Dilemas da migração na América Latina
19/09/2019 09:24
Heloiza Batista

Seminário Nacional das Cátedras Sérgio Vieira de Mello aborda a questão dos refugiados

Painel aborda a questão dos refugiados. Foto: Catarina Kreischer

Hospitalidade, resistência e hostilidade foram alguns dos pontos discutidos no Seminário Nacional das Cátedras Sérgio Vieira de Mello (CSVM), que ocorreu no dia 12 de setembro na Universidade. Um dos painéis do encontro abordou os dilemas da migração forçada na América Latina. O debate foi conduzido pelos professores Carolina Moulin, do Instituto de Relações Internacionais (IRI/PUC-Rio), Hélion Póvoa Neto, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Julia Bertino Moreira, da Universidade Federal do ABC.

Carolina Moulin afirmou que o refugiado enxerga a fuga como proposta para melhorar as tensões e as disputas. Segundo ela, debater o tema é indispensável em ambientes de educação. Carolina comentou ainda que refúgio é o sinônimo do medo e de trauma, que só poderá ser reconstruído quando a narrativa for racionalizada e quando o temor for refundado. Conforme a professora, estudos indicam uma recusa dos refugiados de se identificar com a própria categoria, pela maneira como é retratada. 

- Das pessoas que deveriam receber proteção, apenas uma parte consegue. Isso deveria nos dizer algo, sobre como o refúgio sobrevive, a profunda depressão e repressão em relação ao refugiado. Como um momento profundamente violento que milhões de pessoas são forçadas a sair de seus lares e suas casas em todo lugar, em todo o tempo, não seja uma condição de refugiado é uma condição muito mais abrangente e muito mais evasiva. A questão em foco está na categoria do refúgio e sua crescente dissociação da vida e da experiência da condição dos refugiados.

Julia Bertino comenta a ideia de perseguição da maioria dos movimentos migratórios. Foto: Catarina Kreischer

Julia Bertino enfatizou as origens históricas da categoria, e definiu a imagem do refugiado universal como um homem branco, europeu, heterossexual e de idade ativa para o trabalho, que não é a imagem dos refugiados da atualidade. Ela comentou a ideia de perseguição da maioria dos movimentos migratórios e como isso se intensificou com o passar dos anos. Para Julia, o refúgio não existe sem a figura do estado nação, e citou como exemplo o caso dos Estados Unidos, que associam esse conceito à política externa.

- Quem são as pessoas, de fato, pleiteando o reconhecimento dessa categoria dos refugiados? São crianças, mulheres, LGBTs, são pessoas essencialmente oriundas do sul global. Elas tentam acessar, na grande maioria dos casos sem êxito, as fronteiras do norte global, que há muito vem fortalecendo com uma série de medidas protetivas.

Segundo Julia, a ideia de crise migratória é dada como problemática e é renegada para a política. De acordo com ela, as pessoas não percebem o quanto os refugiados vivem um grande sofrimento e o quanto todo percurso migratório é árduo e doloroso. Ela citou ainda os casos dos imigrantes globais e de fronteira, como os do Haiti e da Venezuela.

- A chave analítica para compreendermos a seleção governamental se encarrega para a política externa, e seu aspecto sobretudo ideológico, de pensar claramente como a Venezuela é taxada como país que produz refugiados. Queria trazer uma interrogação de como esses movimentos migratórios tensionam o Brasil, com suas políticas migratórias e suas bases. Haitianos e venezuelanos não atendem ao perfil de imigrante ideal para o Brasil, desejados para ingressar em nosso território. Não são homens brancos, europeus, necessariamente heterossexuais e cristãos, são negros, pobres, de aspecto indígenas, são crianças, são praticantes de religiões de outras matrizes.

Hélion Póvoa comentou a importância do tema. Foto: Catarina Kreischer

O professor Hélion Póvoa comentou a importância das interseções e deu ênfase à categoria fronteira. Segundo ele, a relação entre refugiados e fronteiras, no espaço geográfico, é tensa e ressalta a demarcação dos territórios.    

- A fronteira é um lugar que exerce a filtragem, que permite a passagem daqueles que devem passar, mas que ao mesmo tempo dificulta a travessia daqueles que são classificados como indesejáveis ou até como ameaçadores. Fronteira não é um lugar de exercício do poder do Estado, é um lugar de intenso simbolismo e de forte visibilidade. As ações do Estado no controle fronteiriço são difundidas e propagandeadas, como está acontecendo atualmente, e tem um papel estratégico envolvido.

O professor afirmou que as fronteiras são lugares privilegiados para os processos de hierarquização social. Para ele, a violência frequente contra quem tenta atravessá-la é contraria à ideia de mundo aberto estabelecido pela sociedade. Póvoa comentou também sobre a ideia de cerca e faixa militarizada, pois nem sempre há delineação e demarcação absoluta. Segundo Póvoa, a noção de fronteira deveria ser de zona de transição, espaço de passagem, sem o peso negativo que foi dado ao significado da palavra.

 - Vivemos um momento em que a travessia de fronteiras, dos trabalhos, dos estudantes, imigrantes, refugiados e viajantes no geral, alcança uma frequência sem precedentes na história. Isso acontece tanto em fronteiras cuja travessia é formalizada quanto em fronteiras que são altamente regularizadas. A travessia vai representar, para o refugiado, uma situação de humilhação e de confronto, e para não falar da expectativa da possibilidade de deportação. A noção de fronteira deveria ser de espaço de passagem. O muro na cerca fronteiriça, a abertura e a possibilidade de contato desaparece, vira um fechamento em relação ao outro. A fronteira muro, fronteira cerca, é quase uma negação da ideia de passagem e contato. 

 

 

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