Não faltam declarações alarmantes sobre como as incertezas em torno do que é ou não verdade dificultam os modos com que as pessoas lidam com informações na internet. Até mesmo pensadores como Umberto Eco, comumente defensor da livre expressão, chegou a afirmar que “redes sociais deram voz a legião de imbecis”. Mas não faltam aqueles a acreditar que essa nova troca de experiências, possibilitada pelo meio virtual, apenas reflita uma escala de desinformação já existente na realidade. De acordo com a Coordenadora Acadêmica do Núcleo de Memória da PUC-Rio, professora Margarida de Souza Neves, a suposta falta de inteligência não é algo exclusivo da internet.
De acordo com ela, é possível que sejam ditas coisas desmedidamente em quaisquer outros meios, como rádio, televisão, jornais etc. Por isso, tanto informações verdadeiras quanto falsas se encontram nas mais variadas áreas, inclusive na internet.
— A ferramenta não é boa ou má, mas o que fazemos dela. Não acho que a internet tenha piorado nada. Acho uma ferramenta fantástica, que facilitou nossa vida enormemente. Mas tem que se saber usar, como qualquer coisa na vida.
Professor do Departamento de Filosofia, Rodrigo Nunes explica que isso se confirma no sentido de que a lógica da internet é inversa ao filtro de credibilidade na imprensa tradicional. Segundo ele, o filtro da imprensa tradicional está na publicação, enquanto o da internet está na edição posterior ao texto já escrito, o que democratiza o acesso à reprodução de conteúdo para o bem e para o mal.
— A internet deu voz a idiotas como deu voz a gente muito interessante que não necessariamente teria sido publicada antes. Não vejo esses fenômenos como exclusivamente positivos ou negativos. O fundamental é distinguir o que é bom do que é ruim.
Para Nunes, a Wikipédia é um exemplo dessa nova lógica de filtragem, de modo que representa um tipo de fonte pela qual se deve começar uma pesquisa, mas não terminá-la. O professor avalia que, embora se trate de uma fonte valiosa de conhecimento, deve-se ter parcimônia ao utilizá-la, uma vez que qualquer um pode escrever qualquer informação na página. Ele acredita que o critério de pesquisa para se definir o que tem credibilidade na internet é um processo individual de erro e acerto.
— As pessoas têm que, ao longo do tempo, identificar algumas fontes que são da sua confiança, checar se o veículo já não esteve equivocado no passado e ver se essa informação está aparecendo em outros sites grandes.
Margarida ressalta que a informação, qualquer que seja, deve ser antes medida, testada e criticada, independente da mídia em que se encontra. A professora defende a crítica à informação como um exercício de humildade intelectual que resulte em uma postura de saudável desconfiança. Nesse sentido, ela aponta que o papel dos educadores seria fundamental para que novas gerações aprendam a testar informações por meio de comparação entre fontes e pesquisas sobre os autores originais.
— Temos que reinventar os métodos de ensino. Hoje, a escola tem que fazer com que essa geração, que tem a sorte de ter todo conhecimento disponível, saiba procurar a informação de forma pertinente, relacionar uma informação com a outra, saiba criticar essa informação.
Se a internet é um reflexo da realidade, talvez a própria internet estimule as relações sociais no mundo real, como em um círculo vicioso, acrescenta Nunes. De acordo com ele, em um Brasil que caminha para a polarização política, a desinformação se torna um elemento perigoso que pode servir para se manipular discursos alheios.
— Cada pessoa vai tender a considerar confiável fontes que confirmam o que já acreditam. Mas, em todos os extremos, há pessoas cuja compreensão é construída por uma série de informações duvidosas e imagens incoerentes do que está acontecendo.
Tanto no real quanto no virtual, a escolha dos grupos de discussão dos quais determinada pessoa participa é outro ponto lembrado por Margarida. Segundo ela, colocar-se em um círculo de amizade, seja física ou virtual, cujo discurso dominante é maniqueísta, fortalece atitudes excludentes. Assim, sem acesso a opiniões divergentes, caminha-se rumo ao desrespeito para quem não faz parte do grupo.
— Ouvir quem pensa diferente de mim não é concordar, mas ouvir. Ouvir de verdade. Entrar na lógica do outro, perceber o que tem ali. No fundo, se você escolhe entrar num círculo onde todos pensam juntos, não se torna parte de um círculo de debate, mas de uma manada — conclui.