Novas agendas para superar as incertezas no Brasil e no mundo
19/12/2016 16:38
Raul Pimentel

Na abertura da série de encontros promovidos pelo Jornal da PUC para discutir as pautas do ano em áreas essenciais ao país, o cientista político Ricardo Ismael e o economista Paulo Wrobel, também professores da Universidade, debatem os rumos para o Brasil reencontrar o prumo político e econômico num mar de instabilidade

Professores Paulo Wrobel e Ricardo Ismael. Fotos de Fernanda P. Szuster

A palavra que resume a agenda política para 2017, no Brasil e no mundo, é incerteza. Assim pensam os especialistas reunidos pelo Jornal da PUC para uma conversa sobre os possíveis rumos do cenário político brasileiro e mundial: o cientista político da PUC-Rio Ricardo Ismael, professor do Departamento de Ciências Sociais, graduado em Engenharia, com mestrado e doutorado em Ciência Política pelo Iuperj; e o economista Paulo Wrobel, professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI), mestre em Ciência Política pelo Iuperj e doutor em Relações Internacionais pelo King’s College London.

Ismael observa que o colapso do sistema político abre brechas, no Brasil, para a ascensão de um candidato outsider em 2018, com um discurso não político, como ocorreu com Donald Trump nos EUA, o que seria, a seu ver, “um resultado pior do que estamos vendo agora”. Mas acredita que os 12 milhões de desempregados, os 50 milhões dependentes do programa Bolsa Família e de serviços sociais levarão o eleitorado brasileiro a querer, “no mínimo”, uma agenda de centro-esquerda. Paulo Wrobel afirma que o principal problema do país não é a corrupção, mas a ineficiência, e considera “fantasiosa” a hipótese de um governo de união nacional. Mas vê “um lampejo de saída até 2018”, baseada na credibilidade do ministro Henrique Meirelles e do Banco Central em médio/longo prazo.

No cenário internacional, é possível observar o mesmo fenômeno de crise da representatividade e, como apontaram os especialistas, uma onda de conservadorismo, movida principalmente pela preocupação com as questões de imigração da Europa. A eleição do republicano Donald Trump nos EUA, e o plebiscito favorável à saída da Inglaterra da União Europeia, nesse sentido, são acontecimentos fundamentais.

O encontro, realizado no dia 24 de novembro, inicia uma série centrada nas agendas de 2017 nas áreas de política, economia e meio ambiente. A seguir, a conversa com os especialistas:

Jornal da PUC: Vamos começar pela crise de representação. Desde as manifestações de junho de 2013 a população tem manifestado insatisfação com o funcionamento e corrupção do setor público e com o sistema de representação democrática, o que se refletiu nas eleições de 2016 para prefeito e evidenciou a necessidade de uma reforma. O índice de abstenções nas eleições para prefeito em todo o país foi de 21,5%, e o de votos nulos foi de 12%, sendo que no Rio de Janeiro chegou a 26,8%, ou 1,3 milhão de pessoas, segundo dados do TSE. O que podemos dizer e esperar dessa crise?

Paulo Wrobel: Num aspecto mais internacional, as últimas eleições e plebiscitos no mundo mostraram um comparecimento relativamente baixo. A última eleição americana ficou mais ou menos na média dos últimos anos, um pouquinho abaixo da anterior, em torno de 60%. A democracia representativa sempre esteve em crise. Ela é um processo evolutivo. Talvez o que nós estejamos atravessando, não só no Brasil como no mundo, seja uma crise da figura do político. Isso ficou muito claro no Brasil e nos Estados Unidos também. Há certa rejeição de boa parte da população ao sistema político, ao status quo. Não vejo como resolver essa questão no futuro. Até porque as demandas são muito grandes – e essa é uma questão mundial também –, as expectativas das populações são muito altas em relação aos serviços, e claramente os sistemas políticos não atendem a elas, exceto em regiões como a Escandinávia.

