O alto do Laboriaux
16/05/2023 10:50
Sophia Marques

O jornalista e ex-aluno Edu Carvalho veio à PUC-Rio para falar sobre o papel da mídia comunitária com os alunos da área de comunicação

Autor do livro Na Curva do S: Histórias da Rocinha, atualmente é colunista no UOL Ecoa e também escreve para o #Colabora. Foto: Caio Matheus

O jornalista, ativista e escritor Edu Carvalho participou de um bate-papo com alunos de Comunicação, no dia 31 de março, para debater sobre o papel da mídia comunitária na representação da favela, que ele qualificou como uma parte expressiva das cidades do país. Criado na Rocinha, ele destacou a atuação das mídias locais durante o período de pandemia, e apontou a importância desses veículos na sua formação como comunicador e também como indivíduo.

Recém-formado em Jornalismo pela Universidade, Edu organizou uma roda com os alunos, e contou histórias. Ele começou no jornalismo ainda criança, movido pela vontade de narrar os acontecimentos à sua volta. É autor do livro Na Curva do S: Histórias da Rocinha, já trabalhou em veículos de mídia alternativa e também na TV Globo e CNN Brasil. Atualmente é colunista do UOL Ecoa e também escreve para o #Colabora, veículo voltado para questões de sustentabilidade.

Aos 12 anos, Edu cobriu a primeira edição do campeonato Taça das Favelas. A oportunidade apareceu quando o jovem entrou em contato com o site de notícias local faveladarocinha.com, se apresentou como jornalista e disse que queria escrever para o site. Subiu no ônibus junto ao time da Rocinha, e só desceu quando chegou em Realengo. O jogo dos atletas da Rocinha estava marcado para às 16h, mas só começou às 20h, por causa de uma chuva. E o repórter-mirim, que havia combinado com a mãe de estar em casa às 18h, chegou à 1h30 e levou uma bronca.

Na mesma época, cobriu um desfile de cães e gatos na favela, e depois disso, uma inauguração de uma loja de doces. Para ele, tudo aquilo tinha importância, pois era uma chance de retratar a vida nas comunidades do jeito que ele conhecia, para além da violência que estampa as páginas dos jornais.

— O jornalismo me escolheu. Eu seria um bom cozinheiro, talvez um bom gari. Mas eu acho que sou um ótimo jornalista, porque gosto muito de histórias. E imagina morar condensado em um lugar onde habitam 150 mil histórias, que se atravessam a todo momento: as mesmas pessoas, no mesmo ônibus, na mesma van, na mesma feira, no mesmo baile. As pessoas achavam que era bobagem, como se eu precisasse falar dos extremos. Estavam querendo dizer para mim que eu só podia falar de violência, neste lugar onde eu vi garotos superarem o estereótipo de traficante, para se tornarem o primeiro time vencedor, da primeira Taça, contra todas as favelas do Rio de Janeiro.

Em 2017, com 17 anos, Edu ingressou na PUC-Rio para cursar Comunicação Social. Amigos, familiares e vizinhos fizeram uma vaquinha para cobrir os custos dos estudos até que ele conseguisse uma bolsa. Mesmo com a bagagem que já tinha como comunicador, maior do que a da maioria dos recém-chegados à Universidade, ele contou que achava difícil estar naquele ambiente. Na turma, com cerca de 33 alunos, apenas três eram negros, incluindo Edu. Para o rapaz, as vivências adquiridas na Rocinha eram tão importantes para a sua formação quanto o conhecimento acadêmico do ensino superior, e esta atitude de colocar a favela no centro virou sua marca registrada.

— Existe um ponto lá em cima da Rocinha que se chama Laboriaux. O Alto do Laboriaux me dá duas visões: de um lado São Conrado e o início da Barra, e do outro lado toda a Gávea, Leblon, Ipanema, Botafogo, o Cristo Redentor. Lá, a Rocinha se torna metaforicamente maior do que todos os bairros que definem o que acontece na cidade, e que sempre olham para nós de cima para baixo. Quando eu escrevi o livro, e também o TCC, eu me imaginava lá e pensava “ é hora de contar o que esse lugar está querendo dizer”. Todos nós somos intelectuais de nós mesmos, e das nossas experiências. Qualquer um pode escrever sobre a Taça das Favelas, mas a leitura é diferente quando a pessoa não compreende aquilo. Eu vivo essa realidade. Todo mundo traz algo próprio, que pode transformar a visão dos outros.

Em setembro daquele ano, um clima tenso se instalou na Rocinha. Facções disputavam pelo controle do tráfico de drogas da região, e a favela inteira foi paralisada. Moradores tiveram veículos roubados, casas invadidas, ficaram impossibilitados de transitar e ao menos 20 pessoas morreram. Naquele momento, os holofotes da imprensa estavam voltados para a preocupação principal do único público-alvo considerado digno de representação midiática: os que, em meio ao caos da cidade, queriam chegar em segurança até o Rock In Rio, na Barra da Tijuca. Frente a esta lacuna de representação, o apresentador Marcelo Tas entrou em contato com Edu Carvalho e cedeu uma coluna na Rádio CBN para que ele reportasse a situação com a perspectiva de dentro do morro.

— Eu gravei um áudio, mandei para ele e, no momento em que ele falaria, apareceu a minha voz. Na segunda-feira, me ligaram da redação do O Globo e falaram “escutamos o seu áudio, e queremos que você faça um artigo”. No dia seguinte, o meu texto estava na capa do jornal. Na semana seguinte, fui parar no Conversa com o Bial, porque o programa fez uma edição especial sobre o Complexo do Alemão e a Rocinha. No final da gravação, Pedro Bial virou pra mim e falou “gostei muito de você, quero que trabalhe comigo”. Eu não dei muita atenção, porque achei que era mentira. Em janeiro de 2018, chegou um convite da diretora do programa para eu integrar a equipe do programa, mas eu disse: “aceito, mas não vou falar sobre violência”.

Edu já passou por veículos de grande mídia e também por mídias comunitárias. Foto: Reprodução/Instagram

O garoto que um dia sonhou aos 12 anos ser repórter na favela, agora comunicava da favela para o Brasil, e do país para o mundo. Ele se considera uma exceção à regra, como jornalista negro e da periferia, e acredita que a mídia comunitária foi o que o trouxe até os lugares que hoje ocupa. Depois do Conversa com o Bial, ajudou a criar o canal CNN Brasil.

E quando a pandemia irrompeu, em 2020, decidiu que o mais importante era se comunicar com as comunidades. Virou chefe de redação do Maré de Notícias e, em 2022, dedicou seu TCC à análise do trabalho de três jornais comunitários durante a pandemia. O objetivo era entender o papel que estes exerceram ao atuar com uma parcela da população que a mídia tradicional não contempla. Lembrou, também, de quando participou de uma campanha de vacinação contra a Covid-19 em um complexo e, ocasionalmente, mobilizou a vacinação de um grupo de 30 traficantes.

— Foi um dos momentos mais emblemáticos. Um dos traficantes me viu e perguntou se poderia se vacinar. Ele fez esta pergunta porque, além da violência do Estado, em algum momento entendeu que traficantes eram renegados ao direito. Todos os processos de preconceito e desigualdade passam pela mão do comunicador, porque é ele quem faz as pessoas se enxergarem. Jornalismo não é só reportar. É por isso que quero comunicar. Foi por isso que escolhi analisar a mídia comunitária no TCC - concluiu Edu.

A ação abrangeu as 16 favelas da Maré, e imunizou cerca de 36 mil moradores com a primeira dose. Foto: Reprodução/Instagram

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