Tecnologia depois da pandemia
20/12/2021 21:02
Rafael Serfaty

Cenário global intensifica velhas discussões sobre o uso da internet

A pandemia alterou drasticamente a sociedade moderna. O cotidiano de muita gente precisou ser reformulado para respeitar o distanciamento social e, desse modo, reduzir o risco de contaminação. Mais do que isso: discussões preexistentes foram intensificadas devido às circunstâncias. A forma como se utiliza a internet, os impactos desta nas empresas e no comportamento humano tornaram-se pautas de grande reflexão.

No passado, a informação estava no papel, distribuída ao longo das empresas e muitas vezes duplicada. Segundo o professor Marcos Rego, do IAG, à medida que os sistemas de informação foram se consolidando, a redução dos custos foi brutal: houve redução de pessoas e, consequentemente, aumento do número de consumidores. Os serviços se tornaram mais acessíveis às grandes massas. Rego considera que a evolução do papel para o virtual caminhou junto à redução de custos, em velocidade e quantidade, mas não na mesma intensidade em segurança da informação. Ele vê como tendência futura mais estudos nesta área, e aponta que a pandemia acelerou o processo de tecnologização das empresas.

– Estamos vivendo hoje o que talvez estivéssemos lá para 2025/2026. Cada vez mais notamos a menor necessidade de equipes presenciais. Na área de gerenciamento de projetos se estuda a questão das equipes virtuais nos últimos 20 anos. A pandemia tornou isto quase que uma obrigação. Um dos problemas deste tipo de reunião é que, quando a pessoa está à distância ela não vê as expressões corporais, é mais cansativo porque não existem pistas a respeito do comportamento, dos gestos do outro. As empresas tiveram um ganho pequeno em despesa de custeio, por não ter mais as pessoas ali, mas isso é irrisório comparado com a redução da qualidade do trabalho.

Rego afirma que as empresas sempre trilharam um caminho dependente das tecnologias, e o vazamento dos dados é o principal problema das relacionadas à tecnologia da informação. O professor diz que não existe segurança da informação, as empresas têm os dados sequestrados e precisam pagar em criptomoedas. A divulgação de notícias falsas, de dados pessoais ou da empresa, junto a apagões em seus sistemas, são outra dor de cabeça.

– Hoje, uma preocupação das universidades é a certificação digital dos diplomas, porque qualquer um consegue imprimir um diploma e dizer que é formado pela PUC-Rio, pela UFRJ e por aí vai. A informação leva à tomada de decisão: você decide contratar alguém porque a pessoa diz que tem doutorado na PUC, aí você descobre que ele não tem. As empresas têm que tomar decisões rápidas e, para isto, precisam de sistemas de informação automatizados, mas eles geram informações erradas e permitem o roubo das informações.

A internet é um poço sem fundo. Doutor em Administração de Empresas pela PUC-Rio, Rego diz ser impossível acompanhar a quantidade de conteúdo gerada por dia. Há um potencial inesgotável de informação para pesquisas. Porém, o professor aponta que as redes sociais tornaram as pessoas ignorantes da internet: os alunos de 2010 usam a internet muito melhor do que os de 2021.

– As pessoas de 2021 estão em nichos dentro da internet. Elas só usam a internet para aquilo que lhes atende, ou seja, o que a própria rede diz que deve olhar, já que os mecanismos vão direcionando para que o indivíduo fique contido naquelas cápsulas. Perde-se a noção do todo, porque o todo dá trabalho, exige pesquisa. As pessoas perderam a capacidade de buscar coisas novas na internet, fora do microcosmo em que vivem.

Professor Marcos Rego

Informática

No dia 4 de outubro, uma pane global afetou algumas das redes sociais mais importantes do mundo. Facebook, WhatsApp e Instagram permaneceram fora do ar para usuários no mundo inteiro, além de alimentarem um dia turbulento no mercado internacional. Isto prejudicou o cotidiano de muita gente, seja por motivos profissionais, seja para contatar amigos, parentes e similares. Gera reflexão sobre a dependência que a sociedade atual tem das tecnologias.

Em um relatório de julho, o Facebook divulgou que mais de 2,7 bilhões de pessoas usam alguma das redes sociais da empresa diariamente, em todo o mundo. De acordo com a pesquisadora Simone Barbosa, professora associada do Departamento de Informática da PUC-Rio, há um monopólio, já que as três redes da pane são do conglomerado Meta. Para ela, se o mundo inteiro depende de uma única empresa, e existe um problema nessa cadeia de produção, tudo dali para frente é rompido.

– Existem várias coisas que podem dar errado no caminho. O maior problema é que muitas pessoas ficaram dependentes demais dessas plataformas. Claro que, por conveniência, tem gente que trabalha e anuncia os produtos no Instagram, tem o WhatsApp para negócios. As pessoas muitas vezes confundem a rede social com a internet como um todo. Quando você não diversifica e fica dependendo dali, assim como seus amigos e clientes, quebrar esta comunicação é muito difícil, o país para.

Psiquiatra

Muitas vezes, a dependência cada vez maior da tecnologia pode gerar em alguns usuários problemas comportamentais, como observa o professor Marco Aurélio Negreiros, do Departamento de Psicologia. Ele aponta que a prevalência mundial de adicção à internet é de 1,5% a 8,2%, mas nos universitários de Hong Kong o percentual sobe para 26,7%. Negreiros, que é Doutor em psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, aponta que crianças e adolescentes são mais vulneráveis ao uso das tecnologias, e mais propensas a sofrer impactos psicológicos.

– Danos à saúde cerebral são cada vez mais identificados. Dependendo da quantidade de uso que você tem de tela, pode ter um efeito neurotóxico sobre a conectividade cerebral. As pessoas que utilizam mais redes sociais, internet, jogo on-line vão apresentar as consequências em sua saúde mental: maiores tendências à depressão, à ansiedade, ao isolamento, a desenvolverem outros tipos de compulsão, como drogas e comida. Fora os prejuízos à saúde física, ao ficar atrás de uma tela você não se exercita.

Professor Marco Aurélio Negreiros

Negreiros afirma que a pandemia influenciou bastante o modo que lidamos com as tecnologias. Segundo ele, estima-se que a pandemia aumentou o uso de internet em mais de 50%, o que contribui para o desenvolvimento de compulsão por tela – redes sociais, aplicativos de relacionamento, jogo on-line. O psiquiatra acredita que haverá uma sequela deste período em que a sociedade ficou enclausurada, mesmo quando o cotidiano se normalizar de vez – relata casos de pessoas que não conseguem retomar a vida presencial. Por isso, defende uma campanha maciça de prevenção desses problemas de saúde mental, e alega que é possível cada um tomar algumas atitudes.

– Primeiro a pessoa tem que ver o seu tempo de uso, limitá-lo e buscar alternativas de coisas para fazer. Se não consegue controlar um determinado tipo de aplicativo, o melhor é desinstalá-lo. Desenvolver outras atividades que não estejam relacionadas a tela é fundamental, mesmo que causem estranheza num primeiro momento. O indivíduo não pode hipertrofiar uma área em detrimento de outra. Também é importante falar sobre o mal-estar e o vazio que a pessoa experimenta ao ter que fazer isso. Uma terapia ajuda bastante a pessoa a elaborar e ressignificar esta experiência, de modo a colocá-la em um modelo existencial saudável para ela.

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