Ricardo Ismael: No Brasil, é evidente que, como temos um sistema de voto obrigatório, há de se registrar um crescimento. Nesta eleição, principalmente no segundo turno, tivemos realmente um elevado número de voto nulo e abstenções. Aí tem duas questões: o fato de que no Brasil temos cada vez mais partidos, e as pessoas se sentem cada vez menos representadas por eles. Existe uma capacidade de criação que vai se ampliando. Até podemos falar de alguns que introduziram algum ponto na agenda, como o Psol e a Rede, mas na verdade há um monte de partidos criados ao longo dos anos que não acrescentam muita coisa. Temos uma característica de fragmentação partidária que continua grande, e isso certamente acontece nas casas legislativas e nas eleições. O segundo ponto, nos mantendo nas eleições deste ano, é que de alguma maneira a eleição municipal representa uma mudança principalmente na perda de força do PT, que se diz o principal partido da esquerda, e começa a haver um crescimento do centro, centro-direita. O PT perdeu 60% das prefeituras, também em cidades de maior peso.

Paulo Wrobel: [não elegeu] Nenhuma no ABC paulista...

Ricardo Ismael: É, nenhuma no ABC paulista também. Ou seja, você tem de fato um processo de mudança no nosso sistema político.

Paulo Wrobel: Há também uma crise do PMDB no Rio. Não só com a prisão de Sergio Cabral, mas também com a derrota do candidato da prefeitura, Pedro Paulo, que teve uma participação pífia, seja batendo ou não batendo em mulher.

Ricardo Ismael: É, o PMDB consegue ainda assim o maior número, 1.028 prefeituras, uma base muito grande, mesmo concentrada nos pequenos e médios municípios. Então o PMDB, principalmente em 2018, será importante para a eleição do Congresso Nacional. Para a eleição presidencial ele continua com um problema sério, porque não tem uma figura nacional forte. No Rio, certamente está em crise, assim como no Rio Grande do Sul. Aí já é outro componente: o estado afetado gravemente pela crise econômica e tem problemas mais graves de gestão e corrupção. Aí entra um ingrediente novo na questão política. O ciclo do PMDB na capital se encerrou, e provavelmente vai se encerrar em 2018.

Professor Paulo Wrobel (Foto: Fernanda Szuster)

Jornal da PUC: Vocês falaram de um ganho de forças do centro-direita, da direita política. Vimos o Trump vencendo a eleição, vemos a França numa época pré-eleição em que Sarkozy, também tido como um político tradicional, perdeu força e não pode mais ir às eleições. Acham que isso é também um fenômeno mundial?

Paulo Wrobel: Eu tento não ver o mundo, politicamente falando, em termos de esquerda e direita, desde o fim do comunismo. De lá para cá, as agendas mudaram, de certa maneira. Talvez fosse melhor falar de uma espécie de onda conservadora, que tem a ver com vários aspectos, tanto nos EUA como na Europa. Tem a ver, é claro, com a questão da imigração. Quem olha de fora geralmente protesta, acha um absurdo que os imigrantes não possam entrar no país, mas não é bem assim. É uma questão que afeta as populações, afeta o bem-estar. E isso está no fundo do que motivou o Brexit. O sujeito que vive no interior da Inglaterra tem problema ao colocar os filhos numa escola pública, num hospital público e outras coisas. É real, não é invenção. Sobre Donald Trump, tenho acompanhado isso dia a dia, e até agora acho difícil classificar quem é ele, se ele é esquerda, direita. A agenda dele é mais conservadora, mas no sentido americano, que significa cortar impostos, a questão da imigração, a questão de tarifas de livre comércio. Se isso é esquerda ou direita, não sei. O que Donald Trump é é um ponto fora da curva, porque ele não pertence ao sistema político tradicional. A melhor maneira de definir o Donald Trump é como um outsider (de fora, estranho a determinado grupo). O que isso significa? Ninguém sabe. Nem ele, provavelmente. Ninguém sabe quais são as consequências de curto, médio e longo prazo, que terão as políticas que ele adotar nos EUA. Eu evitaria qualificá-lo neste momento. É claro que, se quiser classificar a Marine Le Pen, candidata conservadora francesa, vai classificá-la de extrema direita. A França sempre foi paradigma de esquerda e direita desde a Revolução Francesa, mas isso mudou. As questões são diferentes, são as questões de muçulmanos, do número de imigrantes.

