Como tonificar a herança programada dos Jogos Olímpicos
29/07/2016 18:29
Gustavo Cortês e Andressa Pessanha

Embora reconheçam avanços, especialistas avaliam que o Rio precisa investir em transporte de massa, segurança e em moradias na Zona Portuária

Arte: Rodrigo Beser

Em 2009, quando foi escolhido para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, o Rio era impulsionado pelo alto valor do petróleo e o Brasil vinha de um crescimento econômico de 4,7% no ano anterior. Há uma semana do início dos Jogos, o cenário é diametralmente oposto. Em 2015, houve retração de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) e o governo do estado do Rio, prejudicado pela queda vertiginosa do preço do barril de petróleo, sequer consegue pagar em dia os servidores. Turbulência políticas e econômicas atrofiam parte do legado olímpico, frequentemente apropriado por retóricas oficiais. Os Jogos custarão aproximadamente R$ 40 bilhões, dos quais R$ 16,87 bilhões são públicos e R$ 22,2 bilhões, privados. Sem menosprezar os ganhos em estrutura e mobilidade urbana da revitalização do Porto à Linha 4 do metrô –, urbanistas, economistas e acadêmicos ponderam que a maré olímpica deveria ter cultivado mais e melhores heranças, como o aproveitamento das instalações esportivos, cujo plano para o uso pós-Rio 2016 ainda é cobrado pela Justiça federal. Para o especialista em direito esportivo Pedro Trengrouse, professor da FGV , consultor da ONU na Copa do Mundo de 2014 e um dos integrantes do comitê que discutiu no Senado a nova Lei Geral do Desporto, "o maior erro do Brasil foi submeter-se às exigências do Comitê Olímpico Internacional (COI) sem formular um plano de legado".

– Assim como a Copa do Mundo e o Pan-Americano, as Olímpiadas deixarão elefantes brancos, pois em nenhum desses eventos foi apresentado um projeto condizente com a realidade do país e que aproveitasse a vocação do Brasil. Se isso tivesse sido feito, o COI aceitaria. Os clubes, tradicionais formadores de atletas olímpicos, deveriam ter solicitado investimentos em suas dependências, para que as áreas de provas servissem às entidades que mais fornecem atletas olímpicos ao país. Flamengo e Fluminense poderiam até receber algumas provas em suas sedes e herdar os locais de competição. Desta forma, não haveria subutilização das dependências olímpicas depois do término dos Jogos – avalia .

Davi Raposo

O arquiteto, urbanista e professor da PUC-Rio Ernani Freire reforça a avaliação de Trengrouse. Para o especialista, a partitura do legado deveria ter levado em conta aspectos mais substantivos e particulares da cidade:

– Neste tipo de evento é importante que se estude muito bem a cidade-sede, para que as obras sejam coerentes com a realidade. Não se deve simplesmente seguir exigências de um comitê, como se todas as cidades do mundo fossem iguais.

Ao receber o aval do COI para acolher os Jogos, a Autoridade Olímpica distribuiu os desembolsos com a Rio 2016 em três frentes: Matriz de Responsabilidade, que contempla 47 iniciativas associadas a equipamentos esportivos; o Plano de Políticas Públicas/Legado, que abriga 27 projetos referentes a mobilidade, estrutura urbana, saneamento e segurança; e os gastos que sustentam a operação olímpica propriamente dita, como hospedagem e alimentação. Estes gastos, geridos pelo Comitê Organizador, correspondem a R$ 7,4 bilhões.

O restante, R$ 31,67 bilhões, divide-se, simplificadamente, entre infraestrutura urbana (R$ 24,6 bilhões) e instalações esportivas (R$ 7,07 bilhões). Contudo, alguns compromissos não serão finalizados a tempo, como a Linha 4 do metrô e a despoluição da Baía de Guanabara. De qualquer forma, a revitalização do Porto e as obras viárias, acrescidas da ampliação do metrô e dor reforços do BRT e do VLT, são demandas antigas da cidade. Especialistas em mobilidade urbana ressalvam, entretanto, que ainda revelam-se insuficientes para alçar a capital fluminense a padrões internacionais de transforme público e deslocamento.

Inicialmente orçada em R$ 5 bilhões e programada para ficar pronta antes da Olimpíada, a nova linha do metrô, que liga a Barra à Zona Sul, custará R$ 9,7 bilhões e só será entregue integralmente em 2018. Outro compromisso pendente está entre as promessas mais antigas de sucessivas gestões públicas: a despoluição da Baía. Alvo de reclamações de velejadores nacionais e estrangeiros, a poluição mantém-se crônica. Foi por terra a meta de despoluir 80% da Baía de Guanabara, na qual estão confirmadas provas de vela. Fora o esgoto, frequentadores e atletas olímpicos correm o risco de se confrontarem com parte das 90 toneladas de lixo despejadas ali diariamente.

