Centro e orla abraçam a babel celebrada na abertura da Rio 2016
08/08/2016 16:51
Carolina Ernst, Cecília Bueno e Diana Fidalgo

Em Copacabana, no Boulevard Olímpico e até no metrô, integração entre cariocas e turistas revigora a vocação plural da cidade

Praça Mauá Foto:Nathália Afonso


Reconhecido pelos braços abertos à diversidade, o Rio aquece a vocação plural com a chama olímpica. Já na noite de abertura dos Jogos, sexta-feira passada, a babel revitalizada desdobrava-se no calçadão e nos bares de uma Copacabana ainda mais carregada de sotaques estrangeiros; na multidão que acompanhou o antológico espetáculo do boulevard montado entre as reformadas praças XV e Mauá, no Centro; no vaivém do metrô impulsionado pela extensa programação social e cultural a reboque dos Jogos – desde o Abaporu provisoriamente repatriado, à mostra no MAR, até as concorridas casas das delegações, como a da Suíça, na Lagoa, e a do Reino Unido, no Parque Lage. Ao meio bilhão de turistas internos e externos concentrados entre agosto e setembro, somam-se 45 mil voluntários, 10,5 mil atletas e milhares de cariocas dispostos a redescobrir uma cidade que, apesar de agruras crônicas na Segurança e na Saúde, por exemplo, e da penúria nos cofres públicos, respira novos traços cosmopolitas.

 

Na noite de largada dos Jogos, a pluralidade festiva materializou-se nas 100 mil pessoas reunidas no Boulevard Olímpico. Ao longo do fim de semana, a passarela criada para a Rio 2016 recebeu 250 mil visitantes. Dividiam-se entre selfies em frente à chama próxima à Candelária e às instalações com motivos olímpicos; rodízio de shows por três palcos, da Praça XV à Praça Mauá, fora o suingue dos artistas de rua; brincadeiras organizadas por patrocinadores dos Jogos, como bungee jump da Nissan e o balão panorâmico da Skol; esticadas até o navio-escola Sagres, o outro lado do cais, transformado na Casa de Portugal para a Olimpíada; passeios até os museus e centros culturais perto dali, como o CCBB, o Museu do Amanhã e o MAR; e, claro, acompanhamentos de atrações olímpicas exibidas nos telões, da cerimônia de abertura elogiada mundo afora ao carnaval de competições.

 

Figurinos e sotaques variados coloriram, na sexta à noite e no primeiro fim de semana olímpico, a nova silhueta daquela área remodelada no Centro da cidade. Lembrava a confraternização do Fifa Fan Fest que reuniu em média 20 mil pessoas na Praia de Copacabana durante o Mundial de 2014. O bairro, recordista de ruas interditadas na Olimpíada, não conta agora com telões e grandes shows produzidos para a maior festa esportiva do planeta. Ainda assim, acolhe, ao lado daquele boulevard e do Porto Maravilha, uma das maiores concentrações de turistas e cariocas embalados pelo clima olímpico. Sexta-feira passada, grande parte deles trocou o calçadão e os selfies em frente aos arcos da Rio 2016 pelas telas de quiosques, bares e restaurantes. Moradora de São Gonçalo, a estudante de jornalismo Luana Miranda foi até Copacabana assistir à cerimônia de abertura com os amigos que moram na área.

 

– Procuramos telões pela praia, mas tivemos que nos contentar com a telinha no quiosque. Eu imaginava que seria no estilo da Copa do Mundo – comparou Luana, sem saber ainda que o estilo fan fest está resgatado pelo Boulevard Olímpico, no Centro.

No mesmo quiosque a professora e tradutora Andrea Hosler, moradora de Cabo Frio, na Região dos Lagos (RJ), também buscava compensar a ausência de telões com o alto astral da área que segue fortalecida entre turistas locais e estrangeiros. O prestígio se reflete na taxa de ocupação de 96% nos hotéis de Copacabana e Leme.

– Eu acreditava que teria festa na praia. Não voltei para o hotel. Fiquei pelo quiosque com a energia dos gringos e turistas nacionais. Nestes momentos aproveitamos para conversar com as pessoas em todas as línguas – ressaltou Andrea, que leciona português e inglês.

O espetáculo de abertura e, posteriormente, a sucessão de provas exibidos em quiosques e restaurantes da orla misturavam-se a uma babel musical: sertanejo, samba, pagode, rock, juntos e misturados nos bares e no calçadão. Um mosaico ao qual se juntam esculturas de areia, ambulantes e números como o da jovem cuja cintura movia uma dúzia de bambolês. Para os comerciantes, o reforço no fluxo de visitantes e cariocas consagra uma olimpíada do varejo. A supervisora do quiosque Skol 360°, Fabiane Correia, comemora:

– Fora a música ao vivo, costume da casa, colocamos telões. O público quadriplicou.

Perto dali, outro cartão-postal também refletia os embalos olímpicos. Tanto de dia como nos agitos noturnos, a Lagoa tem sido uma celebração do encontro entre visitantes e cariocas unidos pela vontade de transformar a Rio 2016 num pretexto para curtir a cidade iluminada pela festa esportiva. Ciclovia cheia: adultos com crianças, cachorros donos, bicicletas, skates, patins, vendedores de água de coco, de pipoca e de churros. Até aí tudo normal para um sábado ensolarado no parque da Lagoa Rodrigo de Freitas. Ao fundo, a silhueta do Morro Dois Irmãos e da Pedra da Gávea.