Ricardo Ismael: Concordo com o Paulo que na verdade é muito reducionista ficar apenas olhando para esse debate de esquerda e direita para analisar a política do Brasil. Mas, pegando essa chave, admitindo que ela teria que ser ampliada por outros aspectos, não há dúvida de que 2015 e 2016 trouxeram uma inflexão da chamada esquerda bolivariana, semibolivariana, de Kirchner, Maduro, Dilma etc. Não há o que contestar. Kirchner no ano passado perdeu a eleição, Dilma sofreu impeachment e Maduro está numa situação muito delicada. Então não há dúvida de que há essa inflexão na América do Sul. O que significa isso? É uma questão mais conjuntural ou realmente é um fim de um ciclo e, portanto, se desenha alguma ascensão de forças que estão mais no centro, centro-direita? Isso não está muito claro. Algo de positivo que está acontecendo no Brasil são essas investigações, tanto na esfera federal e estadual, que têm mostrado esquemas de corrupção inadmissíveis para a democracia e a tradição republicana. O sistema político, para dizer o mínimo, está em pânico. Políticos tentam conter essas operações, não sabem como fazer isso, enquanto o povo se posiciona ao lado da Polícia Federal, do juiz Sergio Moro. Com o sistema político entrando em colapso como sentimos que está, pode surgir em 2018 um outsider, alguém que venha com um discurso de que ‘não sou político’, e aí pode até ser um resultado pior do que estamos vendo agora. Mas tem um aspecto que me deixa mais convicto de que a agenda não vai mudar tanto: são 12 milhões de desempregados, quase 50 milhões de pessoas dependendo do programa Bolsa Família, serviços sociais – saúde, educação, transporte, saneamento básico, moradia – precisando de investimento. Isso me leva a crer que o grosso do eleitorado brasileiro vai querer, no mínimo, uma agenda de centro-esquerda. É possível que tenhamos uma agenda mais conservadora na área dos costumes, aí é outra discussão. Do ponto de vista de responder a essa demanda por mais emprego, melhores serviços sociais e pelo atendimento desses brasileiros abaixo da linha da pobreza, o que é absurdo para o nível econômico que temos. Mesmo se for um candidato de centro, centro-direita, ele vai ter que falar para esses brasileiros. Para quem está lá no Bolsa Família, para quem está desempregado. Então ele vai ter que prometer política social. Aí muda, porque, se o discurso é esse, ele se distancia do discurso de direita. Porque não é possível, ninguém ganha uma eleição em 2018 com um discurso desses. Acho que a maioria do eleitorado vai querer soluções para problemas que, daqui para 2018, com sorte vão se manter como estão. Com sorte o Brasil vai passar por 2017 com um desemprego na faixa de 12,13%, com os serviços sociais sem se deteriorar mais do que já estão.

Paulo Wrobel: Assino embaixo nessa questão das investigações. O Brasil precisa de uma lavagem que pegue o município, o estado e o governo federal. Isso está acontecendo. Do ponto de vista político, é uma tragédia e também acho que a situação econômica é dramática. Estamos passando pela pior recessão da história do Brasil. Há um consenso entre economistas em relação a isso. A demanda por serviços no Brasil está catapultando. Mas lembro o seguinte: Collor foi eleito por voto com uma plataforma conservadora no momento de alta crise econômica e social, época da inflação. Foi eleito com um discurso antimarajás, contra as mordomias do funcionalismo público. Esse discurso talvez tenha sido desacreditado de lá para cá. Certamente o governo dele foi um fracasso, mas o discurso a favor de mudar a política econômica não se esvazia. Então o cenário para 2018 é, sendo otimista, igual ao de hoje. Falava-se que a economia poderia se recuperar a partir do primeiro semestre do ano que vem, mas tudo indica que não. No segundo semestre pode ser, mas lidar com esses problemas – essas 12 ou 13 milhões de desempregados, essas 50 ou 60 milhões abaixo da linha de pobreza – é algo de longo prazo. Mesmo assim, essa relação dinâmica entre economia e agenda social é uma questão global. Quando falamos da França, por exemplo, ou de alguns países da Escandinávia, estamos falando de padrões de sociedade e políticas sociais muito mais resolvidos no sentido de que não há miséria. A expectativa e a demanda da população do mundo por bons serviços públicos é enorme, e esse é um ponto fundamental. Mas isso não garante que um candidato do que chamaríamos de esquerda ou de centro-esquerda ganharia a eleição. Pode haver um candidato que se aproprie dessa agenda e diga que o país tem que crescer, e só se crescermos teremos dinheiro para distribuir em políticas sociais. Como crescemos? Com economia de mercado. Eu não acho que esse seja um discurso que não possa colar. De qualquer forma, não vejo nenhum candidato natural. A esquerda fala em Ciro Gomes (PDT-SP), mas eu pessoalmente não vejo nada por aí. Concordo também que pode haver um outsider. O quadro político, portanto, é de uma grande interrogação no Brasil e no mundo também. Eu usei a expressão “onda” para falar de “onda conservadora”, mas é difícil dizer que isso é uma onda no sentido de que vai permanecer por muito tempo. Mesmo na França pode ainda vencer o candidato socialista Manuel Valls. Mas a tendência é essa, principalmente pela questão da agenda política, econômica e social.

