A capacidade de estar só e se sentir bem consigo mesmo, sem ter a sensação de abandono foi um dos temas abordados pela professora Silvia Zornig, do Departamento de Psicologia, em palestra realizada pelo Zoom. Mediadora do debate Psicologia com@vida - Isolamento e solidão, a professora analisou a questão do isolamento social adotado a partir de março por causa da pandemia do novo coronavírus e os possíveis traumas que podem ser adquiridos a partir desta vivência.
A professora comentou que, pela linha freudiana, a pandemia é considerada um trauma e, mesmo singular a cada indivíduo, ela é uma situação nunca vivida antes. Para Silvia, esta experiência altera a relação com o tempo, o sentimento de continuidade acaba interrompido pela dimensão traumática. Segundo a psicóloga, o que ocorreu há dois meses parece totalmente distante e, ao mesmo tempo, faz com que cada pessoa seja confrontada pela própria fragilidade humana.
- Durante a Covid, não podemos mais usar algo do nosso passado como uma base ou referência em que possamos nos projetar, o que dificulta a sensação de um dia após o outro, pois não sabemos como programar a ideia do novo normal. O que é difícil enfrentar, em uma situação em que você está traumatizado pela perda de uma referência de mundo, do que conhecia e, ao mesmo tempo, há confronto com algo imprevisível.
Para Silvia, o isolamento, na constituição do desenvolvimento emocional, é fundamental, pois ele permite se desconectar dos excessos de ligações com o mundo: o universo das relações, dos encontros, dos vínculos essenciais à própria existência. Algo que modifica profundamente a pessoa quando em sintonia com o íntimo e se desconecta desse mundo dos objetos.
- Solidão é a capacidade de eu me sentir muito bem acompanhado pelo outro que eu trato dentro de mim. A capacidade de estar só é a capacidade de estar acompanhado internamente. Se não, a solidão vai ser vivida como um desamparo. Tanto a solidão, o isolamento e o luto são experiências que nós não podemos não vivenciá-la.
O trauma
Silvia ressaltou que, para os psicanalistas, o trabalho de luto não é a pessoa ficar lamentando a vida. Mas, apontou, significa que, diante de uma perda, é preciso um trabalho psíquico para que a perda seja aceita, reconhecida, vivenciada.
- Que a perda possa funcionar para cada um de nós como uma experiência que nos permita abandonar os mortos e viver novas situações.
Sob uma perspectiva psicanalítica, explicou Silvia, o trauma pode ser analisado por dois ângulos: algo que desorganiza o próprio psiquismo, interfere na capacidade de elaboração, como uma situação que surpreende o indivíduo e deixa despreparado emocionalmente. Há também o trauma relacionado ao ambiente, que interrompe a sensação de sentimento de continuidade.
Silvia utilizou como exemplo a figura do bebê. De acordo com a psicóloga, a criança tem um sentimento de continuidade de existir no mundo, justamente porque todo o ambiente ao redor dela fornece a ilusão de que o mundo é previsível e as coisas acontecem na medida em que ela necessita. Segundo a coordenadora do curso de especialização em Psicologia Clínica com crianças da PUC-Rio, sob esta perspectiva, o psiquismo se organiza inicialmente a partir da provisão ambiental.
- Isso faz com que o ritmo, a forma, a rotina, o sono, todos estes sinais que vão aparecendo na vida de um bebê, dão a possibilidade de internalizar essa previsibilidade e poder esperar para o dia seguinte. Sem a ilusão, a gente não se apaixonaria, não teria uma série de sonhos. Uma pessoa que só pensa na realidade, acaba meio amarga e cética. Essa ilusão, é claro, na medida de um psiquismo adulto, ela nos acompanha pela vida de uma certa maneira.