Eterna Dama do Crime
21/06/2021 15:35
Rafael Serfaty

Uma das romancistas mais populares do século XX, Agatha Christie produziu grandes títulos do gênero policial, como O Assassinato de Roger Ackroyd, lançado há 95 anos

Romancista, contista, dramaturga e poetisa, a inglesa Agatha Mary Clarissa Christie (1890-1976) destacou-se no gênero policial, o que fez com que ela recebesse o título de Dama do Crime e ocupasse espaço de destaque ao lado de escritores como Arthur Conan Doyle e Georges Simenon. E ainda hoje, mesmo após 45 anos da sua morte, a autora conquista leitores por todo o mundo, que se encantam com as tramas bem construídas nos mais de 80 livros e 17 peças de teatro assinados por ela.

Christie, que morreu de pneumonia em 1976, produziu obras que fazem parte de listas dos melhores romances policiais de todos os tempos. Embora parte da crítica literária considere o policial um gênero menor, a criadora do detetive belga Hercule Poirot figura como uma das romancistas mais populares do século XX: o Guinness Book World Records aponta a inglesa como a autora com mais livros vendidos no mundo. E a peça A ratoeira está há mais de 60 anos em cartaz. A professora Meg Amoroso Mesquita, do Departamento de Letras, assinala que Christie adquiriu prestígio, mas também é esnobada por alguns que julgam a obra dela com conteúdo para leitores menos sofisticados. Meg, no entanto, é categórica: Agatha Christie é genial.

– Dentro do romance policial ela é considerada uma mestra no crime, mas não uma mestra da literatura. Outros escritores trabalharam mais a literatura. Ela é considerada genial pelo público graças ao potencial que ela teve de prender as pessoas. Ela envolve porque é sempre uma questão de família, sempre uma família burguesa, é algo que a gente vê na sociedade como o paradigma da família, e acaba se identificando com aquilo. É um cotidiano normal e, de repente, acontece um crime, e os criminosos em geral não são pessoas da marginalidade, são pessoas do próprio meio. É uma forma de você perceber que as coisas ruins acontecem em qualquer lugar, e que qualquer um pode ser o criminoso.

Além dessa comunicabilidade com o leitor, Meg aborda o grande papel de Christie para o romance policial tal como o conhecemos hoje. Segundo a professora, isto é transmitido pelo formato das obras, que têm uma narrativa moderna e atual em pleno século XXI. A inglesa ainda dissemina uma possibilidade de leitura.

– Ela faz jogos de narradores, usa narradores diferentes, e isto é algo que tem muito valor dentro da literatura policial. Ela ainda tem o nome dela, a Agatha Christie está sempre sendo reeditada de uma forma facilitada, em livros um pouco mais baratos para que as pessoas possam realmente comprar.

De acordo com o Guinness Book of World Records os livros de Christie já venderam mais de 4 bilhões de cópias em 103 idiomas. Segundo Meg, o fato de ser comercial reforça a visão de que a autora inglesa produziu uma obra menor, já que muitos escritores são atraídos e começam a repetir fórmulas. Além disso, Meg afirma que muitos críticos acham reles a pessoa ler um livro só para saber quem matou alguém.

– O romance policial seria um romance que já traria as respostas prontas para a pessoa: fulano matou e acabou. Isto é algo que poderia restringir a capacidade de resposta, alguns leitores não avançam em pensamento abstrato e reflexão. Por isso acredito que o romance policial seja considerado um gênero menor. Mas você tem grandes críticos, como Umberto Eco, que adoravam romance policial. Existem preconceitos que perduram. Considerar um gênero menor, de certa forma, faz com que a pessoa se sinta mais inteligente que outras pessoas.

Os números grandiosos também impactaram no modo como o mundo decifra os ingleses. Segundo Meg, os livros da escritora propiciaram a visão de que os ingleses são pessoas educadas e comedidas.

– A Agatha Christie é a mais traduzida, ela nem entra em lista de mais vendidos porque ela é sempre bem vendida. O tipo de facilitação que a literatura dela tem, que a linguagem e as tramas têm, nos faz pensar que os ingleses possuem aquela pompa toda da realeza britânica, mas historicamente sabemos que não é bem assim.

