A incansável luta de Modesto da Silveira pelos Direitos Humanos
05/12/2016 17:52
Bell Magalhães

Jornalista Fernando Sá e documentarista Silvio Tendler lembram importância do advogado, que defendeu presos e sequestrados políticos durante a ditadura militar e morreu no último dia 22.

Modesto da Silveira em 1985. Reprodução

Conhecido por seu trabalho como defensor dos presos e sequestrados políticos durante o Golpe Militar (1964-1985), Antônio Modesto da Silveira atuando ao lado de Sobral Pinto, Heleno Fragoso, Evandro Lins e Silva, Humberto Jansen, Rosa Cardoso, Marcello Alencar, Eny Moreira e Evaristo Moraes Filho. Morto dia 22 de novembro, aos 89 anos, no Rio, cidade em que morava havia mais de 60 anos, Modesto é lembrado como o maior advogado de Direitos Humanos do Brasil.

Modesto tornou-se advogado voluntário da Associação de Imprensa (ABI) em 1970. Em 1978, foi eleito o deputado federal mais votado de esquerda do Rio de Janeiro. Em 22 de agosto de 1979, foi um dos articuladores da Lei de Anistia, a pedido do então presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, e de Freitas Nobre, líder do Movimento Democrático Brasileiro. No ano de 1999, recebeu do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ a Medalha Chico Mendes de Resistência.

Um dos organizadores do livro Os advogados e a ditadura de 1964: A defesa dos perseguidos políticos no Brasil (Editora PUC/ Editora Vozes), o jornalista e editor Fernando Sá define Modesto da Silveira como um homem generoso cujas motivações eram o senso de justiça e a retomada do estado de direito. Para Fernando, professor da PUC-Rio, modesto ousava na defesa da democracia:

– Ele fez parte de um grupo de advogados que sempre me intrigou muito. Não eram associados a entidades ou partidos políticos, e trabalhavam em um ambiente de precariedade institucional e material. É um brasileiro ilustre que merece todas as homenagens.

O livro tem o prefácio de Dom Paulo Evaristo Arns, que também participou da procura por desaparecidos políticos quando cardeal-arcebispo de São Paulo, e um dos criadores do Projeto Brasil: Nunca Mais, sistematização de informações clandestina entre 1979 e 1985 que revelou a extensão da repressão política no Brasil. Vários casos defendidos por Modesto da Silveira estão no relatório.

Diretor do documentário Os advogados contra a ditadura: Por uma questão de Justiça, baseado do livro, o cineasta Silvio Tendler, também professor da PUC-Rio, lembra como Modesto da Silveira era um homem simples e estava a postos para acabar com a injustiça da ditadura:

– Ainda lembro de quando recebi o troféu Margarida de Prata (C.N.B.B) por Jango, em 1984, e Modesto foi até a entrega. Ele era uma pessoa muito querida. Foi presente tanto nos julgamentos como nos movimentos paralelos. “Onde tem uma causa eu estarei lá”, dizia. E ele estava em todas. Ainda lembro de quando ele compareceu

Modesto da Silveira e Silvio Tendler. Créditos: Acervo Caliban

Antônio Modesto da Silveira nasceu em 23 de janeiro de 1927, no distrito de Ponte Alta, próximo a Uberaba, no Triângulo Mineiro. Filho de lavradores e de origem humilde, começou a trabalhar aos 9 anos, em Uberlândia, como faz-tudo. Fazia de tudo: carregava serragem, levava lenha, malas dos viajantes, engraxava sapato; o trabalho que ganhou destaque foi o de boieiro – pessoa que busca as ­refeições – para trabalhadores de uma pedreira.

Mais tarde, foi convidado Adelino, dono de uma pedreira, após o chefe de Antônio no serviço de boieiro ficar impressionado com a réplica de um paralelepípedo que o menino havia feito no intervalo entre as entregas. Por conta desse serviço tão precoce, Modesto carregava no corpo fragmentos de metal que saíram das ferramentas de trabalho até o fim de sua vida.

Foi no comício de Luiz Carlos Prestes, em Uberlândia, em 1945, local conhecido pela quantidade de operários europeus imigrantes de linha anarquista e comunista que habitavam a cidade e espalhavam a filosofia de libertação do proletariado. Apesar da tentativa de boicote do comício do comício de Prestes pelo bispo Dom Alexandre Amaral, Modesto viu que o bispo estava errado – dizia que comunistas eram destruidores de famílias entre outros xingamentos que eram comuns na época da Ditadura Militar. Prestes continuou com o comício mesmo com todos os intemperes, e foi a partir desse acontecimento que Modesto da Silveira definiu o seu posicionamento político. Nesse mesmo ano, os votos do futuro advogado foram para Luiz Carlos Prestes e outros candidatos de esquerda.

Em 1948, se mudou para o Rio. Trabalhava de dia no Colégio Brasil-América – onde hoje fica o Colégio Pedro II Humaitá – e terminou o ginásio (atual Ensino Médio) no Rui Barbosa. Após prestar provas para oficial da Marinha Mercante e passar com êxito, viajou por América Latina, Europa, Estados Unidos como praticante na Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro. Após ter aceitado o convite de trabalho pela Frota Nacional de Petroleiros (atual Transpetro), navegou pelo mundo de 1950 a 1957. Em 1962, dois anos antes do golpe de 64 que marcaria o início da Ditadura Militar, Modesto concluiu a faculdade de Direito na Universidade do Brasil (hoje UFRJ). 

 

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