Lagoa Rodrigo de Freitas Foto: Carolina Ernst


Repetindo o seu sucesso na Copa do Mundo de 2014, o Departamento Federal de Relações Exteriores (Federal Department of Foreign Affairs, FDFA) da Suíça expandiu a estrutura do Baixo Suíça para a edição dos Jogos Olímpicos Rio 2016. Durante a Copa, por disponibilizar telões, comida e bebida, tornou-se um ponto popular para assistir aos jogos. Este ano, o Baixo Suíça, próximo ao Corte do Cantagalo, conta com um telão maior, comidas e bebidas típicas suíças, e variadas atividades que atraem o público para a Lagoa, movimentando até os seus arredores, como Ipanema.

Com o fim do dia e o pôr do sol, a multidão e a circulação aumentam. Em uma área mais dispersa, ao lado de um casal de vendedores de água de coco que trabalha sem parar, a vendedora de pipoca Marisa descansava por alguns minutos antes do início da cerimônia de abertura enquanto esperava mais uma panela ficar pronta.

– Eu até queria assistir à abertura em casa, mas cheio assim é muito bom pra ganhar um dinheirinho. Normalmente só é assim no fim do ano, com a árvore de Natal. Fica cheio de gente, criança, é tão bonito ver tantas pessoas. A Lagoa abandonada dá uma tristeza... Dá pra ver que tem gente que vem de longe e gente que mora aqui do lado.

Às 20h, a casa já contava com sua capacidade máxima, mas isso não impedia que os demais passantes dessem um jeito de dar uma olhadinha no telão. Valia tudo: sentar na grama, na canga, na cadeira de praia, no meio-fio, na bicicleta, segurar as crianças no colo e ficar nas pontas dos pés. Telão ligado, som alto – começava a festa. “Tá tudo tão lindo, né?”, comenta uma senhora com a outra ao seu lado, que concorda com a cabeça, vidrada na tela.

Quando Paulinho da Viola começou a tocar o Hino Nacional, olhos marejaram e peles se arrepiaram. Todos saúdam o início dos Jogos em pé e com a mão sobre o coração; com muito orgulho, com muito amor.

 
Metrô de Botafogo Foto: Cecília Bueno


O clima olímpico contagia até quem, por força da rotina de trabalho, acompanha os Jogos por tabela. Caso do motorista de ônibus Marcelo Ladeira. A uma hora do início da cerimônia de abertura, ele para o ônibus integrado ao metrô em frente à Cobal do Humaitá. O veículo lota e ele segue o caminho até a Estação de Botafogo. Confessa ter vontade de ir ao Maracanã assistir ao espetáculo. Todavia, o turno só acaba às 22h. Tem de acompanhar a cerimônia pelo rádio, nos intervalos das viagens. Já Mônica Barcelos, a trocadora, larga às 21h. Tempo suficiente para ver a metade da festa ao lado da família, que a espera em casa com “churrasco e cerveja”.

Milhões de outros trabalhadores também buscam brechas para ver a cerimônia e, em seguida,  as demais atrações da Rio 2016. O supervisor do guichê do Rio Card Olímpico Alexandre Costa de Jesus, come apressado um pão na chapa e beberica um cafezinho. Em vez de se deslumbrar com a batalha por recordes e medalhas, mira o pódio da utilidade pública. “Já estou muito agradecido de poder trabalhar nos Jogos. Poder ser útil num evento dessa grandeza é muito gratificante”, orgulha-se. Encanta-se com a “diversidade de gente” que passa pelo metrô. Embora não fale língua estrangeira, comunica-se com os estrangeiros “arranhando um pouquinho de inglês” e por gestos. “Quero receber o mundo da melhor maneira”, reitera.

A colega Elisabete Santos de Lima só sai às duas da manhã. Há 18 anos, ela trabalha na receita tarifária todos os dias, menos domingo, quando fica de sobreaviso. Elizabete não vai conseguir dar nenhuma espiadinha na cerimônia. Na cabine onde fica não há TV e o sinal da internet é fraco. “Queria ver, principalmente, porque é o Brasil que está fazendo”. Elisabete trabalhou em todos os grandes eventos que a cidade recebeu nos últimos anos. Conta que adora interagir com diferentes culturas na cidade: “Gosto quando eles chegam aqui e percebem que o Brasil não é só samba, mulher e futebol”.

Lá fora, os bares próximos à estação de Botafogo também refletem a babel multiplicada no vaivém. Às 20h30 da noite histórica, estão apinhados de cariocas e turistas. Televisões colocadas na rua reforçam a atmosfera prosaica, como a cidade de interior que abraça o circo recém-chegado. Em mesas grandes, famílias, amigos e visitantes acompanham, vidrados, o desfile de Gisele Bündchen no Maraca vestido de passarela. Uma doce releitura da garota eternizada por Tom e Vinicius. Prenúncio de uma olimpíada dourada nas esquinas do Rio.

Mais Recentes
Fantástico universo dos animes
Influenciados pelos mangás, os desenhos animados japoneses conquistam fãs no Brasil e no mundo  
Reitor da PUC-Rio visita MPRJ
Padre Josafá se encontra com procurador-geral do Ministério Público do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem
Vozes pela educação
Passeata no Centro do Rio reúne cariocas de diversas idades contra a redução de verbas para o ensino público