A mercantilização do jornalismo
14/06/2016 18:23
Luiz Felipe Marinho / Foto: Fernanda P Szuster

Documentário mostra que críticas ao jornalismo são as mesmas desde o século XVII

Leonel Aguiar e Adriana Braga

O filme O Mercado de Notícias (2014), de Jorge Furtado, foi a terceira das 13 obras exibidas na mostra Pra Não Esquecer, organizada pelo Departamento de Comunicação Social, composta por curtas e longas-metragens de temáticas político-sociais. A apresentação foi no dia 7 de junho e, após o filme, houve um debate com os professores Leonel Aguiar e Adriana Braga, professores do Departamento de Comunicação Social.

Realizado em 2014, em meio ao calor das Jornadas de Junho – uma série de manifestações em massa que ocorreram em 2013 –, o filme traz depoimentos de 13 importantes jornalistas brasileiros sobre o sentido e a prática da profissão, as mudanças no modo de consumo de notícias. O longa aborda, também, o papel importante que a cobertura jornalística teve em casos recentes da política nacional.

O documentário é inspirado na peça O Mercado de Notícias, escrita pelo inglês Benjamin Jonson em 1625 – três anos após o surgimento do primeiro jornal em Londres. Assim, o filme explicita que certas críticas sobre o jornalismo pós-moderno já são feitas desde o século XVII.

O documentário também apresenta cinco casos recentes, nos quais as coberturas jornalísticas tiveram abordagens parciais e sensacionalistas. Como no caso da “bolinha de papel de José Serra”. No dia 20 de outubro de 2010, próximo do segundo turno das eleições presidenciais, Serra interrompeu a agenda para ser submetido a uma tomografia devido a uma suposta agressão vinda de militantes governistas. O fato foi amplamente divulgado nas grandes mídias com todo o tom de seriedade que o incidente não merecia.

Em sua fala inicial, Leonel Aguiar observou, a partir da ótica do filme, o fato de que em 1964 todos os jornais de grande circulação apoiaram o golpe militar. Ele disse que sempre percebeu, por meio de pesquisas, um “acossamento econômico” em relação ao jornalismo a partir do século XIX, o que ele qualificou de “imprensa sensacionalista”.

– Esse é o primeiro dado surpreendente no filme, porque é uma peça de 1625 e a datação histórica do aparecimento dos jornais é de 1611, 1613. A Adriana Braga me falou que foi três anos depois do aparecimento do primeiro jornal em Londres. E, para os jornalistas, os melhores jornalistas brasileiros, e eu que estudo isso, é uma surpresa se falar de mercado de notícias em 1625.

O filme é uma produção da Casa de Cinema de Porto Alegre, que, como explicou Adriana, é uma produtora que tem uma série de filmes críticos e posicionados, assim como o próprio diretor Jorge Furtado. Adriana assinalou que a obra tem uma boa relação com as mídias tradicionais, pois, ao mesmo tempo em que, segundo Adriana, “ataca na jugular do jornalismo”, ele usa arquivos da Rede Globo e agradece nos créditos a Ali Kamel (diretor geral de Jornalismo e Esporte da TV Globo).

Aguiar afirmou que uma das questões principais do filme, e que ele sempre trabalha com os alunos, é o ideal de que o jornalismo estaria contaminado pela mercantilização da notícia. Para ele, essa ideia está sempre em moda, como se fosse uma espécie de degradação do ideal iluminista, mencionado várias vezes durante o filme.

– Desde o momento em que lemos vários autores, e no site desse filme há uma boa bibliografia, o jornalismo está o tempo todo acossado pela mercantilização e pelo entretenimento. – contou.

O professor comentou sobre o ideal moderno, que aparece com o Racionalismo – corrente filosófica em que o homem seria capaz de se libertar dos seus temores e viver melhor em sociedade pela razão –, que continua no século XIX. O que, segundo Aguiar, resulta nos ideais de prática jornalística que permanecem até hoje, como o papel de mediador dos conflitos sociais e dos interesses que existem em qualquer sociedade democrática.

– Os ideais da objetividade, da verdade factual. Essa questão de o jornalismo ter métodos objetivos de contar uma história verdadeira. Esse jornalismo está marcado por um aspecto cultural bem amplo, o Racionalismo Moderno, o Iluminismo do século XVIII, o Positivismo do século XIX, e esteve o tempo todo com essa ideia de que o jornalismo pode ser um farol que ilumina, ensina o cidadão comum. – disse.

A parcialidade dos jornais também é abordada no documentário. Adriana lembrou de casos de jornais que falam abertamente sobre suas posições políticas. Para ela, a multiplicação dessa lógica nos veículos não são um problema, pois, mesmo que parciais, eles garantiriam ao leitor a visão de todos os pontos de vista ideológicos.

– O problema não me parece a parcialidade dos veículos, mas a ilusão de imparcialidade. A suposta isenção que é vendida ao leitor. Com a internet isso não se sustenta mais. A ilusão de imparcialidade do jornalismo é chacoalhada.

Sobre liberdade de expressão, a profissional disse que a questão da censura é sempre deslocada para outros agentes, como o governo. Para ela, o termo virou uma “causa nobre” que pode justificar qualquer tipo de atitude. Ela citou a frase “a maior censura é feita pelo dono do jornal”, dita por um dos jornalistas entrevistados no filme, e comentou que a questão ética abordada por ele, de uma forma um tanto indignada, e que “ninguém diz”, é o fato de ele ter presenciado, por diversas vezes, censura camuflada de linha editorial.

– O trabalho jornalístico está em um fio entre os constrangimentos da empresa e a sua posição e idealismo como profissional. Esse fio é complicado, mas é um trabalho constante de encontrar brechas para fazer o jornalismo em que se acredita. O jornalista está sempre nessa corda bamba.

Em nota oficial no site do filme (http://www.omercadodenoticias.com.br/), Jorge Furtado afirma que um documentário, para ser durável, tem que ser útil, no sentido de “iluminar um tema, uma atividade, uma época”. “(O documentário) deve servir de elemento deflagrador de debates, instigar novas pesquisas, despertar nos espectadores aquilo que Umberto Eco chama de “espírito de decifração”, indica o texto no site.

Mais Recentes
Alunos terão desconto em moradia universitária
PUC-Rio fechou parceria com Uliving, maior rede deste tipo de serviço no país
Álvaro Caldas lança quinto livro de sua carreira
Nos anos de pandemia, a janela se tornou uma ligação vital para mundo exterior
Tecnologia, Inovação e Negócios no Instituto ECOA
Encontro reúne alunos e convidados para discutir o fornecimento de água e saneamento no Rio de Janeiro