Pesquisadores questionam Reforma do Ensino Médio por Medida Provisória
09/12/2016 16:18
Raul Pimentel

Professores Edgar Lyra, do Departamento de Filosofia, e Alicia Bonamino, de Educação, debateram o conteúdo da MP 746 no IV Encontro Institucional Pibid. Consenso é que reforma não toca em pontos necessários

Divulgação

Críticas e dúvidas em relação à Reforma do Ensino Médio marcaram o segundo dia do IV Encontro Institucional Pibid, que contou com a presença dos professores Edgar Lyra, do Departamento de Filosofia, e Alicia Bonamino, do Departamento de Educação. O principal ponto debatido foi o fato de o governo ter proposto a reforma no Ensino Médio por meio de uma medida provisória. Medidas provisórias, previstas no artigo 62 da Constituição Federal, são instrumentos com força de lei, adotados em casos de urgência para produzir efeitos imediatos, e dependem apenas de aprovação do Congresso Nacional para transformação definitiva em lei.

A adoção deste método para realizar a reforma sem diálogo prévio com educadores e a sociedade civil foi criticada pelo professor Edgar:

– Quem já analisou a MP sabe que se trata de um texto lacunar, capcioso e entrelaçado que mexe com as leis do Fundeb e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) propriamente dita. Por que ela não foi encaminhada por outras formas?

Já existia um Projeto de Lei de intenção semelhante à da MP – inclusive ambos tiveram participação direta do deputado Wilson Filho (PTB/PB), sendo ele relator do projeto. Trata-se do PL 6840/2013, que na época já mencionava uma necessária reforma no Ensino Médio do país e tem muitos pontos de concordância com a Medida Provisória.

Os 14 artigos da polêmica medida foram expostos na apresentação do professor. O conteúdo da reforma, bem como os artigos já existentes que ela altera, foi a base de Edgar para apontar dúvidas que levam ao entendimento de que a medida não se sustenta. As principais questões apontadas foram em relação ao financiamento da implementação da MP uma vez que o país passa por uma forte crise econômica. 

– O Fundeb vai financiar? Haveria outras fontes para auxiliar nesse processo? E pior: como isso ficaria à luz da PEC 241 (atual PEC 55), que limita gastos públicos em diversas áreas?

Professor Edgar Lyra. Foto: Raul Pimentel

O professor se referia à Proposta de Emenda Constitucional 241, que institui limites nos gastos públicos em diversas áreas de investimento, com o objetivo de frear o crescimento de gastos públicos e tentar equilibrar as contas do governo. Junto com a MP 746, elas foram o conjunto das mais polêmicas medidas adotadas pelo governo Temer até o momento.

– Eu tenho um amigo professor que diz que a educação no Brasil é uma instituição paquidérmica. Ela tem um peso, uma coisa inercial. Sabe-se que boiada não vira a esquina. Como é que isso vai acontecer nesses prazos que estão postos lá? – completou Edgar.

O professor, que trabalha na elaboração do documento de Ciências Humanas da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), destaca que outra grande incógnita é o fato de a nova BNCC ainda estar sendo elaborada, o que torna a Medida Provisória ainda mais inconsistente e inadequada.

A professora Alicia Bonamino contextualizou o Ensino Médio brasileiro e comparou suas condições ao cenário fluminense. Ela apresentou dados do Movimento Todos pela Educação, baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2014, que mostram que a porcentagem de jovens de 19 anos que concluíram o Ensino Médio no Brasil é de 57% em 2014, enquanto no estado esse número baixa para 54%. Ao mesmo tempo, dados do MEC dão conta de que os professores com formação adequada no Brasil são 59,2%, enquanto no Rio de Janeiro são 68,3%.

Ela também apresentou as exigências de infraestrutura exigidos pelo Plano Nacional de Educação (PNE), que determina que todas as escolas de Ensino Fundamental e Médio devem ter uma série de condições obrigatórias, como o acesso à energia elétrica, o abastecimento de água tratada, esgotamento sanitário e manejo dos resíduos sólidos, o acesso dos alunos a espaços para a prática esportiva, a bens culturais e artísticos e a equipamentos e laboratórios de ciências. “Só balela”, comentou uma das presentes na palestra.

De acordo com os dados baseados no Censo Escolar da Educação Básica 2013 (Inep/MEC) e apresentados por Alicia, apenas 4,2% das escolas tinham acesso a todos esses itens no Brasil. Segundo dados do Censo mais recente, esse número chegou a 4,5% em 2015.

Outro número que merece destaque diz respeito à formação de professores: apenas 2% dos alunos no Ensino Médio querem dar aulas, de acordo com dados do MEC.

Também participaram da mesa – com mediação do professor Marcelo Andrade, decano do Centro de Teologia e Ciências Humanas (CTCH) – as professoras Ana Paula Carvalho, do Departamento de Sociologia; e Maria Cristina Góes, de Letras, que contribuíram complementando e comentando as apresentações de Edgar e Alicia.

Segundo Ana Paula, a questão dos professores é um dos problemas fundamentais para resolver a má condição da educação brasileira.

– A MP não toca em certos pontos e não dá conta de resolver problemas fundamentais, como a questão dos professores no ensino público. Olhar tudo o que vem acontecendo nos leva a crer que caminhamos para uma precarização.

Ainda sobre professores, mas já num nível universitário, a professora Maria Cristina levantou um questionamento acerca da natureza do próprio evento que acontecia, o IV Encontro Institucional PIBID, que se centrou na discussão da atual situação educacional brasileira.

– Isso mostra o quanto estamos preocupados com a formação de professores aqui na Universidade como profissionais mais críticos, mais autores, que podem e devem se colocar diante do que estamos recebendo como imposição.

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