São aproximadamente 51 anos de carreira e uma longa ficha de obras que marcam a história do cinema brasileiro. Para homenagear a trajetória do cineasta e professor Silvio Tendler, do Departamento de Comunicação Social, na segunda-feira, 3 de junho, teve início a mostra de filmes, seguida de debate, com as principais obras da carreira do cineasta. A primeira exibição foi do longa Alma Imoral (2018), ainda inédito no circuito comercial. A obra é inspirada no livro de mesmo nome, do rabino Nilton Bonder, publicado em mais de 30 idiomas.
Segundo a sinopse do filme, o documentário questiona o que ocorre quando o "corpo moral" - normalmente apontado como instrumento importante para a preservação da espécie humana - se torna estreito e passa a ser um obstáculo ao futuro da nossa espécie. A obra questiona como ocorre o processo imoral de transcendência e de transgressão.
Tendler comentou o processo de concepção dos filmes que produz. Ele revelou que edita o material assim que o captura, para não acumular muitas horas de filmagem. Ao final, quando tem tudo editado, o documentarista tenta imprimir no filme a linguagem que deseja transmitir. No caso do Almas Imorais, Tendler assumiu que queria trabalhar a ideia de textos impressos na tela, para ter mais enfoque na construção da narrativa e menos na estética da obra.
– O processo de montagem foi muito complicado. Foi difícil decidir o que entra e o que fica de fora. Pensar qual é o espaço de cada tema também é delicado. O que é transgressão importante para mim, o que é para o Nilton Bonder, o que é transgressão para o público. São visões de mundo muito distantes que devem se encaixar. Queríamos criar uma coisa orgânica; conseguimos e ficou um trabalho muito legal a atendeu às nossas expectativas.
Rabino Nilton Bonder disse que, durante a produção do documentário, eles buscaram histórias particulares. Bonder também revelou que não queria um filme só de depoimentos e que falasse apenas sobre certo e errado. Ele comentou que o interesse é no transgressor, e não na transgressão.
– Normalmente, temos tradição como um lugar onde produzimos morais e dogmas, que normatizam. Mas se você olhar com mais cuidado, e acho que isso pode ser visto em todas as tradições, elas sempre se iniciam com transgressões, mudanças de paradigmas, em que ideias são apresentadas para inovar o passado. Essas pessoas que estão na linha de frente, e lutam pelas suas motivações, traduzem as massas críticas de pensamento que acabam se materializando na vida deles.
O professor Dráuzio Gonzaga, do Departamento de Comunicação Social, explicou o conceito das pulsões, idealizado pelo pai da psicanálise Sigmund Freud, e do conceito de ideologia, segundo o sociólogo Karl Marx, para fundamentar a importância da transgressão.
– As regras morais atendem a interesses particulares, são impostas como se valessem para todos e como se fossem respaldadas em uma verdade universal, quando, na realidade, elas atentam contra a maior parte das pessoas. A intenção do filme é boa porque denuncia o moralismo embutido no mundo. Também acredito que não devemos imoralizar o corpo, por mais que ele tenha uma parte conservadora. Ele é também aquilo que a alma faz dele. Homenagear Silvio Tendler é a maior transgressão, no melhor sentido da palavra.
Em 38 anos de atuação com Caliban Produções Cinematográficas e 51 anos de cinema, Silvio Tendler produziu e dirigiu mais de 70 filmes, entre curtas, médias e longas-metragens em formato documental, além de 12 séries. Pertencem a ele as três maiores bilheterias do documentário brasileiro: Os anos JK - Uma trajetória política, O Mundo Mágico dos Trapalhões e Jango. Tendler coleciona mais de 60 prêmios, entre eles seis Margaridas de Prata, da CNBB, e o Prêmio Salvador Allende, do Festival de Trieste, Itália, pelo conjunto da obra.