Ferrovia do Diabo, fim da linha
29/10/2014 16:42
Rayanderson Guerra / Foto: Felipe Fittipaldi

Realidade da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré desativada há 42 anos

Parque Madeira-Mamoré preserva objetos da estrada de ferro desativada

O repórter Caio Barretto Briso e o fotógrafo Felipe Fittipaldi, ex-estagiários do Projeto Comunicar, percorreram os 366 quilômetros da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, entre a capital de Rondônia, Porto Velho, e a cidade Guajará-Mirim, na fronteira com a Bolívia. O objetivo foi descrever, em reportagem à revista National Geographic, a realidade da Amazônia e da chamada Ferrovia do Diabo, desativada há 42 anos.

A parceria entre Caio e Felipe ultrapassou os pilotis da Universidade e, em oito anos, os dois já produziram matérias para as revistas Veja Rio, O2 e, recentemente, National Geographic. Segundo Fittipaldi, a ideia de escrever sobre a Ferrovia Madeira-Mamoré surgiu em dezembro de 2013, durante a viagem que ele fez à Rondônia. Fittipaldi morou na região dos dois aos cinco anos de idade, quando o pai trabalhou na construção da Usina Hidrelétrica de Jirau.

– Quando era criança, brincava nas locomotivas da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. A ferrovia sempre foi a atração da cidade. Quando retornei ao estado, no réveillon de 2013, aluguei um carro e percorri todo o trajeto, pela BR-364 e BR-425, rodovias que os militares mandaram construir antes de interditar a Madeira-Mamoré, com o intuito de fotografar. Percebi que era uma ótima pauta, afinal estavam sendo construídas duas hidrelétricas no Rio Madeira, e os reservatórios iriam alagar trechos da ferrovia.

Projetada para escoar a produção de borracha da região amazônica, a Madeira-Mamoré demorou aproximadamente 50 anos para ser concluída, em 1912 e, depois de 60 anos de atividade, foi desativada pelo governo militar em 1972. Após 102 anos da inauguração da Madeira-Mamoré, os moradores do trecho de oito quilômetros, que liga as cidades de Porto Velho e Santo Antônio, vivem a expectativa da restauração, para fins turísticos, deste pedaço da ferrovia. A trajetória da estrada de ferro, de acordo com Caio, é mal conhecida e, de modo geral, foi abandonada.

– A história da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, na minha opinião, é uma tragédia. Ela mostrou a capacidade do homem de construir uma ferrovia no coração do inferno. Na construção, morreram 10 mil operários, de vários países, e o objetivo da ferrovia era exportar a borracha brasileira. Quando foi concluída, o ciclo da borracha já havia entrado em declínio. A ferrovia já estava fadada ao abandono – concluiu.

 Entre a sugestão da pauta à revista, a aprovação e a publicação foram um ano e dez meses. Os dois fizeram duas viagens à Rondônia, com duração de uma semana, cada uma, para a conclusão da reportagem. Caio conta que a primeira viagem à região, em outubro de 2013, foi impactante, mas as impressões foram superadas.

– Você pensa, dois repórteres do Rio de Janeiro indo para Rondônia, eu nunca tinha ido para a Amazônia. Nós tivemos que mergulhar fundo para que a história fizesse sentido. Nossa pesquisa se baseou principalmente em livros, líamos tudo que encontrávamos sobre o assunto, muita coisa que não tinha necessariamente ligação com a ferrovia, mas que tinha ligação com a história de Rondônia. Livros sobre a geografia do estado e tudo aquilo que ajudasse a entender o contexto da história da ferrovia – diz.

As vidas das pessoas que moravam no entorno da ferrovia, nas vilas formadas pelos trabalhadores das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, serviram como base para a elaboração da reportagem. Para Caio, contar a história de pessoas é essencial.

Ex-ferroviário Lord Jesus Brown cuida de museu na capital Porto Velho

– É uma matéria que precisa falar de gente. O primeiro personagem que encontramos foi o ex-ferroviário Lord Jesus Brown. O pai de Lord veio da Ilha de Barbados para construir a ferrovia e morreu em decorrência da explosão da caldeira de uma locomotiva. Quando a ferrovia foi desativada, muita gente foi trabalhar com o garimpo, e Lord se tornou faxineiro e zelador no museu da Ferrovia, onde funcionava a primeira estação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, na capital Porto Velho – relata.

Já Fittipaldi lembra da história de duas pessoas com quem ele e Caio estabeleceram uma relação afetuosa.

– Chegamos à cidade Vila Murtinho, que após a construção da rodovia se tornou cidade fantasma, com apenas uma moradora, a Dona Francisca. Em Abunã, encontramos o Zacarias Batista, ex ferroviário, de 77 anos, conservador de linha e apaixonado pela história da Madeira-Mamoré.

Dona Francisca é a única moradora da cidade abandonada após fim da via

Abordar os assuntos da atualidade foi determinante para a publicação da matéria. Na região há duas usinas de grande porte sendo construídas no Rio Madeira, que trazem impactos para o local.

– A construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau fizeram com que o custo de vida nas cidades ficasse mais caro e a população crescesse muito. Em Jaci-Paraná, cidade próxima à usina hidrelétrica de Jirau, nós conversamos com alguns trabalhadores, e encontramos pessoas de vários estados do Brasil. Atualmente são 2 mil pessoas trabalhando em Jirau. O povoamento da Amazônia e do centro-oeste brasileiro, uma das regiões mais inacessíveis do planeta, também foi abordado na matéria

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