Além da própria Inglaterra, a vida de Christie foi marcada por aventuras em outros países, tanto que a autora teve a oportunidade de embarcar no famoso Expresso do Oriente, cenário de um dos livros mais famosos da escritora. Também conheceu arqueólogos – o segundo marido dela era um profissional da área - em suas viagens pelo Oriente Médio. Durante a Segunda Guerra Mundial, ela trabalhou com farmácia em um hospital universitário, o que permitiu que conhecesse medicamentos. Meg aponta que estas experiências pessoais foram importantes para a construção de alguns enredos da romancista.

– Ela aproveitou tudo para usar na literatura dela. Tem a parte dos venenos, que ela sempre inseriu nas obras, a questão da arqueologia, como em Morte sobre o Nilo, além de outros contos. O interesse por estátuas e coisas que vêm de escavações, ela aproveitou muito, até popularizou um pouco este tipo de experiência em outros países. Ela viveu aquilo e descreve muito bem, botou com sabedoria nos livros dela.

O Assassinato de Roger Ackroyd

(Arte: Gabriel Guimarães)

É curioso, no entanto, que, em meio a uma obra tão extensa, o início não tenha sido muito animador. O primeiro livro de Christie, O Misterioso Caso de Styles, começou a ser escrito em 1916, e só foi publicado em 1920 pela editora Bodley Head – vendeu cerca de 2 mil cópias após ser rejeitado por seis editoras. Em seguida, vieram O Adversário Secreto, Assassinato no Campo de Golfe, O Homem do Terno Marrom, Poirot Investiga e O Segredo de Chimneys. Porém, em 1926, veio a consagração: O Assassinato de Roger Ackroyd estabeleceu a celebridade da escritora. Apesar de operar dentro da estrutura do romance de enigma, o livro rompe com as regras apontadas como elementares no gênero: o narrador que ajuda o detetive nas investigações é o criminoso.

Durante a palestra O que Agatha Christie e Albert Einstein têm em comum?, organizada pela Coordenação Central de Extensão da PUC-Rio (CCE), a professora Valéria Medeiros, da Universidade Federal de Tocantins, reforçou a inovação promovida pelo deslocamento do narrador, que até então se mantivera fixo, estável e, sobretudo, confiável. Pesquisadora associada da Cátedra UNESCO de Leitura PUC-Rio e do iiLer/Instituto Interdisciplinar de Leitura da PUC-Rio, Valéria considera que este papel normalmente era entregue a personagens que agem como amigos, companheiros e memorialistas dos feitos do detetive.

– No romance, de um modo geral, o narrador é aquela instância que leva a narrativa para o leitor. Então um narrador que testemunhe toda a investigação do detetive não poderia ser o criminoso. Esta é uma infração que não recebeu até o momento muita atenção por parte da crítica. Christie puxa o tapete do leitor e dos críticos para, na última página, mostrar que aquele que narra tudo que aconteceu a Roger Ackroyd é quem o matou. É um assassino requintado que aproveita da amizade com sua vítima para forjar um álibi que acredita ser perfeito.

Em meio a tantos livros, natural que alguns personagens se destaquem. E o próprio Roger Ackroyd contava com a criação mais emblemática de Christie: Hercule Poirot. O detetive belga participou de mais de 40 obras da autora e conquistou o público pela personalidade excêntrica. Segundo Meg, o fato de ser um outsider contribuiu bastante para a popularidade do personagem.

– Ele não era da polícia, era um belga na Inglaterra, não estava dentro daquele paradigma da sociedade. Ele tinha um sotaque engraçado, um jeito engraçado, não era um homem bonito, era aquele senhor que podia ser o seu avô, o seu pai. Ele trazia sabedoria, e isso é algo que comove as pessoas. O sucesso do Poirot era um pouco de todo mundo poder simpatizar com ele, embora necessariamente ele não fosse simpático. As pessoas gostavam de ver alguém que no final você sabia que ia resolver o problema.

Meg lembra que Agatha Christie começou a fazer sucesso durante aqueles períodos de guerra e pós-guerra. As pessoas viviam tempos de muita desordem, então o Poirot trazia a possibilidade de ordem. Além disso, a professora ressalta a aparência de Poirot como componente fundamental do sucesso do detetive. A calvície e baixa estatura física dariam maior vulnerabilidade ao personagem e, com isso, o público teria maior facilidade para desenvolver simpatia por ele. Para Meg, ele poderia ser insignificante se não fosse tão inteligente, e o mote de Christie é indicar que as aparências enganam: qualquer um de nós pode matar dependendo da motivação.

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