Especialistas: prisões de ex-governadores minam ajuste fiscal
03/12/2016 15:13
Gustavo Côrtes e Raul Pimentel

Os pesquisadores Ricardo Ismael e  Vinicius Wu, da PUC-Rio, e Felipe Borba, da UniRio, dimensionam a influência das prisões no jogo político.

Agência Brasil/17-11-2016

As consecutivas prisões de dois ex-governadores do Rio Sérgio Cabral (PMDB-RJ) e Anthony Garotinho (PR-RJ), na semana passada, despejaram mais gasolina na fogueira de incertezas da política fluminense, já tumultuada pelo colapso nos cofres estaduais e pelo consequente atraso no pagamento de servidores públicos. Embora os casos remetam a operações distintas – a Chequinho investiga crimes eleitorais em Campos, na qual Garotinho é acusado de compra de votos; e a Calicute, braço da Lava-Jato na qual o cacique peemedebista é suspeito de comandar um esquema de propina em obras públicas do estado –, sinalizam mais confluências do que a singular carga histórica. Cercadas de simbolismo e traços de folhetim, as prisões convergem impactos no jogo político regional e nacional e na crise de representação estampada nas recentes eleições municipais (a soma de votos nulos, brancos e abstenções correspondeu a quase um terço do eleitorado). Para o cientista político e professor da PUC-Rio Ricardo Ismael, a prisão de Cabral é um “duro golpe” no PMDB e nas pretensões de poder da sigla no Rio:

– Compromete o ciclo de poder do partido no Rio, já prejudicado pelo colapso econômico provocado pela gestão de Cabral. Dificilmente apresentarão candidato ao governo em 2018. Aumenta o vácuo de poder no estado, que já era grande, como mostrou o alto número de abstenções e votos brancos e nulos na eleição passada. O jogo político está em aberto, pois Garotinho também tem problemas com a Justiça e o PSOL, representante da esquerda no Rio, tem dificuldade em convencer o eleitorado da Baixada Fluminense e das regiões mais pobres da capital. PSDB e PT ainda engatinham no Rio.

Neste cenário, Ismael aponta a tendência de Eduardo Paes deixar o PMDB. A saída, já cogitada por analistas, pode revelar-se uma tentativa de o atual prefeito descolar-se da imagem de Cabral e aglutinar novas alianças para consolidar ambições majoritárias:

– Paes deve sair do PMDB e fazer de tudo para se descolar ao máximo de Cabral. Tudo isso dependerá das investigações – ressalva Ismael – A intenção do atual prefeito é concorrer ao governo do estado em 2018. 

Professor da Escola de Ciência Política da UniRio, Felipe Borba também vê nesse momento posterior às prisões de Cabral e Garotinho uma oportunidade de grupos políticos se fortalecerem em meio ao vácuo de poder. Ele, no entanto, concorda com Ismael sobre a falta ainda de forças políticas capazes de ocupar o espaço deixado por lideranças tradicionais.

– Garotinho e Cabral foram os dois principais líderes políticos do início dos anos 2000 até agora. Um liderando o PMDB, a maior força política do estado, e outro liderando a principal força de oposição, que era o PR. A prisão dos dois representa, certamente, um baque, mesmo se vierem a ser inocentados. Ambos se desgastam a ponto de dificilmente virem a concorrer a cargos políticos. Há, por outro lado, um PT muito enfraquecido politicamente desde a Lava-Jato e a destituição da presidente Dilma. É um partido sem lideranças capazes de renová-lo. Já o PSOL, embora não seja desgastado por associações à corrupção, não tem conseguido criar vínculos com as classes populares, o que impede voos mais altos. Isso tudo acaba criando um cenário de muita incerteza para o futuro próximo – avalia Borba.

Para Ismael, a ligação entre Cabral e Pezão dificulta mais a vida do governador, dedicado a aprovar, na Assembleia Legislativa (Alerj), um pacote de ajuste fiscal que transita entre o pretenso saneamento das contas públicas e o descontentamento de servidores com salários atrasados e temores de perdas futuras. As turbulências e incertezas políticas dificultam ou até invabilizam esta harmonização já tecnicamente desafiadora.

– A prisão de Cabral dificulta a vida de Pezão, que se enfraquece por ser sucessor e pertencer ao mesmo grupo político do ex-governador. As medidas enviadas pelo governador à Alerj impõem mudanças duras: afetam a sociedade e, em particular, os servidores públicos, que já vêm sofrendo com salários atrasados e dirão pagam a conta da roubalheira. É possível que ele mesmo (Pezão) seja comprometido, dependendo dos rumos das investigações – projeta o cientista político e professor da PUC-Rio.

