Olhos voltados para o Festival de Cannes
04/04/2016 15:43
Ana Carolina Salvador / Foto: Juliana Valente

Obra aborda relações familiares e a questão do bullying

Na foto maior, cena da personagem Cecília e da mãe antes de a menina voltar ao colégio

Ter uma obra selecionada no Festival de Cannes é um sonho para quem faz cinema. Algo que parecia distante para Victor Fiuza, 25 anos, ex-aluno da PUC-Rio. Difícil, mas não impossível. Em maio deste ano, o curta-metragem que ele escreveu e dirigiu, Os olhos de Cecília, será exibido na sessão Short Film Corner do festival. Produzida e filmada em 2014, com uma equipe de alunos recém- formados da PUC-Rio, a obra começou a ser desenvolvida para a disciplina Projeto de Filme II, quando Fiuza ainda era aluno do curso de Cinema.

A Short Film Corner é uma área de networking e negócios voltada à criação de canais para distribuição de curtas, na qual é possível ter acesso a produtores de diversas partes do mundo e organizar exibições no mercado de Cannes. Além disso, os filmes que participam desta mostra estarão disponíveis em uma biblioteca virtual para possíveis negociações.

Fiuza inspirou-se em ambientes e pessoas da família, principalmente na história de uma tia. A narrativa gira em torno de Cecília, uma menina de 8 anos, moradora da periferia do Rio de Janeiro, que enxerga só com um dos olhos e decide voltar à escola depois de algum tempo afastada por causa de bullying. O curta também aborda a questão da violência familiar.

A menina Maria Victorya Manzi Sant’Anna ganhou o prêmio de melhor atriz no 4° Festival de Cinema de Santo Ângelo, em 2015, como protagonista do filme. Maria Victorya trabalhava como modelo e atuava em comerciais. Para Fiuza, ela foi um elemento essencial para o filme ser contemplado nos festivais, pois já tinha uma postura profissional, queria estar ali, mesmo com a rotina intensa de quase um dia inteiro de trabalho.

– Os pais não só entendem como apoiam, quase viraram parte da equipe e divulgam mais o filme do que a gente. Eles descobriram que Maria tinha realmente vocação por causa desse filme, durante os cinco dias no set. Quando a vi no teste de elenco, já percebi que era uma garota especial, ela realmente brilha – afirma.

A atriz mirim também conseguiu driblar outras dificuldades com profissionalismo, como gravar durante 12 horas com a maquiagem que deixava o olho esquerdo fechado. Maria Victorya conseguiu ainda colocar em Cecília um pouco do racismo que viveu quando se sentiu oprimida e isolada por ser a única negra na turma que estudava.

Victor Fiuza e Eric Platenik relatam as dificuldades de fazer um curta independente

Produtor do curta e também ex-aluno da Universidade, Eric Platenik, 26 anos, diz que se deparou com alguns desafios nesse trabalho de início de carreira. Platenik conta que outra dificuldade foi conseguir as locações, pois as pessoas achavam que, por estarem produzindo um filme, eles tinham recursos.

– Fazer um filme sem verba é muito difícil, está todo mundo trabalhando no amor, temos que prestar atenção em todos e, para as pessoas trabalharem bem, tem que ter comida no set, mesmo sem dinheiro.

Com um custo de R$ 10mil, Os olhos de Cecília é uma produção independente, com verba obtida entre os amigos que participaram da realização. Segundo Platenik, angariar recursos para um curta-metragem é uma empreitada difícil porque, ao contrário dos longa-metragens, é um tipo de produto que raramente gera retorno.

O elenco ensaiou durante três meses e gravou por cinco dias em lugares como Bangu, Morro do Salgueiro, na Tijuca, e Ilha do Governador. O diretor diz que queria mostrar uma visão incomum das paisagens da periferia, com um olhar poético e afetivo.

Atualmente, Fiuza é coordenador da área de vídeos na Agência de Conteúdo Estratégico 14, e Platenik é sócio da produtora Photoescrita Filmes. Os dois já fizeram outro filme, As asas de Cândido Gabriel e seu amigo Tiago, que está em processo de edição.

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