a Rio Branco, um marco na questão da modernização da cidade, tanto pela extensão como pela construção de edifícios, como o Palácio Duque de Caxias (antigo Ministério da Guerra).

Uma obra significativa desse momento foi a reconstrução do prédio da Central do Brasil. O antigo edifício construído na época de D. Pedro II, que simbolizava a via ferroviária principal do Rio de Janeiro no período da monarquia, foi demolido para dar lugar ao atual.

Outro fato marcante do período de construção da Presidente Vargas: pela primeira vez na história do Brasil, foram demolidas igrejas importantes, como a Igreja de São Pedro dos Cléricos, que tinha uma planta elíptica. Atualmente, só outra edifi cação com este traço existe no Brasil, a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Ouro Preto, Minas Gerais.

O prefeito do Rio na época, Henrique de Toledo Dodsworth (1937-1945), recebeu do Banco do Brasil um empréstimo para começar a construção. Entre os obstáculos para o início das obras estava a lei de desapropriação, executada pelo Ministro da Justiça da época, Francisco Campos, que estabelecia o pagamento de 15 vezes o valor do imóvel para qualquer tipo de desapropriação. Como estratégia, o prefeito começou a demolir lugares com menor infl uência, e deixou por último os trechos entre a Rua Uruguaiana e a Candelária, locais onde havia circulação monetária maior. Com 3,4 quilômetros de comprimento e 65 metros de largura, a Avenida foi inaugurada ofi cialmente em 1944, com novas galerias de esgotos, encanamento de água e asfaltamento desde a Praça da Bandeira até a Igreja da Candelária.

Avenida Rio Branco

 Chamada de Avenida Central até 1912, quando recebeu o nome em homenagem ao falecido Barão do Rio Branco, a Avenida Rio Branco começou a ser construída em março de 1904 e foi concluída em setembro do mesmo ano — mas a inauguração só ocorreu em 1905. O objetivo da via era cortar o centro da cidade e ligar o porto aos bairros da região sul. De acordo com Antonio Edmilson Martins Rodrigues, a construção da via auxiliou no desenvolvimento da Zona Sul.

— A ligação do porto à Zona Sul permitiu, de alguma maneira, que houvesse um crescimento acentuado para área sul da cidade, em direção aos bairros Glória, Flamengo, Botafogo. Principalmente, a partir dos anos 1930, com a Avenida Franklin Rosevelt.

Quando construída, a Avenida Rio Branco tinha 1,96 quilômetros de comprimento e 33 metros de largura, que, para a época, era considerada uma medida enorme. As calçadas foram pavimentadas artisticamente por 32 designers, chamados de mestres calceteiros. Foram gastos em torno de 46 mil contos de réis. A primeira casa comercial construída na Avenida Central foi o magazine Colombo, na esquina da Rua do Ouvidor. Atualmente, a Rio Branco permanece com comprimento inicial, mas foi reduzida a 20 metros de largura.

Com o passar do tempo, a Rio Branco se tornou um ícone político e cultural da cidade. Isso se explica por diversos fatos, em diferentes tempos, como por exemplo: os desfi les de blocos e escolas de samba ou, mais recentemente, as manifestações ocorridas em 2013. Antonio Edmilson comenta que, além da parte histórica, a Avenida apresenta outra característica marcante, que é a arquitetura. Ele aponta que esses dois aspectos foram importantes para o processo de desenvolvimento da cidade.

— A Avenida Rio Branco tem uma dimensão de monumentalidade importante, porque ela guarda resquícios das obras da época do prefeito Pereira Passos. E, evidentemente, olhando hoje para a Rio Branco, pode ser observado o processo de mudança e modernização arquitetural da cidade. Existem vários prédios de vários momentos distintos. É um monumento para a arquitetura — ressalta.

Além da presença de alguns dos principais pontos culturais da cidade — o Teatro Municipal, Museu Nacional de Belas Artes, Biblioteca Nacional, entre outros —, a via mantém a importância econômica, tanto por estar próxima ao porto, como pelo comércio que foi desenvolvido na região ao longo do tempo. As ruas próximas à avenida se tornaram pontos de comércio. De acordo com o professor, a própria disposição das ruas no Centro possibilitou o crescimento econômico na região. Entre elas, ele destaca a Rua do Ouvidor.

