A descoberta de um câncer é um processo doloroso e angustiante. Apesar da alta probabilidade de cura caso o diagnóstico seja precoce, a doença é rodeada de apreensão. Para a artista plástica Maritana Quaresma, mestre em Comunicação Social pela PUC-Rio, o reconhecimento de um linfoma de Hodgkin no mediastino, região do tórax, trouxe a possibilidade de lidar com a dor de uma forma diferente. Ela se propôs a fazer relatos decorados no Instagram e criou um diário do câncer. Antes da doença, a conta era seguida por cerca de 600 amigos. Após um ano e meio de relatos, o perfil já acumula 14 mil seguidores, onde, atualmente, ela compartilha o dia a dia desse período de remissão.
Em meados de 2015, aos 28 anos, Maritana passava por uma fase de mudanças. Com o final do mestrado, ela tinha decidido ir morar em Ilha Grande com o marido, o diretor de cinema Álvaro Furloni. A ideia era passar quatro meses para decidir quais projetos tocar em seguida. No entanto, ela começou a sentir sintomas isolados, como desmaios frequentes, feridas na pele e cansaço constante. A artista relata que diversos médicos do plano de saúde disseram que o quadro era consequência de estresse. Maritana precisou economizar dinheiro para se consultar com um profissional privado que, em uma radiografia do tórax, descobriu o tumor. O alívio, segundo ela, surgiu por conta da certeza de não ser uma situação imaginária.
— Pensei: ufa, não inventei nada. A ficha demorou a cair, mas foi muito doloroso quando descobri que a quimioterapia poderia me deixar estéril. Foi muito doloroso mesmo — relembra.
No período anterior à descoberta, a artista dividira com os seguidores a possibilidade de estar doente. A biópsia de Maritana foi um procedimento delicado devido à localização do tumor, atrás do esterno e entre os pulmões. Depois da operação, ela precisou ficar no hospital para se recuperar. Foi quando decidiu postar fotos e decorá-los com desenhos, acompanhados de relatos sobre seu estado de saúde. A iniciativa, conta, virou uma meta artística para não ficar parada durante o processo e, assim, surgiu o diário do câncer, com legendas em inglês e português.
Maritana tem experiência com colagens e pinturas. Os desenhos nas fotos começaram de forma instintiva, feitos exclusivamente pelo celular, com auxílio de apenas um aplicativo. Segundo ela, a frequência fez com que aperfeiçoasse a prática e adquirisse mais rapidez no processo, hoje realizado com três aplicativos. As postagens recebem diversos comentários de identificação e manifestações de apoio. Para ela, o retorno virtual é um grande estimulo.
— É muito bom saber que alguém se identificou ou que mostrou para um conhecido que está em tratamento. Quando recebo a notícia que alguém se curou é uma felicidade profunda. Penso que é menos uma pessoa enfrentando isso.
Atualmente, pouco mais de um ano após a última quimioterapia, os relatos de Maritana trazem um pouco da rotina do período de remissão. Essa segunda etapa, que dura por volta de cinco anos, marca a época em que ainda há possibilidade de reaparecimento da doença. Segundo ela, esse é o tempo de se habituar aos efeitos colaterais do tratamento.
Antes do câncer, o cabelo de Maritana era naturalmente liso. Depois de raspar a cabeça por conta da quimioterapia, algo que considerou divertido, pois já tinha feito durante a adolescência, o cabelo cresceu cacheado. Em uma de suas postagens, ela afirmou ser a realização de um sonho, pois quando criança queria ter os cabelos iguais aos da mãe, castanhos e encaracolados. O tratamento, à base de cortisol, também afetou sua pele e metabolismo, a deixando com espinhas e hipotireoidismo. A condição, que afeta a glândula da tireoide, amplifica os sintomas de cansaço, sonolência e lentidão metabólica.
Maritana e Álvaro trabalham com turismo em Ilha Grande. O casal tem casas para aluguel de veraneio e ajudam com as demandas dos hóspedes. Em paralelo, a artista tem planos de transformar o diário em um livro e montar um ateliê próprio. A sugestão do livro veio dos amigos. Segundo a artista, o momento é de busca de editoras e estruturação do projeto. O propósito do ateliê é ter um lugar particular e específico para retomar as atividades de pintura, bordado e colagem que ela gosta de fazer.
Exemplo de superação e lucidez, Maritana buscou ver o lado positivo do processo. Ela conta que a doença promoveu o aumento das reuniões familiares e trouxe mais união. Além disso, ela relata que, em nenhum momento, perdeu a vontade de viver. Lidar naturalmente com a doença, afirma, foi importante para superar as dificuldades do tratamento.
— Eu queria muito sobreviver. Pensava assim: se eu sobreviver, ótimo. Vai ser maravilhoso contar essa história depois. Mas se não der, não tenho como evitar.