O rock à brasileira no ritmo do yeah, yeah, yeah
02/10/2015 16:49
Rayanderson Guerra / Foto: Arquivo Pessoal/ Jerry Adriani

Considerada a versão nacional do yeah, yeah, yeah, dos Beatles, a Jovem Guarda celebra, em 2015, 50 anos.

O cantor Jerry Adriani recebe um prêmio no programa do apresentador Silvio Santos. Além deles, Emidio Barbosa, Julio Rosemberg e Othon Russo acompanham a premiação

Considerada a versão nacional do yeah, yeah, yeah, dos Beatles, a Jovem Guarda celebra, em 2015, 50 anos. Em 22 de agosto de 1965 foi ao ar, na TV Record, o Jovem Guarda apresentado por Roberto Carlos, Wanderléa e Erasmo Carlos. Mais do que um programa de televisão, ele influenciou gerações de novos cantores, ditou moda – de gírias e expressões ao modo de se vestir – e se estabeleceu como um movimento musical. O nome foi inspirado em uma frase do revolucionário Lênin, líder do partido comunista soviético, que dizia que “O socialismo repousa nos ombros da jovem guarda”.

Elvis Presley, The Beatles, Little Richard e Roy Orbison foram alguns dos cantores que influenciaram o rock à brasileira, produzido nos anos 60. O Brasil acabara de sofrer intervenção militar e o governo era controlado com mãos de ferro, no entanto, Roberto, o Rei, e Erasmo Carlos, o Tremendão, davam o tom do movimento: “Quero que tudo vá para o inferno”. As letras das canções, baseadas no cotidiano dos jovens, tinham temáticas relacionadas a este universo, com destaque para os carros e namoros. Segundo o pesquisador de MPB Ricardo Cravo Albin, a juventude brasileira sempre absorveu a cultura norte-americana e com a Jovem Guarda não foi diferente. 

- A Jovem Guarda não se opunha, mas se contrastava aos festivais, partidários e politizados. A música de Roberto, Erasmo e seus companheiros de geração, e de programa, seguiam os padrões fechados e orgânicos da música importada, especialmente da norte-americana, tanto a partir de discos quanto de filmes. Evidentemente, a partir dos discos e por meio do cinema, aquela geração do Roberto absorvia a cultura americana. Era o romântico e o descomprometido importado de Hollywood e do eixo de música Nova York e Los Angeles.

O trio, comandado pelo “Rei”, recebia convidados no palco do Teatro Record, influenciados pelos riffs das guitarras elétricas de John Lennon. Jerry Adriani, Os Fevers, Wanderley Cardoso, Lilian, Ed Wilson, Waldirene, Os Incríveis, Martinha, Vanusa e Ronnie Von produziam as composições, consideradas alienadas pelos cantores de MPB. Jerry Adriani recebeu influências dos intérpretes da Era de Ouro do Rádio, como Cauby Peixoto, Francisco Carlos e Nelson Gonçalves, além de cantores americanos. Segundo ele, havia uma união entre os músicos da Jovem Guarda.

– Éramos muito amigos. O pessoal da Jovem Guarda, no início, todos da classe média, lutava muito para conseguir alguma coisa. Quando começou a acontecer a Jovem Guarda ninguém tinha programado nada. Aconteceu de uma maneira muito forte. Havia união e nós nos falávamos muito.

Não foram só os cantores que impulsionaram a Jovem Guarda. Por trás dos microfones e do estúdio, atuava um rapaz baiano, Raulzito, que mais tarde ficaria conhecido do público por Raul Seixas. Como compositor, Raul compôs mais de 80 canções do estilo yeah, yeah, yeah, para artistas como Wanderléa, Leno e Lilian e Renato e seus Blue Caps, além de Jerry Adriani, um dos melhores amigos do músico e que o trouxe para o Rio de Janeiro. O professor João Luiz Renha, do Departamento de Comunicação Social, está escrevendo sobre a história de Raul e, segundo ele, após pesquisas, Raul é um cantor de yeah, yeah, yeah, pós-romântico.

 – Em uma entrevista que Raul deu para Ana Maria Bahiana, no jornal O Pasquim, ao ser questionado sobre o rock que cantava, ele responde que não cantava rock e sim yeah, yeah, yeah pós-romântico. Vejo nas pesquisas que Raul nunca gostou de rock. Mas algo interessante é que ele consegue juntar o rock com o baião e até música romântica.

Hoje, segundo Jerry, ele não pode deixar de cantar músicas como Querida, de 1965, e a composição de Raul Seixas, Doce, Doce, Amor, de 1971, sucessos da época.

– Uma vez fui fazer um show e fiquei dentro do carro, porque tumultuava muito, por menor que fosse o lugar, parecia uma chuva de pólvora. De repente, uma pessoa do grupo me falou: “Olha, está vendo aquele banco? Aquela moça está ali sentada namorando uma fotografia sua no caderno”. Aí fui ao lado dela e me sentei. Ela estava bem distraída olhando a foto e eu disse: “Oi, tudo bem? ”. A reação foi algo que não vou esquecer nunca mais. Parecia um sonho e ela não acreditava que era verdade.

Em junho de 1968 foi ao ar a última edição do programa, comandado por Wanderléa e Erasmo Carlos. Roberto já havia deixado a atração em janeiro daquele ano. As jovens tardes de domingo, de guitarras e flores, passaram, e os artistas tiveram que buscar outras vertentes da música. O Rei passou a ser identificado como cantor romântico, mas o Tremendão permaneceu no rock. 50 anos depois, os discos de vinil, característicos da época, voltaram às vitrolas. Uma “onda vintage” surge nos centros urbanos. Manoel José Dias é colecionador e atualmente possui cerca de meio milhão de discos e CDs, 50 mil dos cantores da Jovem Guarda, em um sebo na Mooca, em São Paulo. Segundo ele, o que mais impressiona é o número de jovens em busca das “bolachas”.

– O fenômeno do vinil tem se mostrado que não é um modismo. Vem para ficar, até, como uma mudança social. Dentro do movimento do vintage, do retrô e da valorização do antigo, talvez o vinil seja o mais representativo. Nessa nova perspectiva, o que está ocorrendo com o vinil, hoje, podemos dizer que está ocorrendo com a Jovem Guarda. É um estilo musical que se manteve, durante décadas, e está presente no imaginário e na recordação daqueles que têm mais de 40 anos. Mas a garotada também está valorizando. O que está ocorrendo, e a gente nota isso, é que os jovens estão fascinados pelo vinil.

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