Parceria entre a vida do morro e a academia
15/12/2014 15:57
Michele Freiras / Foto: Gabriela Doria

O Núcleo Interdisciplinar de Memória Subjetividade e Cultura (Nimesc), que reúne os Departamentos de Psicologia e de Artes & Design da PUC- -Rio, firmou uma parceria com o Museu de Favela, primeiro museu territorial e vivo do mundo.

Um olhar sobre a presença policial na favela retratado em um muro de um espaço utilizado para o futebol
Longe das salas frias dos museus tradicionais, o Museu de Favela (MUF), localizado nas comunidades do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, tem um acervo vivo e pulsante de memórias, histórias e modos de vida dos moradores. O primeiro museu territorial sobre o patrimônio cultural de favela do mundo é também a primeira parceria firmada pelo Núcleo Interdisciplinar de Memória Subjetividade e Cultura (Nimesc), criado em 2011 pelos Departamentos de Psicologia e de Artes & Design da PUC.

Segundo a coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa da Subjeividade, professora Solange Jobim, o Núcleo surgiu a partir do interesse em aprofundar estudos sobre o tema da memória social e coletiva.

– A iniciativa visa criar um espaço para apoiar a formação de recursos humanos para projetos sociais e culturais em comunidades que desenvolvem ações para a valorização da diversidade cultural e das histórias de vida de seus habitantes.

A parceria com o MUF teve início em 2012. A organização não governamental, fundada em 2008 por lideranças culturais que moram no morro, surgiu um ano antes da chegada da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Nesse contexto, se disseminou o interesse em conhecer as favelas que compõem o maciço do Cantagalo, na Zona Sul do Rio.

O MUF já tinha um grupo de mulheres que atuavam como pesquisadoras comunitárias. Elas escutaram as lembranças dos “velhos ilustres” para contar a história da ocupação do morro nos painéis do Circuito das Casas-telas. Também ouviram moradoras indicadas ao Prêmio Mulheres Guerreiras, que a cada ano homenageia cerca de 12 mulheres que se destacam por algum motivo. Esse era o trabalho de curadoria de memória que o Nimesc estava interessado em estudar e aperfeiçoar, com os métodos próprios da academia.

Com esse objetivo, o Departamento de Psicologia da PUC-Rio promoveu um Curso de Formação para Escutadoras de Memórias, na base do MUF, que gerou uma constante troca de experiências entre a comunidade e a Universidade. O curso resultou na criação de um e-book, desenvolvido pelo Departamento de Artes & Design, para que o trabalho de formação tenha continuidade. Desse modo, a ação é integrada, com a cooperação entre os três envolvidos. Esse é apenas um exemplo do modo de atuação do NIMESC no MUF, que não impõe nada de novo, apenas aperfeiçoa os projetos desenvolvidos na localidade.

Para o coordenador da Pós-Graduação do Departamento de Artes & Design, professor Nilton Gamba Júnior, outra preocupação do Nimesc é estar atento às demandas e necessidades identificadas. A principal delas é a questão da sustentabilidade econômica.

Segundo ele, uma das soluções encontradas foi a capacitação em linguagem visual, oferecida a um grupo de artesãs que se reúne na comunidade há mais de 15 anos. Hoje, elas compõem a RedeMUF, que comercializa as peças dentro da base do museu. No curso, são ensinados conceitos teóricos que passam a ser aplicados nos artesanatos. Para a diretora da RedeMUF, Antônia Soares, o curso deu uma nova visão sobre o trabalho das artesãs.

– Aprendemos concepções como cheio e vazio, que aplicadas às nossas produções identificam a própria estética da favela.

O professor Gamba Júnior afirma que tem buscado, junto com essas artesãs, uma forma de criar uma identidade visual para o MUF, de modo que os visitantes possam encontrar, na loja de artesanato, produtos exclusivos e que lembrem a comunidade.

– O que nós trabalhamos foi identificar como elas poderiam traduzir uma linguagem própria das artesãs e do MUF em objetos que poderiam ser reconhecidos como produzidos na localidade.

Para Solange Jobim, todo o trabalho passa pela psicologia social. Ela explica que o Nimesc valoriza a identidade coletiva, que se afirma e fortalece a partir das histórias, saberes e fazeres dos moradores.

– Uma das formas de criar alternativas de geração de renda na própria comunidade se dá a partir da identificação de que aquilo tem um valor cultural não só dentro da comunidade, mas fora dela.

Vida, história e grafite pelas ruas e muros

O Circuito das Casas-tela liga o Cantagalo e o Pavão-Pavãozinho com uma enorme galeria de arte a céu aberto, que narra a história do local e dos moradores através do grafite. Nele, passado e presente se encontram e se misturam. O que foi retratado nas paredes das casas são as lembranças dos moradores que ainda transitam por aquelas ruas, becos e vielas. Visitar o Museu de Favela e fazer o circuito é mergulhar na vida do morro de hoje e conhecer de perto quem são as pessoas que vivem lá.

As 20 casas apresentam os dias difíceis do começo da ocupação, a cultura, a religiosidade, a música e as festas. As lembranças recentes dos moradores trazem à tona a insegurança e os conflitos relacionados ao narcotráfico, mas também momentos de alegria, gravações de telenovelas e visitas de estrelas internacionais, como a cantora Lady Gaga. A natureza exuberante e a paisagem também não passam despercebidas.

A maioria dos proprietários consideram-se guardiões das telas. Natalina de Carvalho, conhecida como Dona Titina, é a moradora da casa número 1. Ela garante que não se sente invadida quando os visitantes chegam para fazer o circuito, mas se incomoda quando algo pode danificar a parede.

– Nem reparo quando tem visitante. Não gosto quando encostam motos na minha parede, tenho medo de estragar um desenho tão bonito.

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