A novela em torno da cassação do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) chegou ao fim nesta segunda à noite, dez meses depois de ter se incorporado à fogueira política instalada no país desde o ano passado. Uma goleada parlamentar (450 votos a 10) consumou a esperada queda do ex-presidente da Câmara. Revogou-lhe o foro privilegiado e os direitos políticos até 2027. Pesam contra Cunha a acusação de mentir na CPI da Petrobras, em 2015, ao negar contas no exterior; e de receber e movimentar propina, pelas quais responde em ações penais no Supremo Tribunal Federal. Com a perda do foro privilegiado, esses inquéritos tendem a ser encaminhados ao juiz federal Sérgio Moro, sob a batuta da Operação Lava-Jato. Para o cientista político e professor da PUC-Rio Ricardo Ismael, a cassação de Cunha e o fim do processo de impeachment permitirão ao governo Temer e ao Congresso Nacional discutirem pautas essenciais à recuperação econômica do país.
– (O ex-presidente) Itamar Franco só conseguiu legitimidade quando propôs o Plano Real, que combateu a hiperinflação. Temer cumpriu sua obrigação ao não intervir em favor de Cunha, e agora tem a oportunidade de propor pautas que visem colocar a economia de volta nos eixos e diminuir o índice de desemprego – observa Ismael.
Para o também cientista político Carlos Eduardo Martins, da UFRJ, a cassação de Cunha carrega, em escala não menos expressiva, uma carga simbólica. Representa um esforço de a classe política – na berlinda desde as manifestações populares batizadas de Jornadas de Junho, em 2013 – sinalizar à sociedade um interesse em punir corruptos. O analista pondera que, embora os parlamentares “tentem convencer a população de que há um processo de limpeza ética no país”, não se pode descartar o fluxo de tentativas de frear a Lava-Jato.
Os desdobramentos da Lava-Jato, agora sob a possibilidade nada remota de investigar o ex-todo-poderoso da Câmara, e o compasso da campanha eleitoral vão influenciar os rumos das reformas estruturais e da não menos premente agenda econômica, projetam os especialistas. Já a queda de Cunha tende a não influenciar a dinâmica das eleições municipais, acredita Ismael. Pois os antigos aliados do agora ex-deputado não arriscarão cacifes políticos necessários às iminentes ambições eleitorais. Para o cientista político, as “manobras de Cunha para adiar a votação no Conselho de Ética” acabaram se transformando em tiro no pé:
– A votação (referente à cassação) ocorreu no pior momento possível para Cunha. Os aliados obviamente decidiram não votar a favor de Cunha na véspera das eleições. Ele também jamais teria apoio de um governo que ainda tenta conquistar popularidade. Se Temer fizesse algo, daria a entender que é refém do silêncio de Cunha. O mesmo serve para o Congresso, mal avaliado em pesquisas de opinião – argumenta Ismael.
Já na avaliação de Martins, a derrota de Cunha será um “fator decisivo” nas eleições municipais, em outubro, pois, segundo o professor, setores do Congresso temem desdobramentos de possíveis acordos de Cunha com a Justiça.
– Ficou claro que ele não tinha poder individualmente, mas era uma peça dentro de planos orquestrados por uma máfia política para simular o interesse em combater a corrupção. Não se pode, contudo, descartar outro fenômeno político preponderante no processo eleitoral: a acusação, por parte de outros setores, de que o impeachment foi um golpe. Não se sabe o quão importante isso será e qual o potencial de abafar os desdobramentos da derrocada de Cunha com a opinião pública.
Ainda sobre os possíveis acordos judiciais do ex-presidente da Câmara, Martins alerta quanto a “abrandamentos de penas”:
– Cunha possivelmente fará um acordo de delação premiada, para tentar abrandar penas de crimes cometidos, entregando quem o usou como forma de simular o interesse em limpar eticamente o país.
Para Ismael, Eduardo Cunha será lembrado também pela pauta ampla que propôs enquanto presidiu a Câmara e pelos entreveros com o grupo de apoio à então presidente Dilma Rousseff:
– Quando Cunha aceitou o processo de impeachment, acabou com qualquer chance de complacência dos apoiadores de Dilma. Ele ainda passará por maus bocados, pois provavelmente será julgado pelo juiz Sérgio Moro.