 — As ruas paralelas nem precisaram ser modificadas, porque eram ruas coloniais estreitas, por conta do clima, do sol. Elas acabaram virando o que existe em Paris e se tornaram galerias. Aliás, as obras na Rio Branco se espelharam nas de Paris. A Rua do Ouvidor é uma grande galeria, as ruas do Rosário e Gonçalves Dias são grandes galerias, ou seja, não foi preciso alargá-las. Automaticamente, elas se tornaram lugares destinados ao comércio, principalmente a Rua do Ouvidor, que tinha uma tradição anterior à da Avenida Rio Branco. A grande rua do Rio de Janeiro, antes da Avenida Central, era a do Ouvidor. Ela manteve essa marca e o comércio foi projetado em toda essa área que a gente chama de Centro da cidade — explica Antonio Edmilson.

Atualmente, a Rio Branco, assim como outras ruas do Centro, está tomada por obras. Na opinião do professor José Eugênio Leal, a Avenida Rio Branco poderá perder um pouco da identidade histórica, mas ganhará com oferta de outros meios de transporte.

— Acredito que, atualmente, a Rio Branco é a segunda maior via de referência do Centro da cidade. Com o VLT, ela pode perder um pouco da identidade como um lugar histórico, mas, como espaço urbano, ganhará mais mobilidade e valorização — afi rma Leal.

Avenida Brasil

 

A Avenida Brasil, apesar de não ter sido concebida dentro de um caráter tão modernizador como as antecessoras Rio Branco e Presidente Vargas, tem papel importante na integração do subúrbio, Zona Oeste e Zona Norte com o Centro da cidade. Inaugurada em 1946, a Avenida Brasil nasceu com o propósito de ser uma via de acesso a outras áreas urbanas mais distantes dentro da cidade do Rio (Campo Grande, Santa Cruz, por exemplo), e também à Região Serrana e à Avenida Presidente Dutra, que liga as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Atualmente, a via mede 58,4 quilômetros, com quatro pistas de 55 metros de largura e duas pistas de 24 metros. Antonio Edmilson observa que a criação da Avenida possibilitou o desenvolvimento urbano nos bairros ao redor.

 — A Avenida Brasil foi a primeira possibilidade de ligação com a Zona Oeste, principalmente no governo de Getúlio Vargas, que criou uma série de conjuntos habitacionais naquelas regiões. A avenida abriu caminho para o processo de habitação de bairros, como Irajá, Guadalupe, entre outros. Hoje, existem vários conjuntos habitacionais importantes que fi cam à beira da Avenida Brasil.

O professor de História ressalta que a via tem papel relevante para a economia da metrópole, por ser um importante meio de escoamento da produção do Rio de Janeiro para outras cidades.

 — Por ela passa o fl uxo principal do Porto em Sepetiba. Por outro lado, com o crescimento das cidades, essas áreas mais próximas do Rio de Janeiro começaram a substituir as antigas cidades dormitório da Baixada Fluminense. Ao mesmo tempo, foi criada uma importante via de escoamento para a produção do Rio de Janeiro, seja pela Avenida Brasil, pela Rio-Petrópolis, pela Rio-São Paulo, ou pela continuidade da Avenida Brasil com a Rio-Santos.

A Avenida Brasil também permitiu a expansão das favelas pela cidade e propiciou o crescimento dos bairros no entorno da via. O aumento da população, o êxodo rural do Nordeste nos anos 1950 por causa das secas e a organização da Avenida Brasil com o eixo industrial do Rio de Janeiro fez com que mais pessoas se estabelecessem na Zona Norte do Rio, segundo Antonio Edmilson.

— As pessoas de fora chegavam a São Cristóvão e ocupavam as margens da via. Os Complexos da Maré, do Alemão, as favelas da Vila da Penha e da Penha são regiões que foram ocupadas desde essa época por nordestinos. A Maré é praticamente oriunda de nordestinos. O próprio desenho da Avenida Brasil com o que se colocou como economia acabou atraindo essas pessoas, que fi cavam perto do que seria uma oportunidade de trabalho, e reduziu o papel das cidades dormitórios próximas, como São João de Meriti, Duque de Caxias, Nova Iguaçu — explica Antonio Edmilson.

Fonte: Histórias das Ruas do Rio, Gerson de Brasil.

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