Jornal da PUC: Usando o gancho do outsider – do político fora da curva – que mencionaram, se pegarmos um exemplo na esfera municipal, é difícil não pensar no João Dória, em São Paulo. E, nessa discussão do governo de 2018, alguns analistas apontaram que Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, sai muito fortalecido. E também há um rumor interessante que diz que se houver instabilidade no governo Temer a ponto de pôr em cheque sua credibilidade, seria necessária a formulação de um governo de união composto pelos dois maiores nomes da política recente brasileira, que são Lula e Fernando Henrique Cardoso, nomes teoricamente de esquerda e centro-esquerda. O que vocês acham dessas hipóteses?

Ricardo Ismael: O cenário internacional agora ficou mais incerto com a eleição de Trump – ninguém sabe para onde ele vai, talvez nem ele mesmo saiba –, sabemos que algo está querendo mudar. Já seria muito complicado fazer essas mudanças econômicas dentro dessas incertezas todas. E ainda há outra coisa: para mim, o maior problema é a crise política. Ela é incrível, muito grave. Porque houve o impeachment da Dilma, e aí acho que ele atendeu aos requisitos previstos na Constituição e atendeu ao ritual estabelecido no Supremo Tribunal Federal. Não houve golpe. Acho que foram atendidos todos os requisitos, e a Constituição diz que no caso de um impeachment quem deve assumir é o vice. O vice da Dilma é o Temer, quem escolheu o Temer foi ela, Lula e o PT. Então não tem jeito. Não poderia ser outra pessoa. O melhor é que não fosse o PMDB, o melhor é que não fosse o Temer, mas não tem jeito. Escolheram o Temer em duas eleições para vice, como é possível inventar outra pessoa agora? Aí sim seria golpe. O Supremo Tribunal Federal, a cada vez que houve questionamento, se pronunciou como guardião da Constituição, então não dá para acreditar que o STF está conspirando com Eduardo Cunha, com 513 deputados, 81 senadores e deu um golpe. Isso é história de carochinha, mas faz parte do jogo político, tem que criar uma narrativa e falar para o público. Só que isso não colou. Estão aí as eleições deste ano para provar. Agora, há uma incerteza muito grande acerca do mandato do Temer, porque ninguém sabe se ele termina. Pode sair uma cassação da chapa no Tribunal Superior Eleitoral ainda, aí a eleição vai indireta para o Congresso Nacional, aí talvez venha o Fernando Henrique, mas não Lula. Lula está fora da possibilidade de ser eleito indiretamente. Mais provável seria o Fernando Henrique, mas dentro dessa perspectiva de um mandato tampão para chegar a 2018. Temer, na última pesquisa que vi, tinha 40% de avaliações Ruim/Péssimo, portanto ele é um governo impopular já de cara. O grau de liberdade que ele tem é muito pequeno. O melhor cenário seria onde o Temer conseguisse apontar certa direção para que o desemprego não crescesse e para que a crise fiscal não saísse de controle, para que chegássemos a 2018 e se fizesse uma eleição. E aí em 2018 vemos se a direção dada por ele se mantém ou muda. Portanto, antes de fazer previsões para candidatos em 2018, é preciso pensar primeiro em quem vai sobreviver até lá. Não sabemos se o governo Temer sobrevive, não sabemos se o Lula chega lá para ser candidato, se Aécio Neves sobrevive para ser candidato. Eu diria, então, que há uma incerteza enorme na política brasileira, o que complica muito a retomada do crescimento.

