Especialistas cobram planejamento estratégico para as relações internacionais do país
18/10/2016 12:06
Mariana Salles

Analistas reunidos da Universidade também condicionam avanço dos Brics a partituras mais cooperativas do que competitivas

Foto por Gabriel Molon

 

A diplomacia brasileira precisa recuperar valores e princípios deixados à margem nos últimos anos. O diagnóstico, não raro entre especialistas na área, foi feito de forma contundente pela professora da Universidade de Brasília (UNB) Ana Flávia Barros, Temer, no seminário organizado pelo Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-Rio para discutir as articulações de China e da Índia com a América Latina (The dragon and the elephant meet the jaguars: China and India in Latin America). Para ela, a entrada de José Serra, nomeado ministro das Relações Exteriores pelo presidente Michel Temer, não sinaliza mudança no que a analista qualifica de vazio de planejamento:

 

– Não observamos nada planejado além de conversar com potenciais investidores. É um momento difícil para o Brasil no plano mundial, porque nossos valores foram deixados de lado. A prova clara disso é o discurso do presidente Temer na Assembleia Geral da ONU – argumenta Ana Flávia.

 

A professora identifica três fases dos recentes posicionamentos brasileiros nas relações internacionais: no governo do ex-presidente Lula, a pasta comandada pelo ministro Celso Amorim indicava “um objetivo claro de mudar a política liberal vigente”; no governo de Dilma Rousseff, sob as batutas de Antônio Patriota e, posteriormente, de Luiz Alberto Figueiredo, “o Brasil perdeu espaço no cenário mundial, mas ainda havia algum foco”; no governo atual, a partitura inclina-se só para a captação de potenciais investidores, avalia a especialista. Ana Flávia acredita que, até para construir ou reconstruir relações econômicas potentes, a diplomacia do Brasil precisa recuperar princípios e valores que pavimentem a retomada de terreno no tabuleiro internacional.

 

O amadurecimento de um plano estratégico para as relações internacionais facilitaria também, ao menos na teoria, o avanço de acordos nos quais o discurso de cooperação e de ganho mútuo ganharia uma dimensão prática. Assim, por exemplo, a “filosofia cooperativa” dos chineses, ressaltada no seminário pelo representante do Instituto de Shangai para Estudos Internacionais, Haibin Niu, renderia mais benefícios para o Brasil, pondera a também professora da UNB Danielly Becard. Embora Haibin reforce que a China “baseia as relações econômicas e políticas na cooperação, de modo que os dois lados saiam beneficiados”, Danielly observa que o Brasil “só sai bem desta troca quando os interesses são compatíveis com os da China”.

 

– No momento, o clima entre a China e o Brasil é de competição, não de cooperação. Precisamos estabelecer um diálogo dinâmico e constante. O Brasil até tenta fazer isso, mas a tentativa torna a relação entre os países mais conflitante, pois não é de interesse da China perder a vantagem – avalia Danielly.

 

Em tom diplomático, Haibin esquivou-se das bolas divididas no debate. Reiterou que o “respeito e o benefício mútuo são essenciais para construir uma relação saudável entre os países”.

 

– Se você não tem uma relação política boa, é muito difícil de estabelecer uma relação econômica boa – lembrou o chinês, dirigindo-se ao público que lotava o IRI na quinta-feira passada, formado por professores, profissionais, analistas e alunos ligados à área de relações internacionais.

 

Sem subestimar o potencial das cooperações econômicas com a China, um dos protagonistas no comércio externo, inclusive com o Brasil, especialistas confiam em avanços na pauta econômica com a Índia. Para o ex-embaixador daquele país na Argentina Rengaraj Viswanathan e o analista Abhijnan Rej, a parceria Brasil-Índia “pode dar muitos frutos”. Já Ana Flávia Barros pondera: os dois países têm boas ideias, mas não têm dinheiro bastante para desenvolvê-las. A sobrevivência dos Brics (grupo formado por Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul), acrescenta a professora, deve-se, em grande parte, á “forte liderança dos chineses”, impulsionados pelo poderio econômico e político.

 

Ainda de acordo com Ana Flávia, a sobrevivência dos Brics “não é a questão mais importante no momento”, e sim a consolidação de agendas comuns que tornem “os benefícios efetivamente recíprocos”. Ela reconhece, contudo, que o futuro do grupo se mostra incerto. Os rumos dependem, segundo Danielly, “da efetiva cooperação entre os Estados, em vez da atual competição”. Otimista, Haibin projeta um horizonte animador aos integrantes do bloco:

 

– Os BRICS mostram que a China não está crescendo sozinha e que é possível ter impacto na economia global sem se encaixar no modelo liberal. Apesar das visões pessimistas sobre a baixa performance econômica do Brasil e da Rússia nos últimos anos, continuamos atraindo atenção e tendo o potencial de emergir economicamente de maneira inovadora – argumenta o representante do Instituto de Shangai para Estudos Internacionais.  

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