Na mesma linha, Borba acredita que a prisão de Cabral subtrai capital político de Pezão na busca de um acordo com o Legislativo e com servidores:

 – A expectativa é a pior possível, porque o governo tem uma crise fiscal e nada no horizonte sinaliza que isso venha a melhorar. Eles optaram por fazer cortes no funcionalismo público e em diversas outras áreas de serviço, o que afeta diretamente a população. É um governo que, com a prisão do Cabral, desarticula bastante a visão que o Pezão tem de negociar com o Legislativo. Além disso, o Pezão retornou agora de um período de tratamento de doença. Não sabemos como ele está para liderar. Não sei se tem capacidade de liderança num momento tão conturbado. Há uma crise fiscal de difícil resolução e um governador com fraca capacidade de liderança. Isso indica um futuro completamente incerto.

Para historiador Vinicius Wu, pesquisador do Comunicação e Política (Comp) da PUC-Rio, a prisão de Cabral mina não só a delicada proposta de ajuste fiscal encampada por Pezão mas a própria governabilidade. Em compasso com a fragilidade financeira do estado, ele prevê um enfraquecimento político do governador, decorrente de um processo de desmoralização:

– A prisão de Cabral e a exposição do esquema de corrupção que teria sido instalado no governo do Rio desmoraliza o pacote de medidas enviado à Alerj. Afinal, Pezão apenas dá continuidade aos dois governos de Cabral. As implicações políticas da prisão do ex-governador podem ser grandiosas. A crise fiscal, gravíssima, será agravada pela crise política que o estado enfrentará a partir de agora – prevê. 

Analistas ressaltam, entretanto, que o horizonte político é revestido de profundas incertezas – inflamadas, tanto no país quanto no Rio, por duas fontes de combustão articuladas: desacertos gerenciais sistemtáticos, refletidos em dívidas públicas estratosféricas e consequentes perdas de renda e emprego; investigações criminais de esquemas de corrupção institucionalizada, cujos desdobramentos se debruçam sobre classe política tradicional. Dependem dos novos capítulos da Lava-Jato, entre outros fatores, os rumos da estabilidade dos governos federal e estadual. 

– A Lava-Jato ainda precisa se livrar do estigma da parcialidade. A prisão de Cabral pode sinalizar algo nesse sentido – opina Wu – É evidente que o PMDB do Rio sofre um abalo monumental com a prisão dele. Se isso chegará até a direção nacional do partido e, eventualmente, a Temer, ainda é algo incerto.

Borba e Wu descartam implicações diretas das recentes prisões na próxima gestão da prefeitura carioca. Para Borba, Crivella se dissociou de Garotinho durante a campanha e “se blindará“ como gestor municipal, apesar de Rosinha Garotinho, esposa de Anthony Garotinho e líder do PR, ter indicado o vice de Crivella, Fernando MacDowell. 

– Não acredito que a prisão de Garotinho venha a contaminar Crivella. Ele foi firme nos debates ao dizer que Garotinho não faria parte do governo. O prefeito tem meios para se blindar disso, afastando-se de todas as pessoas que estejam próximas de Garotinho.

Wu também considera pequena ou nula a chance o governo de Crivella ser contaminado pela prisão de Garotinho. Até porque, pontua o professor, eles têm trajetórias distintas na política local. Wu ressalva:

– Não se sabe ao certo a extensão e a gravidade dos supostos crimes imputados ao ex-governador.

Preso na quarta-feira passada, Garotinho foi levado para a Superintendência da Política Federal, na Praça Mauá. Ao se queixar de dores no peito, foi levado para o Hospital Souza Aguiar, no Centro, onde realizou uma série de exames médicos. Na quinta-feira, o juiz eleitoral Glaucenir de Oliveira determinou a transferência do ex-governador para o Complexo de Gericinó, em Bangu, na Zona Oeste. Lá ele ficou durante pouco mais de um dia, até a juíza Luciana Lóssio determinar a tranferência ao Hospital Quinta D’or, também na Zona Norte, e a prisão domiciliar, "quando estiver em condições". Submetido a cirurgia de obstrução de artérias, Garotinho passa bem

Cabral foi preso na quinta passada. Depois de abordado pela PF na casa onde mora, no Lelbon, foi levado para o Complexo Penitenciário de Bangu e lá permanece. Imagens do ex-governador com a cabeça raspada e uniforme da cadeira circularam na internet.

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