Professor Ricardo Ismael

Paulo Wrobel: Eu vejo um lampejo de saída até 2018. Eu concordo, a situação é muito complicada, mas vejo uma luz no fim do túnel: a política econômica que o ministro Henrique Meirelles e o Banco Central simbolizam estão adquirindo credibilidade de médio/longo prazo. Por exemplo, esta semana tivemos a notícia de que a inflação está caindo. Depois de fugir do controle durante quatro, cinco anos, é possível que a inflação brasileira fique dentro da meta, abaixo de 6,5%. Isso é bom, porque traz credibilidade. Investidor quer credibilidade, tanto o nacional como o estrangeiro. É possível se pensar num novo ciclo de crescimento. Algum dia vai acontecer. Meirelles é um profissional conhecido no mundo inteiro. Ele foi presidente do Banco Central por oito anos (2003-2010) durante o governo Lula. Ele fez a política econômica do Lula, ou seja, ele tem credibilidade. Pode ser que isso seja um lampejo de que a situação pode se estabilizar até 2018. Mas eu concordo, o nome do Alckmin é natural porque a eleição do prefeito de São Paulo foi uma surpresa para todo mundo. Ele não era nem o preferido do PSDB, do FHC, do Aécio, do José Serra. Ele era o preferido do Alckmin, e teve uma eleição acachapante. Foi a primeira vez na história da cidade de São Paulo em que alguém se elegeu no primeiro turno. Mas ele é mais ou menos outsider, porque já tinha sido secretário de governo, é filho de um político. São Paulo pode se transformar numa cidade atraente. Isso aumenta a credibilidade do Alckmin. Ele sai fortalecido. O Aécio, por sua vez, sai enfraquecido. Então é muito provável que se houver, e parece que vai ter, uma eleição interna para a escolha de um candidato para 2018 do PSDB, é provável que o Alckmin ganhe, e ele vem com chances. Agora, como o cenário é muito instável, eu concordo com o Ismael, é difícil demais especular o que vai ser ou não. No caso da hipótese de um governo de união nacional, considero uma hipótese fantasiosa.

Jornal da PUC: O Senado e a Câmara estão aprovando uma série de medidas impopulares. É a PEC 55, do teto dos gastois, a MP 746, que é a reforma do Ensino Médio, a PEC da Anistia, parte do pacote anticorrupção, e propostas da Reforma Política, que incluem a ideia de desempenho para fundos partidários, diminuição do número de partidos políticos, entre outros. Como acham que as investigações e prisões de políticos se conjuga a essas reformas encaminhadas?

Ricardo Ismael: Eu vejo três acontecimentos principais no Congresso Nacional. Primeiro é a questão da PEC do teto dos gastos – PEC 241 na Câmara e 55 no Senado. Outra coisa é a tentativa de anistiar o caixa dois, se antecipando a possível delação da Odebrecht e outras delações que vão envolver políticos. Há uma ação de vários partidos no Congresso Nacional que querem aprovar isso da maneira mais rápida possível, juntamente com a tentativa de Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado Federal, de aprovar uma lei de abuso de autoridade. Para mim, não há a menor dúvida: trata-se de uma operação do Congresso contra a Operação Lava-Jato. Outra coisa ainda, que é muito enrolada, é essa ideia da Reforma Política. O que houve até agora foi que o Senado aprovou regras para a Câmara. Isso nunca funcionou. Da mesma maneira a cláusula de desempenho. O problema da PEC dos Gastos é que ela não está sendo explicada para o Brasil. O noticiário diz que Garotinho foi preso, que Cabral foi preso, que querem anistiar o caixa dois, então ninguém sabe o que é a PEC dos Gastos e o que ela propõe. E aí entra o jogo político, onde a oposição diz que a PEC vai acabar com a educação, vai acabar com serviços sociais. Quem ouve isso entra em completo desespero. Os economistas dizem que a PEC está sendo aprovada, mas que ela só vai funcionar com uma reforma da Previdência. Quer dizer, se limitar o aumento dos gastos e não limitar o aumento da Previdência, o déficit vai continuar crescendo acima da inflação por causa dessas despesas. No fundo, há uma inquietação no Brasil porque ele ainda não consegue ter espaço para fazer muita coisa. Ele tem maioria, ele aprova, mas isso não quer dizer que a sociedade vá apoiar. Se houver um acordão no Congresso Nacional de aprovação do caixa dois e na lei do abuso de autoridade, estamos perdidos, porque vai começar uma guerra entre o Legislativo e o Judiciário. E a pergunta vai ser automática: e Temer? Fica do lado de quem?

