Batalha contra o excesso de açúcar deve unir lares, escolas e espaços urbanos
13/09/2016 12:18
Diana Fidalgo

Crianças ingerem três vezes a quantidade recomendada. Para contar este avanço, endocrinologista da Escola Médica da PUC-Rio sugere reeducação alimentar integrada

Arte: Mariana Salles

Crianças ingerem três vezes a quantidade de açúcar recomendada (máximo 25g por dia), revela recente pesquisa da Associação Americana do Coração. O consumo excessivo propicia uma série de ameaças à saúde, da cárie à obesidade, alertam profissionais da área. Problemas cardíacos e diabetes estão entre os riscos mais graves associados ao sobrepeso, condição na qual se encontram cerca de 70 milhões de brasileiros (40% da população), estima levantamento do IBGE. Para conter a este avanço, especialistas apontam a reeducação alimentar infantil como a principal antídoto. A mudança de hábito envolve desde os cuidados na gestação até uma parceria entre escola e ambiente familiar:
 

– A educação alimentar é importante, mas deve contemplar todos os ambientes de convivência: residencial, escolar, urbano. Esses ambientes precisam estar preparados para que crianças e adultos tenham uma alimentação equilibrada – ressalta o endocrinologista Walmir Coutinho. vice-diretor da Escola Médica de Pós-graduação da PUC-Rio.

 

Outra recomendação essencial à incorporação de hábitos alimentares mais saudáveis – e, em particular, a ingestão equilibrada de açúcar – é contato, já na primeira infância, com exemplos positivos. Assim orienta o presidente do Comitê de Saúde Escolar da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio, Abelardo Bastos Pintos Jr:


 A conscientização sobre as vantagens de alimentação saudável deve estar associada à prática familiar como referência. A criança reproduz o que vê. Nos primeiros anos de vida, ela é conduzida pelo conjunto de comportamentos alimentares e biopsicossociais da família. Se a família tem um padrão alimentar adequado, a criança se acostuma desde cedo com essa rotina saudável – observa o especialista, integrante também do Departamento de Saúde Escolar da Sociedade Brasileira de Pediatria e da Academia Americana de Pediatria.

 

Se, por um lado, profissionais da Saúde reconhecem que mudanças de hábitos alimentares caminham de forma gradual, por outro, a escalada mundial da obesidade, inclusive na infância, e os diversos distúrbios de saúde dela decorrentes apontam para a urgência desta reeducação. Para a nutricionista Emilia Paes de Carvalho, idealizadora dos projetosAlquimia na cozinha: a necessidade de um novo entendimento nutricional e Cantina saudável, é necessário traçar prioridades:


– Mais da metade das crianças brasileiras são obesas – alerta – Precisamos fazer uma reeducação alimentar com foco no que é importante: alimentos naturais que nutrem e digerem fácil – sugere.

 

Apesar da incorporação gradual de alimentos mais saudáveis em rotinas familiares e escolares mundo afora, especialistas ponderam que a combinação entre a correria da vida cotidiana e o excesso de produtos industrializados revelam-se barreiras crônicas à (re)educação alimentar. “As pessoas se esquecem de que o melhor remédio é o alimento consumido da forma mais natural. A cultura alimentícia está perdendo o valor nutricional”, aflige-se Emilia. Para Abelardo, as festas infantis, em que pese a troca gradativa de refrigerante por opções como mate e suco, ainda acolhem, em geral, “transgressões alimentares”:


– Essas transgressões são induzidas por pessoas desorientadas nutricionalmente. Sempre recomendo ir para a festa alimentado, o que não é observado na maioria das vezes – orienta – Maus hábitos alimentares em reuniões sociais, combinados a uma alimentação inadequada no dia a dia, ajudam a perenizar um padrão de alto risco à saúde – alerta o pediatra.

 

Até os seis primeiros meses de vida, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda exclusividade à amamentação. Outras fontes alimentares, como legumes, verduras, frutas, cereais, devem ser introduzidas gradativamente, de maneira conjugá-los com o aleitamento materno, que pode ser estendido até os 2 anos, ou até mais. A recomendação, ainda de acordo com a OMS, reduz o risco de obesidade e outros distúrbios decorrentes de maus hábitos alimentares.

 

Dr. Abelardo Bastos. Foto: Divulgação


No Brasil, cerca de 8,5% dos adolescentes entre 12 e 17 anos são obesos e 25,5% estão acima do peso ideal, aponta o Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (Erica). Os percentuais preocupantes derivam, em parte, da ingestão de açúcar excessiva constatada pela pesquisa da Associação Americana do Coração. Entre os principais vilões estão as bebidas açucaradas, como refrigerantes, chás, sucos industrializados e energéticos. Crianças e adolescentes devem se limitar o consumo de bebidas do tipo a 230ml por semana, recomenda a associação.


– O desmame precoce, a ingestão de comida industrializada e falta de variedade alimentar, somados ao sedentarismo, agravam o cenário – avalia o presidente do Comitê de Saúde Escolar da Sociedade de Pediatria do Rio.

 

A rotina alimentar saudável não só diminui a chance de problemas como cárie e obesidade, mas também se mostra uma aliada potente para dirimir transtornos de saúde. Desde passou a adotar uma alimentação mais saudável, o menino João Paulo, de 7 anos, passou a controlar melhor a diabete descoberta aos 2 anos. A mãe dele, Ariane Boechat, recorda.


– Eu me assustei quando ele bebeu dois litros de água durante uma madrugada. Transpirava mais do que as outras crianças, nunca ganhava peso e tinha muitas infecções. Eu o amamentei durante um mês, e ele sempre apresentou os sintomas desde que nasceu. Nunca fui regrada com a alimentação dele até descobrir a doença .


A obesidade na infância é um tapete estendido a complicações na adolescência e na idade adulta. Está diretamente relacionada a distúrbios cardiovasculares, observa Coutinho:  “A criança obesa vira uma bomba-relógio. Carrega o risco de uma doença cardiovascular explodir no futuro”.

 

Gabriel de Moraes Brasil, de 11 anos, luta contra a obesidade. Caso não adquira hábitos alimentares saudáveis, advertem médicos e nutricionistas, fica difícil espantar ameaças como doenças cardiovasculares, apneia do sono e insuficiência renal. Para o tio do menino, Caio Vieira, o caso ilustra a renitência de uma associação distorcida, ainda relativamente comum, entre gordura e saúde:


– Ele amamentou por no máximo 15 dias. Nunca teve uma alimentação boa. A família achava bonitinho ele comer muito, ser gordinho. Dos 5 anos em diante, só foi aumentando de peso. Ingere tudo em excesso e raramente come algo saudável – lamenta o tio.

 

Arte: Mariana Salles

 

Arte: Mariana Salles

 

Arte: Mariana Salles

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