Rualização e pandemia
14/12/2021 12:24
Maria Clara Aucar e Vitória Barreto

E-book lançado durante a semana preparatória para o Quinto Dia Mundial dos Pobres aborda condições de população em situação de rua na pandemia

Arte: Gabriel Guimarães

Uma parceria entre a Universidade e a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, o e-book População em situação de rua em tempos de pandemia da Covid-19 foi lançado em um encontro virtual que ocorreu no dia 11 de novembro. O título é resultado de uma pesquisa desenvolvida com base no trabalho de 23 grupos de apoio a moradores em situação de rua. As equipes de voluntários distribuíram em torno de 3.200 refeições diárias e foram capacitadas como multiplicadores para realizar o levantamento. A investigação foi feita entre os meses de agosto e outubro com um total de 304 entrevistas.

 

Durante o encontro, o diretor do Departamento de Teologia, padre Waldecir Gonzaga, enfatizou a importância de participar da produção de um material como este que, como afirmou, será um instrumento de consulta e citação que vai provocar reflexões. Ele considera que o e-book motivará importantes trocas de ideias, das quais nascerão soluções para que seja possível atuar no campo da população em situação de rua.

 

Ao longo de 2020, que foi o ano da pesquisa, e todo este ano de 2021, eu creio poder reafirmar aquilo que tenho dito: infelizmente, a pobreza e a miséria se agigantaram. Os pobres em geral foram acometidos por tudo isto de forma muito mais intensa. Isto se tornou mais difícil ainda para estes pobres entre os pobres que não têm outro teto a não ser o sol e a lua; outro aconchego a não ser a sarjeta, uma calçada, o asfalto, um encostar no muro; e que dependem da caridade das pessoas que passam no dia a dia.

Diretor do Departamento de Teologia, padre Waldecir Gonzaga, durante o encontro.

Padre Waldecir também citou alguns termos presentes no e-book que, segundo ele,  chamam a atenção. Um deles é a “rualização” que, de acordo com a mestra em Política Social Giovanna Cinacchi, da Universidade Federal Fluminense (UFF), significa que a rua é entendida como um processo, já que existem diversos determinantes sociais, econômicos e de saúde que levam as pessoas a viver neste ambiente. Além disto, como assinalou Giovanna, a rua expressa questões históricas problemáticas na sociedade brasileira, como a herança escravista.

 

Ela ainda relembrou que a Covid-19 chegou ao Brasil em um momento de fragilização das políticas públicas e sociais. Citou como exemplo os primeiros meses de pandemia no Rio de Janeiro, lugar onde a pesquisa para o livro digital foi realizada e no qual restaurantes populares da cidade foram fechados sem que houvesse políticas sociais de segurança alimentar direcionadas à população em situação de rua. Além disso, como recordou, naquele momento, por conta da necessidade de isolamento social, houve uma grande diminuição na circulação de pessoas pelas ruas.

 

–– E a população em situação de rua trabalha, ela está inserida precariamente na cadeia produtiva. É quem faz, por exemplo, a reciclagem. Quando as ruas ficaram meio desertas, naquele momento, estas pessoas não conseguiram acessar renda e alimentação. Além disso, nós também vivenciamos esse desmonte completo do serviço de assistência social. A política de assistência social tem sido desmantelada há muito tempo, nós temos dificuldades muito grandes, os profissionais convivem com salários baixos ou atrasados.

 

Coleta de dados para o e-book

Segundo a professora Nilza Rogério, do Departamento de Serviço Social, o objetivo do e-book foi monitorar as condições sociais e da saúde que acometem a população em situação de rua agravadas em decorrência da Covid-19. A coleta de dados foi importante para acompanhar a propagação do vírus junto àqueles em situação de rua e para compreender as estratégias utilizadas para a sobrevivência individual e coletiva no período da pandemia. Além disso, ela ressaltou a importância de entender e verificar o acesso aos serviços de saúde e assistência social da população no período da pandemia, para poder consolidar informações que possam subsidiar a formulação de novas políticas públicas pós-pandemia. 

Professora Nilza Rogério, do Departamento de Serviço Social.

Pesquisadora de Big Data da empresa Forecasting Consultoria Especializada, Bianca Mattos contribuiu com a análise de dados para o e-book e comentou que os únicos dados sobre a população de rua no Rio de Janeiro eram do censo de 2008; por isso todas as informações para esta pesquisa tiveram que ser coletadas. No momento, a cientista de dados mapeia os locais de ajuda a essa população rua.

 

– Na hora da coleta de dados, sentimos dificuldade em mapear as instituições. Havia outras redes de apoio ajudando a população de rua na pandemia que não conseguíamos achar a localização on-line. Agora estamos transformando esta rede de apoio no mapa, e a ideia é que a gente cresça a rede de apoio.  Pontos de pessoas físicas, comuns, que estão se voluntariando. As pessoas se doando e tendo compaixão com o próximo e tentando fazer a parte delas. 

 

A coordenadora da Pastoral da População em Situação de Rua, Tania Ramos,  disse que teve receio e considerou que a propagação do vírus poderia dizimar a  população de rua. Mas, de acordo com o levantamento de dados da pesquisa, apenas quatro moradores chegaram ao óbito por causa do vírus. Ela ressaltou a importância da informação apresentada no e-book, pois com ela é possível entender a saúde física e mental dos moradores de rua durante a Covid-19 e procurar soluções para poder ajudá-la. Tania ainda criticou a posição do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, por conta da falta de políticas públicas aos moradores de rua:

 

–– A rua é discreta à tristeza de um povo esquecido, mas também indesejável. Os moradores de rua sabem que se vacinar é importante. Eles têm carinho uns pelos outros, não é porque estão debaixo do viaduto, que eles não se cuidam. Não temos uma política pública para população de rua. Não temos no Rio de Janeiro uma política voltada a uma política para habitação. O prefeito impede que a população de rua seja vista como ser humano digno de qualquer outra. Eles têm sangue que corre na veia. Respiram ar e andam no chão.

Tania Ramos é coordenadora da Pastoral da População em Situação de Rua.

A coordenadora ressaltou a responsabilidade da pastoral, que ajuda as pessoas para que elas tenham mais dignidade. Ela qualificou o trabalho da pastoral como uma missão. Segundo ela, a Igreja tem que estar presente na vida do povo da rua. 

 

–– O grande foco da pastoral é fazer com que o homem possa ser sujeito da  própria história. Precisamos dar a oportunidade para que as pessoas em situação de rua possam se tornar sujeitos da própria história. Só pelo momento que você consegue dar protagonismo à vida destes moradores de rua que você tem vida. 

 

O debate on-line foi mediado pela doutoranda em Serviço Social Andréa Paiva, da Vice-Reitoria Comunitária, e teve também como convidados o Vice-Reitor para Assuntos Comunitários, professor Augusto Sampaio, e o Vigário Episcopal para a Caridade Social, Monsenhor Manuel Manangão.

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