Paulo Wrobel: A questão do sistema previdenciário brasileiro é tão séria, mas tão séria, que se você colocar no lápis e papel, não há saída. É impressionante, e a tendência é aumentar, porque a população brasileira está envelhecendo. E aí como dá previdência? Não dá. É ao mesmo tempo uma crise economia de dimensão planetária, e uma crise política também de dimensão planetária. Mas eu sempre procuro ver o lado positivo. Eu só entraria com a seguinte questão: a Lava Jato aumentou a credibilidade do Judiciário brasileiro, os políticos estão lutando pela sua vida política. É uma briga de titãs. Como isso vai se desenvolver, ninguém sabe. Além disso, quando se vê o ex-governador Sergio Cabral sendo preso, quer dizer que alguma coisa está mudando neste país. Isso traz certo orgulho para o brasileiro, algo que se perdeu. A única comparação internacional que todos fazem, e o próprio Sérgio Moro fez na sua tese de mestrado, é com a Operação Mãos Limpas (Mani Pulite), que aconteceu na Itália e foi muito bem-sucedida. Só que ela deixou um enorme vácuo político que propiciou a ascensão de Silvio Berlusconi. Então o Brasil pode ter esse vácuo político.

Ricardo Ismael: Precisamos de instituições capazes de apontar um caminho e operar as demandas da população. O Paulo apontou muito bem quando disse que temos que ter uma política econômica que funcione. A política econômica de Dilma foi um desastre, e agora não existe mais nenhuma dúvida disso. Concordo que haja uma credibilidade da nova política econômica do Meirelles. É importante que a gente confie nas instituições e que o Congresso Nacional observe o momento que o país está vivendo. Na aprovação de uma anistia para isentar os deputados e senadores, numa lei de abuso de autoridade que tem a intenção de intimidar os juízes e procuradores, a população não vai ficar do lado do Congresso. Nesse momento, o caso do Rio de Janeiro é emblemático. Saiu do controle. Servidores recebendo um salário em sete meses. O povo está tendo muita paciência e está tendo uma enorme disposição para colaborar. Mas paciência tem limite.

Paulo Wrobel: No caso do Rio, não consigo ver uma saída. Uma crise fiscal desse tamanho não é de hoje, ela vai se criando durante anos.

Ricardo Ismael: Sim, e a crise fiscal não é só a corrupção. Ela não existe só porque existe muito roubo, ou porque o governador fez isso ou aquilo. Existe um problema que não sei se vai ser resolvido até 2018. Com a queda de arrecadação que tivemos a nível federal, não se consegue mais financiar o que a Constituição estabelece em previdência social. Estamos precisando de uma reforma. Há três saídas: ou se aumentam impostos, ou se penalizam os servidores com perda de salários e benefícios, ou se amplia a dívida dos estados e deixa-se para a próxima geração pagar. Não há uma solução mágica para isso. Mesmo se tirar completamente a questão da corrupção, a conta não fecha. Ou é aumento de impostos, ou é corte das despesas, ou aumenta a dívida.

