A essência do embaixador
18/11/2019 17:01
Clara Martins

Encontro debate a importância da obra do Alberto Costa e Silva sobre a África para a composição do Brasil

Palestra explora a trajetória do diplomata Alberto da Costa e Silva. Foto: Catarina Kreischer

A discrição, o olhar respeitoso para a cultura africana e a trajetória profissional são alguns dos traços de um dos maiores historiadores brasileiros e que foram registrados no documentário Alberto da Costa e Silva, filho da África, exibido em um encontro realizado na Universidade no dia 6 de novembro. Após a sessão, houve uma mesa redonda com a presença de Costa e Silva, dos diretores do filme Stéphanie Malherbe e Ricardo Vilas, do literato Éle Semog, da professora Sônia Giacomoni do Departamento de Ciências Sociais, e do jornalista Franklin Martins.

Formado em diplomacia, o paulista Costa e Silva foi embaixador em diversos lugares e, na década de 1980, exerceu o cargo em Lagos, na Nigéria, e em Cotonu, na República do Benim, países africanos. Em 2000, Costa e Silva foi eleito para a cadeira número 9 da Academia Brasileira de Letras (ABL). Depois da exibição do filme, o imortal relembrou o começo da relação com o continente africano. Mas revelou que, a curiosidade pela história da África surgiu muito antes de se tornar diplomata, quando ainda era adolescente.

– Aos 15 anos, comecei a me interessar pela África e a pesquisar tudo que eu poderia ler sobre o continente. O contato direto com esses povos me ajudou a ver diferentes culturas e a confrontar com o que vivi na África e com o que havia lido sobre a realidade dela.

Alberto da Costa e Silva comenta o ínicio do interesse pela história africana. Foto: Catarina Kreischer

A diretora francesa Stéphanie Malherbe relacionou a sua chegada ao Brasil com o surgimento do interesse pelas questões africanas. Segundo a diretora, a prática do racismo e do preconceito no país causou um choque e abriu o olhar dela para a importância de se debater sobre o assunto. Stéphanie começou a participar de movimentos para a defesa dos negros e a se aprofundar na história da África no território brasileiro.

Ela revelou que o conhecimento íntimo com as obras de Alberto da Costa e Silva surgiu durante uma palestra ministrada pelo diplomata na PUC-Rio. Após o encontro, Stéphanie marcou uma entrevista na casa do historiador e, a partir da conversa, decidiu que não haveria outro caminho a não ser produzir um documentário desse imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL).

– Quando ele começou a falar, foi tão apaixonante e interessante, que eu comecei a escrever desesperadamente e, naquele dia, eu saí da casa dele pensando que teria que fazer um filme para democratizar as ideias de Alberto e falar sobre essa figura.

A diretora Stéphanie Malherbe conta como começou a relação com o Alberto da Costa e Silva. Foto: Catarina Kreischer

O diretor da obra Ricardo Vilas ressaltou que, durante a produção do longa-metragem não houve contribuição financeira e só recursos próprios foram utilizados. De acordo com ele, a base para estrutura técnica foi desenvolvida partir da ajuda de amigos e familiares. Vilas explicou que, apesar do pequeno orçamento, a obra atingiu o objetivo de expor fielmente a realidade de Alberto da Costa e Silva.

– O filme revela não apenas a fala de Alberto, mas todo o universo do ensaísta. Ele abriu a casa para nós para que pudéssemos sentir, por meio do documentário, a essência do embaixador.

O jornalista Franklin Martins realçou a admiração pelo trabalho de Costa e Silva e o legado construído pelo acadêmico para a historiografia brasileira. De acordo com ele, as obras do autor têm um aspecto diferente das demais sobre a África, por discordar do pensamento conservador e racista sobre continente. Segundo Martins, além de abordar a escravidão no Brasil, o autor contempla os aspectos positivos que os africanos escravizados trouxeram para o país.

– Os livros de Alberto contestam um olhar diante de uma África que não é bem humanidade, pois o que é considerado humanidade somente é a Europa e os Estados Unidos. As obras mostram, pelo contrário, que a África tem culturas extraordinárias. A quantidade de impérios e de diferentes religiões compõe não só uma África, mas várias.

O jornalista Franklin Martins explica a pecularidade das obras de Alberto da Costa e Silva. Foto: Catarina Kreischer

Segundo Martins, apesar de o Brasil ter tido uma dominação cultural europeia, o país é majoritariamente africano. Para exemplificar, ele recordou que 47% dos africanos escravizados chegaram ao território brasileiro, enquanto nos Estados Unidos foram somente 4%. De acordo com o jornalista, a cultura, a civilização e as instituições no Brasil foram desenvolvidas, sobretudo, a partir da participação africana.

O jornalista associou a obras de Costa e Silva com a intensificação do movimento negro no campo político e nas instituições educacionais. De acordo com Martins, a luta pela representação negra no Brasil produziu avanços na discussão sobre a África e na compreensão da importância dos africanos na formação brasileira. Para ele, a participação dos negros, nos últimos 30 anos, é extraordinária, porque ela foi capaz de desenvolver o sentimento de busca da igualdade e denúncia do racismo nas universidades.

– O movimento negro e as obras de Alberto prestam um importante papel nesse sentido de resistência. Somos mais fortes quando incluímos e mais fracos quando excluímos.

Segundo Éle Semog, em 40 anos de ações de resistência negra, inúmeros direitos foram conquistados democraticamente, mas atualmente há um retrocesso no exercício deles. Ele ressaltou a importância de se discutir na literatura a atuação dos africanos no Brasil, e citou como exemplo as obras de Alberto da Costa e Silva.

– Começamos a nos reunir na década de 1970 e, hoje, somos mais de 500 pessoas produzindo literatura negra, uma literatura de combate ao racismo. Nós respeitamos as crenças africanas, as histórias dos negros, e isso não está na literatura brasileira.

O literato Éle Semog comenta a importância da África na literatura. Foto: Catarina Kreischer

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