Para reduzir esta chance – remota, segundo o secretário estadual de Ambiente, André Corrêa –, o governo estadual escalou 17 ecobarcos, (embarcações que retiram o lixo flutuante) e 11 ecobarreiras. Tais paliativos estão longe, contudo, de libertar a Baía da sujeira, que, recentemente, acumulou-se às margens do Museu do Amanhã, na Praça Mauá. A imagem, multiplicada por jornais e redes sociais, tornou-se um emblema do contraste entre a herança consumada e a herança fracassada ou atrofiada da Rio 2016. Para Trengrouse, é um engano crer na capacidade de grandes eventos alterarem substantivamente a vida de um país ou até de uma cidade:

– Ao contrário do que o governo costuma dizer, uma Olimpíada não passa de uma grande festa. Considerar a despoluição da Baía de Guanabara e a construção da linha 4 do metrô, projetos dos quais a cidade precisa há anos, obras olímpicas é um atestado de incompetência. As obras olímpicas se restringem à construção de arenas. Seu legado é esportivo somente. Obras de mobilidade e de infraestrutura urbana devem ser feitas independentemente da realização ou não de um grande evento – opina.

Davi Raposo

Embora a nova linha do metrô não tenha sido entregue a tempo de atender a população durante os Jogos, período no qual ficará restrita à família olímpica, outras duas obras de mobilidade urbana estarão disponíveis: o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) – que custou R$ 1,18 bilhões aos cofres públicos – e o BRT. Freire alerta, porém, para o equívoco de considerar estes benefícios suficientes para melhorar de forma expressiva o serviço de transporte de massa na cidade.

– VLT e BRT são meros redistribuidores. Não atendem, portanto, a população que precisa de transporte de grandes distâncias, nem resolvem o inchaço do Centro. A política do transporte individual, em vigor no Rio, é ultrapassada e está em desacordo com a tendência mundial do transporte de massa e soluções criativas para mobilidade urbana. Cidades que usam o metrô como principal matriz de transporte construíram vias subterrâneas há muitos anos, como Londres, que fez as primeiras linhas ainda no século XIX. No Rio, a melhor solução talvez fosse pela água, já que o valor mobiliário elevado torna o custo da construção de um metrô ainda mais elevado – argumenta o urbanista.

Assim como os investimentos em mobilidade e transporte, a revitalização de espaços urbanos está entre as principais obras do legado olímpico prometido pelo poder público. O grande símbolo desta frente de ações é o chamado Porto Maravilha, para o qual foram desembolsados R$ 8,2 bilhões. Torna-se o carro-chefe da revitalização ainda em curso daquela região, entre o trecho próximo da rodoviária e o aeroporto Santos Dumont. Parte da nova paisagem – livre do viaduto da perimetral e reforçada dos Museu de Arte do Rio e do Museu do Amanhã, ambos próximo a uma reformada Praça Mauá – só será consumada depois dos Jogos.

Na Barra da Tijuca, região que concentrará a maior parte das 306 provas da Rio 2016, a Vila Olímpica é apontada também como legado. A dez dias da cerimônia de abertura, a babel esportiva ganhou as manchetes por falhas em instalações hidráulicas e elétricas que prejudicaram a acomodação de equipes como a australiana. Terminados os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, a Vila passará a vestir o uniforme de empreendimento imobiliário. Portanto, transforma-se também em motivo de apreensão quanto à capacidade do bairro de absorver o novo fluxo de expansão demográfica, sem as adaptações viárias necessárias.

Embora a duplicação do Elevado do Joá e os novos mergulhões tenham escoado parte do intenso tráfego daquela área, observa-se ainda uma série de gargalos, como no trecho próximo ao Terminal Alvorada. Para Freire, as benfeitorias, apesar de válidas, não alteram o modelo de organização urbana “atrasado”. O urbanista também ressalta a importância da segurança para ocupação do espaço público.

– O Rio cresceu mal nos últimos anos e conserva o modelo centro-subúrbio, típico dos anos 1940. Por isso, casa e trabalho ainda são longe um do outro. Mas a cidade tem potencial para reverter esse quadro, pois, como foi capital da república, o Rio tem um centro com uma infraestrutura fantástica, porém subaproveitada. Lá, poderiam ser feitas moradias populares nos prédios que já existem. E uma das características do carioca é a ocupação intensa do espaço público. Mas, para isso, é preciso segurança. Havia um acordo para que pelo menos a vila dos árbitros fosse feita na região portuária, o que não ocorreu, devido à pressão do setor imobiliário. Incentivar a moradia na região portuária é fundamental  – sugere.

 

Veja também: Legado olímpico exige mais atenção social, alertam analistas

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