Paulo Wrobel: E sabe o que vai acontecer? Provavelmente as três coisas! Uma não é incompatível com a outra. Tem que ter, não tem jeito. O Estado do Rio tem quase 600 mil funcionários. Quase 300 mil são aposentados e pensionistas, e com esses não há o que fazer. É direito adquirido, tem que pagar. E há em torno de 250 mil funcionários servindo atualmente. Essa máquina funcionaria com 50 mil, com 100 mil. Os governos do município, do estado e do país sempre acharam que era competência deles dar emprego, mas isso não dá certo para sempre. Chega num momento que não tem como pagar. Acho que o problema principal não é a corrupção, é a ineficiência.

Ricardo Ismael: Até 2014 o governo estava conseguindo levar, mas chegou um momento em que a bomba estourou. A bomba estourou no colo do Pezão, da Dilma, e vai estourar também para os prefeitos. A saída não é fácil, ela impõe sacrifícios. No Rio, além do problema ser grave, nós não temos liderança para assumir o processo. Não há mágica para resolver a crise, temos que discutir propostas. Tem que ter alguma proposta, senão a crise continua.

Paulo Wrobel: Quero acrescentar que quando o governador Luiz Fernando Pezão se afastou para cuidar do câncer, assumiu Francisco Dornelles. Eu conheço Dornelles, é um grande economista, um dos maiores especialistas em finanças públicas da Fundação Getulio Vargas. Ele olhou a situação e levou as mãos à cabeça. Além disso, o Pezão foi vice do Sergio Cabral durante oito anos. Se o Sergio Cabral está nessa complicação toda, ele perde credibilidade.

Ricardo Ismael: É evidente que temos que pagar melhor os professores. Que temos que atender bem a pessoa que procura a saúde pública. Que temos que pagar melhor profissionais da segurança pública. Mas é evidente também que houve problemas de ineficiência e de corrupção, somado à queda de arrecadação da crise econômica. Há uma situação que está fora de controle.

Paulo Wrobel: Faço uma analogia: no processo de transição do fim da União Soviética para a Rússia, durante o governo Boris Yeltsin, houve um período em que o estado faliu. Não pagava salário, aposentadoria. Foi uma crise social tremenda que depois voltou. Não chegamos a esse nível ainda no Estado do Rio, mas podemos chegar.

Ricardo Ismael: Provavelmente o que vai acontecer é o aumento da dívida do estado e o aumento de impostos. Picciani, presidente da Assembleia Legislativa, já percebeu isso, e já dá sinais a Pezão de que ele vai ter que correr para o governo federal para tentar arranjar alguma saída.

Jornal da PUC: Levando em conta tudo o que foi discutido aqui, para onde acham que estamos caminhando em 2017, tanto no Brasil como no mundo?

Paulo Wrobel: No Brasil, a situação é muito incerta, com falta de credibilidade estadual e federal. Como ex-economista, é preciso fazer um corte sério das contas públicas. Temos que torcer pela recuperação econômica o quanto antes. Em termos globais, cito duas ocorrências nos últimos dias: Donald Trump revelou as cinco primeiras medidas que vai adotar nos seus primeiros dias de governo. Uma delas é que EUA saem da Parceria Transpacífico, revelando uma proposta protecionista. Um dia depois, num encontro político em Lima, no Peru, o presidente chinês Xi Jinping afirmou que a China é francamente a favor do livre comércio. Ou seja, mudou o polo. O líder hegemônico do mercado internacional hoje é a China. Vamos ver se essa relação se dá de maneira pacífica, numa coexistência, ou não.

Ricardo Ismael: Em nível internacional, temos que torcer por Angela Merkel e para a reeleição dela na Alemanha. Torço também para que as instituições, nos EUA, sejam mais fortes do que o Trump, para que consigam frear suas inconstâncias. Minha conclusão é de que, de alguma maneira, o processo do Brasil vai ser muito mais lento do que estamos imaginando. A crise não vai aceitar medidas ortodoxas, como querem alguns economistas. É fácil dizer o que é preciso fazer, mas vai lá convencer a Assembleia. Vai lá convencer os sindicatos. Aí é política. Se ainda tivesse uma liderança capaz, alguma medida poderia ser tentada. Mas não tem. A margem de manobra do Temer é mínima, e Pezão fica pior ainda com a prisão de Cabral.

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